quarta-feira, 26 de junho de 2019

Caso Moro x Caso Snowden: coberturas de Greenwald são parecidas, mas não iguais

RESUMO DA NOTÍCIA

  • Glenn Greenwald, que vazou mensagens atribuídas ao ministro Sergio Moro, foi coautor de reportagem ao lado de Edward Snowden sobre a CIA
  • Separamos semelhanças e diferenças entre o modus operandi do jornalista nos dois caos
Por Rafa Santos (@vitoriodesica)
Na guerra entre informação e desinformação que tem assolado o Brasil nos últimos anos, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald rompeu uma importante barreira. Deixou de ser apenas um profissional que publica informações para ser ele próprio objeto de curiosidade do público. Consequentemente se tornou alvo de fake news, notícias enviesadas e todo o chorume narrativo que inunda os grupos de WhatsApp.

Leia também

O profissional se tornou conhecido mundialmente com uma série de reportagens sobre programas secretos de vigilância global dos Estados Unidos. Em parceria com alguns jornalistas, o analista de sistemas Edward Snowden e a documentarista Laura Poitras, Greenwald mostrou ao mundo que a Agência Nacional de Segurança (NSA) violava repetidamente a privacidade de milhões nos Estados Unidos e no mundo. Pessoas comuns, executivos e líderes globais –aliados ou não— tiveram dados coletados, e-mails invadidos e telefonemas gravados.
As revelações provocaram um debate global sobre os abusos praticados pelas agências de inteligência dos Estados Unidos e renderam ao jornalista o prêmio Pulitzer. O documentário sobre o seu trabalho ganhou o Oscar em 2015. Greenwald também foi o primeiro jornalista estrangeiro a receber o prêmio Esso por suas revelações sobre a vigilância norte-americana no Brasil publicadas no jornal 'O Globo'.
Ele também cobriu ativamente o processo que levou ao impeachment de Dilma Roussef e a prisão do ex-presidente Lula. Sua notoriedade no Brasil, no entanto, ganhou proporções inéditas recentemente graças as revelações do site 'The Intercept' sobre a promiscuidade das relações entre membros do Ministério Público e o ex-juiz Sérgio Moro.

Semelhanças

Tanto no caso Snowden como no escândalo recente sobre a Lava Jato, o trabalho de Greewald teve desdobramentos parecidos: autoridades desnorteadas oferecendo diferentes versões dos fatos e se debatendo diante de cada nova revelação.
Outro ponto em comum é a busca de um argumento forte o suficiente para tentar justificar abuso de poder e violações éticas. Nos Estados Unidos a justificativa era o combate ao terrorismo. No Brasil a aposta é no combate a corrupção.
Nos dois casos se nota também a tentativa de desqualificar a fonte de informação. A discussão sobre o modo como as informações foram obtidas foi promovida por agentes públicos e repercutida por parte da imprensa norte-americana que preferiu focar na forma e deixar de lado o conteúdo dos escândalos. Snowden foi acusado de espionagem, roubo e conversão de propriedade do governo. Ele teve seu passaporte anulado e atualmente vive exilado na Rússia.
As autoridades públicas brasileiras, por sua vez, argumentam que foram alvos de um ataque hacker e que o material publicado pelos jornalistas do 'The Intercept' pode ter sido adulterado.
A cada nova revelação, no entanto, os atores principais do vazamento da Lava Jato como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e os procuradores da força tarefa apresentam versões distintas. Em um momento as informações foram tiradas de contexto, em outro não tem nada de mais e mais recentemente simplesmente não são reconhecidas por eles como verdadeiras.
Os jornalistas do 'Intercept' em nenhum momento afirmaram que o material vazado foi obtido por meio de um ataque hacker. Eles não falam sobre sua fonte de informação com base no direito assegurado pela Constituição aos jornalistas de sigilo.
A tática de Grennwald para minar especulações sobre a veracidade de seu trabalho é incluir mais jornalistas e veículos de comunicação nas revelações. No caso Snowden, as revelações foram públicas em diversos jornais como 'Guardian', 'O Globo', 'The New York Times', 'The Washington Post' e o alemão 'Der Spiegel'.
Muitos jornalistas foram envolvidos na apuração das reportagens de modo que qualquer tentativa de deslegitimar as informações passaria necessariamente pela frivolidade de se imaginar uma conspiração de repórteres de diferentes partes do mundo.
No Brasil quem trabalha no caso é a equipe do 'The Intercept' liderada pelo editor executivo Leandro Demori, o analista político Reinaldo Azevedo e o time de repórteres da 'Folha de S.Paulo'. A primeira reportagem em parceria com o periódico paulista foi publicada neste domingo (23).
Até o momento a cadeia de colaboradores do escândalo da Lava Jato ainda é bem menor do que a recrutada no Caso Snowden. Porém, já são muitos profissionais envolvidos para se acreditar na versão simplória de que o conteúdo não é legitimo.
Diferenças
Se no escândalo da Lava Jato a fonte de informação é mantida sobre sigilo, na série de reportagens que rendeu fama mundial a Glenn Greenwald o delator tem nome e sobrenome. Edward Snowden é whistleblower - o termo é utilizado para designar pessoas que trabalham na esfera pública ou privada que ao se deparar com crimes voluntariamente reportam os atos ilícitos.
Esse tipo de delator não cometeu nenhum crime e não busca nenhuma vantagem pessoal ao compartilhar delitos. De certo modo é o oposto do indivíduo que opta pela delação premiada. O termo popularizado pelas ações da Lava Jato nos últimos anos se refere a um acordo em que o delator fornece informações ao MP em troca da diminuição da punição por seus próprios crimes.
No caso da “VazaJato” não é possível saber qual tipo de denunciante forneceu informações ao 'The Intercept'. Quais são suas motivações? Seus interesses? Por outro lado, apesar de argumentar ter sido alvo de um ataque hacker, o procurador Deltan Dallagnol ainda não entregou seu celular para perícia.
Ética jornalística x vazamentos
O pensamento binário é uma praga que afetou boa parcela da população brasileira nos últimos anos. O maniqueísmo raso que divide o mundo entre bandidos e mocinhos não poupou parte de nossa imprensa. Essa é a única explicação que me ocorre ao tentar entender alguns questionamentos éticos sobre o escândalo da Lava Jato –fenômeno parecido aconteceu no caso Snowden.
A discussão da forma de obtenção das informações e não de seu conteúdo é inócua diante da gravidade do que foi revelado até aqui. A confusão é tão grande que teve profissional questionando se o timing do trabalho de outros jornalistas poderia atrapalhar as reformas propostas pelo governo.
Jornalista não deve agir como sócio de governo de qualquer coloração partidária. Ainda que concorde com suas ideias. De caráter iluminista, o bom jornalismo é fiel apenas a princípios democráticos e ao interesse público. É iconoclasta por natureza. Por vezes corrói certezas. Desnuda mitos. Rebaixa heróis a relés condição humana. Esse é o tipo de jornalismo praticado por Glenn Greenwald.