quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Decisão inédita julga proibição de maconha inconstitucional e traficante é absolvido

Sentença contesta a Lei de Drogas e portaria do Ministério da Saúde.

No Distrito Federal, o juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel absolveu um homem preso em flagrante por traficar 52 trouxas de maconha. Maciel julgou inconstitucional a proibição da droga. A decisão foi publicada em outubro de 2013, mas, no último dia 16, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal resolveu analisar a apelação do Ministério Público (MP) em relação a sentença.
A decisão de Maciel se fundamenta no princípio de que a Lei de Drogas, de 2006, não lista quais entorpecentes são proibidos. A competência de elaborar essa relação foi passada ao Ministério da Saúde (MS). O juiz julgou incompleta a portaria ministerial de 1998 que indica quais substâncias são consideradas ilícitas, incluindo o tetraidrocarbinol (THC), substância encontrada na folha de maconha.
Segundo Maciel, o ministério deveria justificar a razão de incluir o THC da erva na listagem. O juiz tamém afirma que o MS deveria esclarecer a escolha das substâncias da lista F da portaria, que inclui a da maconha.
"A Portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo que restringe direitos, carece de qualquer motivação por parte do Estado e não justifica os motivos pelos quais incluem a restrição de uso e comércio de várias substâncias, em especial algumas contidas na lista F, como o THC, o que, de plano, demonstra a ilegalidade do ato administrativo", afirmou Maciel, na sentença.
"Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias", continua.
O MP denunciou o réu, Marcus Vinicius Pereira Borges, devido ao flagrante em 30 de maio, em que ele foi encontrado com 52 trouxas de maconha ao entrar no Complexo Penitenciário de Papuda (DF). Na ocasião, Borges faria uma visita a um detendo. A droga estava escondida no estômago dele.
"Isso abriu um precedente para discutir a legalidade da maconha. Eu achei a decisão muito bonita e muita fundamentada. Ele sabe o que está falando", diz o advogado do acusado, Jurandir Soares de Carvalho Júnior.
Fonte: Jusbrasil

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Manoel de Barros: O homem não tem soberania nem pra ser bem-te-vi

Soberania

Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que 
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui 
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso 
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos 
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado 
e disse que eu tivera um vareio da imaginação. 
Mas que esses vareios acabariam com os estudos. 
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li 
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. 
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande 
saber. Achei que os eruditos nas suas altas 
abstrações se esqueciam das coisas simples da 
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: 
A imaginação é mais importante do que o saber. 
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei 
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu 
olho começou a ver de novo as pobres coisas do 
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam 
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no 
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas 
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania 

nem pra ser um bentevi.

Texto extraído do livro (caixinha) "Memórias Inventadas - A Terceira Infância", Editora Planeta - São Paulo, 2008, tomo X, com iluminuras de Martha Barros.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Projeto de PEC quer acabar com auxílio reclusão

PEC acaba com auxílio-reclusão de criminoso e cria benefício para vítimas de crimes

A Câmara analisa a Proposta de Emenda à Constituição 304/13, da deputada Antônia Lúcia (PSC-AC), que acaba com o auxílio-reclusão e cria um benefício mensal no valor de um salário mínimo para amparar vítimas de crimes e suas famílias.
Pelo texto, o novo benefício será pago à pessoa vítima de crime pelo período em que ela ficar afastada da atividade que garanta seu sustento. Em caso de morte, o benefício será convertido em pensão ao cônjuge ou companheiro e a dependentes da vítima, conforme regulamentação posterior.
A PEC deixa claro que o benefício não poderá ser acumulado por vítimas que já estejam recebendo auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte.
Vítimas sem amparo
Para a autora, é mais justo amparar a família da vítima do que a família do criminoso. Hoje não há previsão de amparo para vítimas do criminoso e suas famílias, afirma. Além disso, segundo ela, o fato do criminoso saber que sua família não ficará ao total desamparo se ele for recolhido à prisão, pode facilitar na decisão em cometer um crime.
Por outro lado, quando o crime implica sequelas à vítima, impedindo que ela desempenhe a atividade que garante seu sustento, ela enfrenta hoje um total desamparo, argumenta a deputada.
Auxílio aos dependentes de criminosos
Em vigor atualmente, o auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes de trabalhadores que contribuem para a Previdência Social. É pago enquanto o segurado estiver preso sob regime fechado ou semiaberto e não receba qualquer remuneração.
O cálculo do benefício é feito com base na média dos salários-de-contribuição do preso, e só é concedido quando esse salário for igual ou inferior a R$ 971,78, em atendimento ao preceito constitucional de assegurar o benefício apenas para quem tiver baixa renda.
Conforme a autora, o objetivo é destinar os recursos hoje usados para o pagamento do auxílio-reclusão à vítima do crime, quando sobreviver, ou para a família, no caso de morte.
Tramitação
Incialmente, a proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania quanto à admissibilidade. Se aprovada, será encaminhada para comissão especial criada especialmente para sua análise. Depois será votada em dois turnos pelo Plenário.
Fonte: http://caldeirao-politico.jusbrasil.com.br/politica/112350969/pec-acaba-com-auxilio-reclusao-de-criminoso-e-cria-beneficio-para-vitimas-de-crimes?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
Comentário rápido deste blogueiro:
 Há pelo menos três graves problemas no projeto de PEC em questão:
1 - O direito de auxilio reclusão reveste-se de caráter de direito fundamental, protegido por cláusula pétrea na constituição de 1988.
2 - O valor global dos benefício de auxílio reclusão é ínfimo se comparado a outros benefícios e com o passivo previdenciário que seria gerado com o novo benefício que a deputada objetiva criar
3 - A criação de quaisquer benefícios previdenciário depende de aprovação de prévia fonte de custeio, o que equivale a aumento da carga tributária, alguém aí acha que isso seria admitido pela burguesia governante?

Rachmaninov



Leonora Carrington

Uma destas pessoas [fantásticas, que ficamos conhecendo por acaso, nesse caso, um nome solto em uma das páginas de Rayuela de Cortazar.

Chá com Leonora Carrington


ADRIANA ZEHBRAUSKAS

ESPECIAL PARA A FOLHA

Conheci Leonora Carrington numa tarde cinza e fria de novembro. Contratada pelo jornal inglês "The Guardian", cheguei cedo para a entrevista e resolvi esperar do lado de fora da casa pela repórter, recém-chegada de Londres. Certifiquei-me de que era ali e acendi um cigarro, buscando me proteger da chuva fina na soleira da porta.

Enquanto esperava, fiquei observando a rua, bem movimentada, e pensei nas pessoas que passavam, tão apressadas, sem dar a menor atenção àquela casa simples, desconhecendo 
que ali vivia uma ilustre senhora cuja história se confunde com a da arte moderna.

Adriana Zehbrauskas/Arquivo pessoal
A artista Leonora Carrington (1917-2011) posa para a fotógrafa Adriana Zehbrauskas em sua casa, no México, em 2006
A artista Leonora Carrington (1917-2011) posa para a fotógrafa Adriana Zehbrauskas em sua casa, no México, em 2006
Nascida numa família milionária da Inglaterra, Leonora nunca aceitou os planos burgueses que seus pais traçaram para seu futuro. Amante das artes e da liberdade, era a rebelde da família. Aos 20 anos, numa exposição em Londres, conheceu Max Ernst, cujo trabalho já admirava. A admiração logo se tornou paixão. Esconjurada pelo pai, que lhe disse para nunca mais voltar, fugiu com Ernst (casado e 26 anos mais velho)para Paris.

Tocamos a campainha. Dentro, a casa era fria e escura. No andar de baixo, a sala com miniaturas de suas esculturas, obras de arte, e um antigo fogão de ferro, coberto de post-its desbotados, fazendo as vezes de escrivaninha. Leonora nos recebeu na porta da cozinha e logo nos ofereceu chá ("Eu fumo", disse. "Cigarro e café é demais."). Vestia um suéter preto, calças cinzas e levava uma pequena bolsinha a tiracolo, que nunca tirou.

Sentamos ao redor da pequena mesa redonda, a mesma à qual, em muitas ocasiões, sentaram-se Octavio Paz, Remedios Varo, Kati Horna e Edward James.

Ali passaríamos uma tarde inteira, em que ela, com quase 90 anos, lúcida e com um agudo senso de humor, nos contaria a incrível história de sua vida e fumaria um cigarro atrás do outro. A cozinha, como o resto da casa, era simples: um pequeno fogão de quatro bocas, com uma chaleira e uma leiteira de ágata, as poucas panelas penduradas na parede acima da pia e uma profusão de cartões-postais da Inglaterra no pequeno e único armário. A luz provinha de uma solitária lâmpada pendurada no teto.

Eu, ao mesmo tempo fascinada em estar ali ouvindo todas aquelas histórias, estava também cada vez mais preocupada: sabia que logo estaria escuro e precisava fotografá-la. Mas a cada vez que eu sugeria uma pausa para fotos, ela me olhava e dizia: "Não, fotografias hoje não, veja como estou despenteada".

E assim passou a tarde. Da Paris dos anos 30, seu tempo na França com Max Ernst, seus encontros com Picasso, Dalí, Breton e tantos outros, ao tortuoso caminho que a levou ao México (fugida de um hospital psiquiátrico na Espanha e casada por conveniência com um diplomata mexicano) e às histórias de família --a repórter, Joanna Moorhead, era parente dela e havia vindo em busca da famosa prima ovelha negra--, tudo parecia sair de um roteiro de cinema.

De repente, a cozinha ficou escura: mais um dos frequentes apagões da cidade. Velas foram trazidas à mesa, e a conversa derivou para tópicos mais mundanos. O dia a dia da vida no México foi o tópico dominante por alguns momentos e, entre tantas coisas que eu queria perguntar a ela, foi essa que saiu da minha boca: "Leonora, você gosta de viver aqui?". Depois de pensar alguns instantes, veio a resposta: "Sabe, depois de mais de 60 anos vivendo aqui, ainda não sei a resposta para essa pergunta".

A luz voltou, e essa frase ficou guardada na minha memória.

Fui presenteada com um elogio ("Gostei de você.") e um convite para regressar na manhã seguinte para fazer o retrato de que necessitava. "Estarei de banho tomado e penteada", anunciou. Voltei no dia seguinte e, de fato, lá estava Leonora, de banho tomado, perfumada e penteada: "Você tem 15 minutos". Fomos ao seu estúdio, no andar de cima. Ela foi gentil e me deu um pouco mais do que 15 minutos.

Alguns anos mais tarde, fui contratada pela revista "The World of Interiors" para fotografar a casa de Leonora. Dessa vez passei a tarde inteira fotografando, e tivemos pouco tempo para conversar.

Seu marido, o fotógrafo húngaro Emerico Weisz, já havia morrido, e logo seria a vez de Leonora, aos 94 anos, em 25 de maio de 2011.

Em mais de 70 anos, ela nunca regressou à casa de seus pais.

E aqui uma dessa escolhidas na rede: Imagens que parecem sonhos








domingo, 12 de janeiro de 2014

Tecido Brando

Calma e tino te digo, peito brando.
Não queiras conter toda a água dos mares.
Toma uns litros de ondas bravas,
de espuma fera.
Deixa que se encrespe dentro de ti,
cavalo afrontado,
mas não domes esta água
que o tempo a requer viva
e pungente.
Respira e prepara-te, peito brando.
Não queiras conter todo o ar dos abismos,
toma só o de tua pequena inspiração,
o acaricie por instantes,
o sussurre como se ao último alento
e o deixe livre ir ali,
onde tu também querias:
vasto, imenso, indistinto.
Sopra forte o que guardas.
Não recolhas mais lágrimas, peito brando.
E se um menino preso chora, dirás,
e se um homem é torturado, dirás.
Que não é tempo de guardar a ira, te digo.
É momento de forjar e fazer luzir
o fio.

Angye Gaona

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Cinema Clássico: O Ovo da Serpente, de Ingmar Bergman




A República de Weimar vista por Bergman*

Luiz Santiago

[…] qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado.

Hans Vergerus
Produzido pelo badalado Dino De Laurentiis (de Noites de Cabíria (1957),Serpico (1973) e Hannibal (2001), só pra citar algumas produções de seu currículo), com colaboração germano-americana, O Ovo da Serpente(1977), de Ingmar Bergman é a melhor reprodução cinematográfica da República de Weimar e do surgimento do nazismo na Alemanha¹.

O cineasta sueco escreveu o roteiro sob meticulosa pesquisa histórica, e nele, retratou com muita fidelidade os primeiros passos de uma sociedade que já dividida, desembocaria nas mãos do nacional-socialismo a partir de 1933. Façamos, antes, uma breve passagem pelos eventos que construíram esse tempo histórico.


Com a queda da monarquia na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, a cidade de Weimar (onde morreu Goethe) foi escolhida como sede do novo governo, uma República liberal que precisava guiar em país destruído pela guerra. Os primeiros anos da República de Weimar são de profunda crise interna, da qual destacamos alguns eventos:

a) Fracasso industrial, e monumental inflação;

b) Impunidade dos assassinos políticos, que agiam em larga escala – segundo o historiador alemão Peter Gay, em seu livro A Cultura de Weimar, o fato de o novo governo não empreender uma reforma judiciária foi um dos seus grandes erros;

c) Diversas tentativas de derrubar o governo;

d) A “crise moral” – e muitas outras – causada pela assinatura do Tratado de Versalhes;

e) A ocupação de Ruhr pela França;

f) O crescimento desenfreado do fanatismo político, do anti-semitismo e da xenofobia.
Nesse caos social, a moderna centelha cultural condenada pela monarquia ganhou espaço livre para manifestar-se, e é então que temos a Bauhaus, A ópera dos três vinténs, A Montanha Mágica, O Gabinete do Dr. Caligari,Dr. Mabuse, Nosferatu, Metropolis, O Anjo Azul, etc. O expressionismo nas artes deste período representava artisticamente a insegurança e as diversas crises do país, sendo o medo, o principal fantasma.
Bergman constrói com impecável riqueza de detalhes o mundo sangrento, paranoico e instável que era a Alemanha de 1923, ano em que se passa o seu filme, no período de 3 a 11 de Novembro, semana do Putsch de Munique.

O Ovo da Serpente é a história de Abel Rosenberg (David Carradine, em atuação magnífica), um trapezista judeu que vê o seu mundo desmoronar a partir do suicídio de seu irmão, e sua vida se resume a lutar pela sobrevivência ao lado de sua cunhada Manuella (Liv Ullman, como sempre, fenomenal), uma cantora de cabaré.

Bergman insere em suas características autorais o mundo que se dispõe representar, e com a fenomenal fotografia de Sven Nykvist, percorre esses mundos com sua devida aura, captadas de campos observadores muito representativos. Um desses mundos é o do espetáculo, e assistimos as apresentações do cabaré (com Liv Ullman cantando em alemão) e de um bar jazz em Berlim, com músicos alemães de caras pintadas de preto.
O anti-semitismo da República de Weimar é visto desde a segunda cena do filme, quando o delegado de polícia pergunta a Abel se ele é judeu, e mais adiante o prende como sendo suspeito de uma série de “assassinatos brutais e misteriosos”. Em outra cena, um grupo de jovens alemães obrigam dois judeus a lavarem uma calçada com escovas, atitude ignorada pelo policial que passa e vê a cena, mas não faz nada. Bergman mostra sem sentimentalismo como o anti-semitismo se espalhou pela cidade, e o discurso de justificativa para esse ódio, tão grande quanto o destinado aos “bolchevistas”. Através dos jornais e das batidas policiais em “estabelecimentos judeus” (o caso do cabaré onde Manuella trabalha é um exemplo), é possível identificar como o discurso anti-semita tinha força, e já nos anos 1920, causava destruição, mesmo em uma Alemanha cuja forma de governo era uma República.

O desemprego e a fome estão em toda parte na Berlim dos “loucos anos”. A cidade parece uma carcaça por dentro, encoberta pela arquitetura. Em uma cena chocante, vemos pessoas cortarem a carne de um cavalo morto para alimentar-se. Também acompanhamos a constante desvalorização do marco, até o ponto em que o valor impresso da moeda não importava mais, e a venda era feita pelo peso que tinha o dinheiro.
A luta pela sobrevivência é a ordem a ser cumprida, e o medo acompanha as ações vacilantes de uma sociedade que se decompõe.

A libido se ajusta à histeria e ao desalento.

O ponto-chave e revelador da obra é quando a história das experiências com seres humanos é esclarecida, em uma das mais supremas cenas do cinema, onde a maestria do corte, do enquadramento e da direção podem ser vistas em seu ápice. Entre pequenos curtas-metragens feitos durante as “observações”, os closes descritivos em um silencioso David Carradine falam mais do que páginas e páginas de um roteiro. O profético discurso final do cientista dá conta do caminho perigoso pelo qual segue a Alemanha, e ressalta a “passividade” do povo judeu, que segue como ovelhas para o matadouro (polêmica também trabalhada por Hannah Arendt).

O desfecho do filme é a triste revelação de um indivíduo “contaminado” pela virulenta metrópole, que tem a oportunidade de sair daquele espaço que se decompõe, mas não o consegue, e se perde entre pedestres e ruas molhadas pela constante chuva, para nunca mais ser visto.

O realismo com que Bergman nos apresenta a Berlim de 1923 é espantoso. Os figurinos de Charlotte Fleming também merecem destaque, pela adequação dramática e imagética perfeitas.

Em O Ovo da Serpente, Bergman empreende uma obra dotada de forte senso crítico-social e de uma exposição memorável da história. Com profunda força imagética, o diretor consegue construir uma sociedade que vivia sob o medo, e denuncia os “motivos pelos quais” o futuro tenebroso falaria por si.

Até mesmo a posição de alemães antinazistas é abordada, e a descrença em Hitler, por ocasião do Putsch de Munique, é verbalizada em cena simbólica.

O Ovo da Serpente é um supremo exercício cinematográfico, com atuações irreparáveis – inclusive do elenco de apoio – e com a louvável direção de Ingmar Bergman, que usou de seu profundo conhecimento da alma humana para transformar em celuloide o sentimento de uma época, fazendo-o de forma única e magnífica.
(1) Rainer Werner Fassbinder também nos legou uma notável contribuição sobre o tema, em sua série para a TV, Berlin Alexanderplatz (1980), onde percorre o período com profundidade amarga através de suas personagens não menos atormentadas que o mundo onde viviam.

O OVO DA SERPENTE (Das Schlangenei, EUA/Alemanha Ocidental, 1977)
Direção: Ingmar Bergman.
Elenco principal: David Carradine, Liv Ullmann, Heinz Bennent, Gert Fröbe, Edith Heerdegen.
Cotação: *****
Este artigo é parte do Ciclo Bergman no Cine Revista.
*Artigo originalmente postado no blog “Cinebulição” trabalho muito árduo. A política não é somente uma questão de correlação de forças, capacidade de mobilização. Em um momento, ela será isso. Mas ela é, fundamentalmente, convencimento, articulação, sentido comum, crença, ideia compartilhada, juízo e conceito compartilhado a respeito da ordem do mundo. E aqui a esquerda não pode se contentar somente com a unidade de suas organizações. Ela tem que se expandir para o âmbito dos sindicatos, que são o suporte da classe trabalhadora e sua forma orgânica de unificação.

É preciso ficar muito atento também, companheiros e companheiras, a outras formas inéditas de organização da sociedade, à reconfiguração das classes sociais na Europa e no mundo, às formas diferentes de unificação, formas mais flexíveis, menos orgânicas, talvez mais territoriais, menos por centros de trabalho. Tudo é necessário. A unificação por centros de trabalho, a unificação territorial, a unificação temática, a unificação ideológica. É um conjunto de formas flexíveis, frente às quais a esquerda tem que ter a capacidade de articular, propor e de seguir adiante.

Permitam-me em nome do presidente, e em meu nome, felicita-los, celebrar esse encontro, desejar-lhes e exigir-lhes – de maneira respeitosa e carinhosa – que lutem, lutem e lutem!. Não nos deixem sós, outros povos que estamos lutando de maneira isolada em alguns lugares, na Síria, na Espanha, na Venezuela, no Equador, na Bolívia. Não nos deixem sós. Precisamos de vocês, precisamos mais ainda de uma Europa que não veja somente à distância o que ocorre em outras partes do mundo, mas sim novamente uma Europa que volte a iluminar o destino do continente e o destino do mundo.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer