sábado, 30 de março de 2013

Emir Sader: Por que a direita perde no Brasil?

Por: Aldeia Gaulesa



Por Emir Sader

A direita esgotou suas distintas modalidades de governo – ditadura militar, governos neoliberais – entre 1964 e 2002, ficou esvaziada de alternativas e tem que ver, passivamente, governos pós-neoliberais derrotá-la – de 2002 a 2010, muito provavelmente 2014, completando, pelo menos, 16 anos fora do governo.

Por que isso acontece? Em primeiro lugar, porque se equivoca nos diagnósticos dos problemas brasileiros e coloca em prática soluções equivocadas, sem capacidade de fazer autocritica e emendar seus caminhos.

Prévio ao golpe de 1964, o diagnóstico se voltava contra “a subversão”, acusando complôs internacionais que buscaria implantar no Brasil “o comunismo”. O Estadão, por exemplo, chamava, nos seus vetustos editoriais, o moderado governo Jango de governo “petebo-castro-comunista”. 

Daí que o centro do regime militar foi a repressão, para extirpar todos os vírus da subversão, limpando o organismo brasileiro dos elementos infiltrados. Nasceu de um golpe apoiado consensualmente pelo bloco dominante – grande empresariado, imprensa, Igreja católica, governo dos EUA, FFAA.

Passada a euforia inicial, o regime se estabilizou apoiado sempre na repressão, mas também numa política econômica, em que o santo do “milagre” foi o arrocho salarial, que permitiu o crescimento exponencial da exploração dos trabalhadores e dos lucros das grandes empresas nacionais e estrangeiras.

A retomada do crescimento econômico se baseou num modelo com um marco classista evidente: se baseava no consumo das esferas altas do mercado e na exportação, relegando a grande massa da população, afetada pelo arrocho salarial. Foi uma lua de mel idílica para o grande capital, que recebia todo o apoio governamental e não encontrava resistência nos sindicatos – todos sob intervenção militar.

Foi um sucesso que, assentado também nos empréstimos externos – especialmente quando o capitalismo internacional passou do seu ciclo longo expansivo do segundo pós-guerra a seu ciclo longo recessivo, iniciado em 1973 –, o que fez com que o modelo se esgotasse com a crise da divida – na virada dos anos 1970 à década seguinte.

Passou-se a apostar na democracia como a solução de tantos problemas acumulados no Brasil. O bloco dominante fez uma tortuosa transição da passagem do apoio à ditadura para a democracia, ajudado pela fundação do PFL e pela aliança, pela derrota da campanha das diretas e pela eleição do novo presidente pelo Colégio Eleitoral, que consagrou a aliança entre o velho e o novo – este na sua modalidade mais moderada, com Tancredo Neves.

O governo Sarney funcionou como transição entre a temática ditadura/democracia para a temática Estado/mercado. A democratização reduziu-se ao restabelecimento formal dos direitos políticos, sem democratizar nenhuma outra estrutura da sociedade: nem as grandes corporações privadas, nem os bancos, a terra, a mídia.

Com Collor introduziu-se no Brasil o diagnóstico neoliberal: a economia não voltava a crescer por excesso de regulamentação. E, no seu bojo, vieram as privatizações, o Estado mínimo, a precarização laboral, a abertura do mercado. A queda do Collor deixou essas bandeiras disponíveis, que encontraram em FHC sua reformulação – naquela que passou, até hoje, a ser o diagnóstico da direita sobre os problemas do Brasil, resumidos num tema: o Estado não é a solução, mas o problema – como enunciado por Ronald Reagan há já mais de 30 anos.

Lula veio para desmontar esses diagnósticos. O Estado mínimo favoreceu a centralidade do mercado e, com ela, a exclusão social e a concentração de renda, pela falta de proteção que politicas sociais levadas a cabo pelo Estado poderiam levar adiante.

O sucesso dos governos Lula e Dilma deixa desarmados e desconcertados os próceres – partidários e midiáticos – da direita. A crise do capitalismo iniciada em 2008 e que segue sem hora para acabar, gerou um novo consenso na necessidade de intervenção anticíclica do Estado. A capacidade de resistência dos governos progressistas da América Latina pela prioridade das politicas sociais, dos processos de integração regional e dos intercâmbios Sul-Sul, e pela recuperação do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia das dos direitos sociais da maioria – terminou de desarvorar a direita e deixá-la sem plataforma e sem alternativas.

Os candidatos que buscam uma brecha para se projetar – sejam Serra, Heloisa Helena, Alckmin, Marina, Plínio, Aécio, Eduardo Campos – se situam à direita do governo. Não conseguem reconhecer o extraordinário processo de democratização social que o pais vive há mais de 10 anos. Ou tentam aparecer como seus continuadores – como na primeira parte da campanha do Serra em 2010 –, ou desconhecem o novo panorama social brasileiro e atacam o Estado – de forma direta, como o Alckmin em 2006, ou de forma indireta, com a centralidade do combate à corrupção, outra forma do diagnostico de que o problema do Brasil é o Estado ou ainda na temática ecológica com a visão de que a “sociedade civil” é alternativa ao Estado, como a Marina.

Assim, a direita perdeu em 2002, 2006, 2010, e tem todas as possibilidades de seguir perdendo em 2014 e depois também. Porque não entende o Brasil contemporâneo, seu diagnóstico ainda é o neoliberal.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Mantida ação penal contra diretor-geral do Google Brasil por desobediência a ordem eleitoral


 Por unanimidade, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negaram, na sessão desta quinta-feira (21), habeas corpus ao diretor-geral do Google Brasil Internet Ltda., Edmundo Luiz Pinto Balthazar, contra decisão do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) que manteve a condução coercitiva do diretor e o registro da prática de crime por ele ter desobedecido ordem judicial eleitoral. Juiz eleitoral de primeira instância determinou à empresa, em setembro último, a retirada de um vídeo do Youtube supostamente ofensivo a Romero Rodrigues, candidato do PSDB à prefeitura de Campina Grande-PB nas eleições de 2012.

O TRE da Paraíba determinou a retirada do vídeo no prazo de 24 horas, o que teria sido desrespeitado pelo diretor do Google Brasil reiteradas vezes. Edmundo Balthazar afirmou, em sua defesa, que não teve a intenção dolosa de descumprir a ordem e que a decisão do Tribunal viola a liberdade de expressão e de informação, entre outros argumentos.
Relatora do pedido de habeas corpus, a ministra Nancy Andrighi afirmou que o diretor do Google Brasil desrespeitou ordem legítima de autoridade competente da Justiça Eleitoral, que determinou a remoção de vídeo ofensivo. Informa a ministra, de acordo com os autos do processo, que a Google Brasil, representada pelo seu diretor-geral, “recusou-se reiteradamente a cumprir uma determinação judicial legítima” de retirada de vídeo cujo conteúdo representaria propaganda eleitoral irregular.
“Essa conduta reveste-se de considerável gravidade, pois demonstra o dolo do paciente, o representante da empresa, de permanecer indiferente a comando exarado pelo Poder Judiciário, o que configura, em tese, crime de desobediência eleitoral tipificado no artigo 347 do Código Eleitoral”, afirmou a relatora.
Acrescentou a ministra que a ordem de remoção do vídeo ofensivo da internet “é medida de caráter cautelar, com o objetivo de evitar maiores danos à imagem da vítima, até o desfecho da representação por propaganda eleitoral irregular”. Segundo a relatora, por essa razão, não cabe uma empresa alegar a legalidade de vídeo para justificar o não cumprimento da determinação judicial, devendo para isso apresentar o recurso pertinente.
A ministra Nancy Andrighi afirmou que Edmundo Balthazar, na condição de diretor-geral do Google Brasil Internet Ltda., “é a pessoa que incumbe legalmente” cumprir a ordem judicial de retirada do vídeo da internet. “O TRE da Paraíba advertiu que o descumprimento da ordem acarretaria responsabilização criminal”, lembrou a relatora em seu voto.
EM/LF
Processo relacionado: HC 121148
Fonte: www.tse.gov.br

sexta-feira, 15 de março de 2013

O direito de resposta mais célebre da história do jornalismo brasileiro



Faz 19 anos que o direito de resposta mais célebre da história do jornalismo brasileiro foi ao ar: em 15 de março de 1994, visivelmente constrangido, Cid Moreira (que por quase 30 anos esteve à frente da bancada do Jornal Nacional) leu o texto de 440 palavras que a Justiça obrigou a TV Globo a divulgar em seu telejornal mais nobre.

Foram cerca de três minutos nos quais Cid, a cara do JN, incorporou Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, que atacou duramente a emissora. Foram três minutos que a Globo foi obrigada a transmitir opiniões que jamais haviam sido levadas ao ar pela emissora.

A ação de direito de resposta, obra do advogado Arthur Lavigne, foi inédita e abriu caminho para que os cidadãos buscassem amparo legal contra barbaridades cometidas pela imprensa _neste caso específico, num editorial, Roberto Marinho, o dono das Organizações Globo, havia chamado Brizola de “senil”.

Um momento histórico, de fundamental lembrança para recordarmos quem é quem na política brasileira e o papel que a rede Globo sempre teve na história recente do Brasil.

Fonte: Aldeia Gaulesa

segunda-feira, 11 de março de 2013

Mensalão: Uma outra visão

Paulo Moreira Leite: “Não há evidência de desvio de dinheiro público no mensalão”

Jornalista questiona condenações e diz que mensalão transformou-se em julgamento político | Foto: Divulgação
Rachel Duarte
Um julgamento sem provas, com grave desrespeito à Constituição Federal e transformado em espetáculo midiático. Esta é a síntese da leitura do jornalista Paulo Moreira Leite após quatro meses de investigação sobre a Ação Penal 470, conhecida como mensalão. Enquanto correu o processo, ele escreveu de forma paralela na internet a sua visão dos fatos jurídicos, políticos e midiáticos relacionados ao tema. Paulo Moreira Leite teve acesso aos autos do processo, ao relatório da Polícia Federal e acompanhou a sessão que condenou os principais quadros políticos do governo Lula à prisão. O material virou o livro “A Outra História do Mensalão – As Contradições de um Julgamento Político”, lançado no começo de 2013.
O julgamento, considerado por parte da imprensa brasileira como o maior da história do país no que se refere ao combate à corrupção, é visto de forma diferente pelo jornalista, diretor da sucursal da Isto É em Brasília e que já trabalhou em veículos como Época e Veja. Em sua opinião, o julgamento produziu condenações por antecipação, desconsiderou a investigação da Polícia Federal, manteve um desprezo excessivo pela isenção e revelou que a mídia acuou o Supremo Tribunal Federal (STF). “A imprensa deu de barato o caso e torcia pela condenação. Colocar a transmissão ao vivo é uma maneira de jogar o público em cima do Tribunal. Muitos juízes ficaram intimidados. Já outros ficaram contentes e gostaram disso”, falou em entrevista ao Sul21.
Enquanto o envolvimento de grupos econômicos que contribuíram com as empresas do publicitário Marcos Valério não foi devidamente investigado, na visão de Moreira Leite, os réus José Dirceu e José Genoíno teriam sido severamente punidos sem direito ao contraditório, respondendo a uma acusação de desvio de dinheiro público que o jornalista considera vazia. “Ele (procurador-geral da República, Roberto Gurgel) supõe que era um suborno. Convencido disso, ele conta uma história que até faz sentido, mas não prova nada. Cadê os pagamentos? Suborno para quê? Um suborno é feito em contrapartida de alguma coisa. Onde estão as votações compradas? Não há nenhuma votação em que se comprove que parlamentares foram pagos para aprovar projetos do governo”, conclui.
Paulo Moreira Leite lembra outros exemplos da atuação do STF no Brasil, que permitem fazer uma reflexão sobre o exercício da democracia. Segundo ele, o STF teria mantido uma postura de tolerância em relação a possíveis corruptores em outros casos que nem sequer entraram na pauta dos ministros. “O que eu posso dizer é que claramente houve uma decisão seletiva de desmembrar o mensalão do PSDB mineiro, mandando quem não tinha direito a foro privilegiado a ser julgado em primeira instância, o que já dá direito a recorrer. Isso é algo que os julgados pelo STF não têm. Isto é um elemento básico (demonstrando) que houveram dois tratamentos”, afirma.
“Várias das acusações tidas como verdades absolutas não estão comprovadas, ou estão comprovadas com indícios frágeis, ou ainda, foram contestadas por outras investigações”
Sul21 – Porque você resolveu escrever o livro ‘A Outra Historia do Mensalão – As contradições de julgamento político’? Suas apurações sobre a Ação Penal 470 já eram escritas na coluna que o senhor mantinha na Revista Época durante o processo.
Paulo Moreira Leite – Muitas pessoas me liam na coluna e sugeriam que eu tinha que reunir tudo que eu dizia em um livro. Eu até apreciava a ideia, mas comecei a pensar seriamente nisso quando vi que havia uma discussão de conjunto no que eu escrevia. O livro permite algo que a internet não permite, que é fazer a abordagem do julgamento inteiro, fazendo uma reflexão unificada. Uma exposição sem cortes, com coerência, prefácio e conclusão. Eu penso que, dada a importância que o julgamento ganhou, era algo necessário. E creio que justifica a aceitação que o livro está tendo.
Paulo Moreira Leite: “estou convencido de que tivemos penas muito pesadas para provas muito fracas” | Foto: Jair Bertolucci / TV Cultura
Sul21 – Na coletiva de lançamento, o senhor referiu-se à uma insuficiência na cobertura jornalística sobre o julgamento, o que também influenciou na realização do livro.
Paulo Moreira Leite – O Janio de Freitas (colunista da Folha de S. Paulo), que escreveu o prefácio do livro, diz que eu cobri o julgamento como jornalista. Ele disse que o que deveria ter sido normal, que é o trabalho de jornalista, foi raridade no processo. Eu concordo com o que ele diz. A imprensa teve um comportamento tendencioso, indefinido e pouco jornalístico. O importante do meu livro é que foi jornalístico. Eu procurei contradições, compreender o que aconteceu, fiz questionamentos. Por isso os artigos do blog repercutiam e tornam o livro interessante. Foi o eu quis fazer, ao menos.
Sul21 – A ausência de provas, ou o uso de provas muito rasas para penas tão severas, foi um dos principais argumentos da defesa dos réus. Na tua apuração jornalística sobre o caso, quais foram as provas encontradas?
Paulo Moreira Leite – O que estou convencido, agora que o julgamento acabou e depois de ter lido boa parte da ação penal, das argumentações finais, da acusação, dos relatórios da Polícia Federal é que tivemos penas muito pesadas para provas muito fracas. Esta é para mim a principal contradição deste julgamento. Várias das acusações que foram ditas como verdades absolutas não estão comprovadas, ou estão comprovadas com indícios frágeis, ou ainda, foram contestadas por outras investigações que não foram respondidas no julgamento. Por exemplo: a história de que os contratos entre o PT e o Banco Rural eram simulados. Disseram que estes empréstimos nunca existiram. A Polícia Federal investigou e concluiu que estes contratos existiram. Foi constatado o empréstimo, os saques nas agências e o recebimento entre os que deveriam receber os recursos… Outro exemplo: o Mensalão foi baseado na acusação de desvio de dinheiro público. A verdade é que não há nenhuma auditoria do Tribunal de Contas da União, do Banco do Brasil, da Visanet ou quem quer que seja apontando o desvio de dinheiro público. É algo impressionante condenar as pessoas por peculato (desvio de dinheiro público) sem ao menos conseguir provar onde estaria o dinheiro desviado. É uma contradição importante. Estes são dois exemplos significativos, mas há outros tantos.
“Roberto Gurgel escreve nas alegações finais que José Dirceu montou um esquema de suborno. O passo seguinte seria ele dizer o dia, a hora, a forma com que eram feitos os pagamentos. E isso não existe” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – E acusação de suborno por parte do José Dirceu, dentro de um grande esquema de corrupção? O senhor acredita que essa descrição é correta?
Paulo Moreira Leite – Quando eu vi a acusação de suborno, feita na denúncia apresentada pelo procurador Roberto Gurgel… Ele escreve nas alegações finais: “José Dirceu montou um esquema de suborno”. O passo seguinte seria ele dizer o dia, a hora, a forma com que eram feitos os pagamentos. E isso não existe. Ele supõe que era um suborno. Convencido disso, ele conta uma história que até faz sentido, mas não prova nada. Cadê os pagamentos? Suborno para quê? Um suborno é feito em contrapartida de alguma coisa. Onde estão as votações compradas? Não há nenhuma votação em que se comprove que parlamentares foram pagos para aprovar projetos do governo. Ao contrário. O caso mais citado, que é a votação da Reforma da Previdência, na verdade, o PT tinha tantos votos favoráveis que expulsou deputados do partido que eram contra, que saíram (da sigla) e foram depois fundar o PSOL. Era um texto que tinha o apoio do PSDB e do DEM porque era uma reforma com viés conservador, a qual estes partidos eram favoráveis. Então, é até meio surreal imaginar que precisaria subornar alguém para aprovar este projeto. Era uma agenda do PSDB, que o PT estava assumindo naquele começo de governo para fazer uma transição suave. Outra coisa: dizer que a contrapartida de empréstimos falsos do Banco Real seria, por exemplo, levantar intervenção no Banco Industrial de Pernambuco, o que valeria milhões de acordo com a denúncia… Esta intervenção só foi levantada muito tempo depois que o governo Lula tinha terminado e não rendeu o que se dizia que ia render. Ficou claro que Marcos Valério se empenhou para levantar esta intervenção e ouviu um “não”. Ele foi 17 vezes ao Banco Central e sempre ouviu “não”. Então como falar em suborno se a tentativa (de benefício) estava sendo negada? Tem algo errado. Tem coisas faltando nesta história.
“Uma decisão do STF tem caráter final, mas pode ser contestada. Em 1964, o STF referendou que a presidência estava vaga, permitindo a posse de um general. Foi uma decisão correta?”
Sul21 – O senhor referiu-se que nem mesmo o delator e principal testemunha, Roberto Jefferson, foi preciso em seus depoimentos. Quais foram as contradições e o papel dele no processo?
Paulo Moreira Leite – Ele foi apanhado em um vídeo onde um protegido dele descrevia um esquema do PTB. Como um bom veterano, ele foi pro contra-ataque estratégico indo para cima do José Dirceu, acusando o José Dirceu daquilo que ele acusou. O fato é que ele não tinha como sustentar (as acusações que fez). Quando ele foi dar depoimento na polícia ele disse uma coisa; em outro depoimento, disse outra. Ele nunca se desdisse, mas entrou em contradições. É aquela testemunha que estava procurando achar um caminho. Ele não falou tudo. Mas chegou a falar em dado momento da Ação Penal 470 que o Mensalão era uma produção mental. Isto esta gravado ou escrito nos autos do processo. As pessoas me perguntam se eu acredito no Mensalão e eu digo isso, que o Roberto Jefferson diz que é uma produção mental (risos).
Sul21 – A cassação dos mandatos dos deputados condenados, ato que é reservado constitucionalmente ao Poder Legislativo, foi transferido ao STF por decisão do ministro Celso de Mello. O senhor se surpreendeu com isso?
Paulo Moreira Leite – Foi um fato muito grave. Mas eu sinto que ele foi uma consequência do que ocorreu anteriormente. Nós tivemos um julgamento em que o STF passou a fazer política, passou a dizer como a política deveria ser feita, com ministros alegando que o governo do ex-presidente Lula tinha um esquema de golpe de estado, outros fazendo piada sobre o PT no julgamento. O Procurador-Geral (Roberto Gurgel) chegou a dizer que seria muito saudável se houvesse interferência do processo do Mensalão nas eleições de 2012. Tivemos todo um comportamento do Judiciário que, ao invés de julgar com frieza as provas técnicas, assumiu postura política. Esta postura extrapolou quando o STF decidiria sobre a perda de mandato dos deputados. A Constituição diz claramente, não precisa ser constitucionalista para saber, que isto é uma prerrogativa do Congresso. Então, passou-se a buscar artigos de leis inferiores à Constituição, que até onde eu aprendi é a lei maior, para se sobrepor à Constituição. Isso interferiu na divisão de poderes. Poderia haver condenação, mas a perda de mandatos quem determina é o Congresso. Não pode haver um desrespeito a uma Constituinte eleita pelo povo em 1986, quando milhões de pessoas saíram de casa para votar. Os deputados se reuniram e aprovaram (a nova Constituição) com maioria, mais de 400 votos. Foi um processo que reuniu de Fernando Henrique Cardoso a Luis Inácio Lula da Silva, Aécio Neves, Antonio Delfim Neto e outros nomes. Nessa Constituinte, esses parlamentares aprovaram que cabe ao Congresso (cassar mandatos). Até agora, continua me causando grande surpresa que tudo isso tenha sido desrespeitado.
Prefaciado por Jânio de Freitas, livro foi compilado a partir de postagens em blog que Paulo Moreira Leite mantinha no site da Revista Época | Foto: Divulgação
Sul21 – Celso de Melo disse na época que era uma decisão “inquestionável” e que não seria possível “desobedecê-lo”. Qual a sua opinião sobre esta postura?
Paulo Moreira Leite – Na verdade, a decisão do STF tem caráter final, não há dúvida, mas pode ser contestada. Já tinha ocorrido a condenação; era preciso que o STF cassasse os mandatos? Em 1976, quando o governo Geisel financiava a ditadura de Pinochet, determinou-se que o deputado Francisco Pinto fosse cassado e o STF fez a cassação. Será que foi uma decisão correta? Quando a Olga Benário foi enviada para um campo de concentração na Alemanha durante a Segunda Guerra, onde seria morta, foi uma decisão correta? Em 1964, o STF referendou a votação do Congresso que determinava que a Presidência da República ficasse vaga e, portanto, seria legitimo dar posse a um general. Não merecia contestação? O que é complicado hoje é um artigo explícito na Constituição ser ignorado da forma que foi.
Sul21 – Qual o precedente que a Justiça brasileira abre com este julgamento, que segundo o senhor é marcado pela ausência de provas, declarações condenáveis de alguns ministros e com penas desproporcionais às provas?
Paulo Moreira Leite – Eu acho que o STF tinha a obrigação de julgar o caso, mas politizou o julgamento. O que presidiu o julgamento, mais do que análise das provas, do contraditório, argumentos e contra-argumentos foi uma visão do Ministério Público Federal (MPF), assumida pelo relator (ministro Joaquim Barbosa). Um relator que não ouviu os dois lados e fez a denúncia de forma favorável à tese da acusação. O relato de acusação apresentado por ele já era desvantajoso para a defesa. A ausência de provas foi tratada como algo sem importância, ou como (se a referência a isso fosse) uma clara manobra para desviar do suposto fato de que havia desvio de dinheiro público. Eu penso que houve uma visão de criminalizar a atividade política e a maneira como a democracia brasileira funciona. Claro que sabemos que a nossa democracia não é transparente e funciona historicamente no esquema de caixa dois, dinheiro dado por empresários que não aparecem, dinheiro sonegado. Isto tudo é crime. Mas é algo diferente do que foi colocado na Ação Penal 470. Seria justo se as provas apontassem para um crime deste tipo e as penas dadas aos réus do Mensalão fossem proporcionais a isso. Mas precisa provar. Não basta fazer uma narrativa.
“Por enquanto, o único caso real de compra de votos no país, onde a pessoa admite que vendeu seu voto a favor da emenda que permitiu a reeleição do presidente FHC, sequer foi devidamente investigado”
Sul21 – A disposição do ministro Joaquim Barbosa em encerrar o processo até julho e a investigação aberta pelo procurador Gurgel sobre o ex-presidente Lula demonstram que o jogo político do Mensalão ainda não acabou?
Na visão de Paulo Moreira Leite, relator Joaquim Barbosa não ouviu os dois lados e fez a denúncia de forma favorável à tese da acusação | Foto: Nelson Jr./STF)
Paulo Moreira Leite – O julgamento teria acabado. O presidente Lula chegou a ser interrogado durante o inquérito, com perguntas feitas pelo próprio relator, e se considerou que nada o incriminava. Ele ficou fora do processo. O Marcos Valério, por outro lado, deu não se sabe quantos depoimentos e está em situação complicada. A condenação dele é muito maior que a dada ao goleiro Bruno, que foi condenado por mandar matar e esquartejar uma mulher. Mas, quanto ao depoimento de Valério, ninguém sabe o que ele afirma e (é um depoente que) merece muito mais suspeitas do que consideração. O que existe é uma situação política. É fácil neste contexto político transformar uma pequena coisa em grande coisa. Utilizar declarações do Marcos Valério, ou coisas que a esposa dele teria dito, em constrangimentos. Cria-se uma situação política que vira um processo político. Voltar a chamar o ex-presidente Lula a depor sem nada consistente é muito complicado.
Sul21 – Qual o efeito do Mensalão nas eleições de 2014? O senhor afirma que este julgamento foi a primeira derrota política de Lula. Isso enfraquecerá a sua figura?
Paulo Moreira Leite – Este julgamento envolveu ex-ministros, dirigentes do PT de grande expressão, pessoas da confiança de Lula. Gerou uma derrota. Condenar o José Dirceu à prisão é uma derrota. Condenar o José Genuíno à prisão, mesmo que semiaberto, é uma derrota. Foi um episódio que pode representar uma mudança na situação política, dependendo de como ele será interpretado e compreendido. Em 2012 havia uma expectativa grande do impacto deste episódio nas eleições, uma expectativa que se mostrou errada. O papel do Lula foi fundamental para a eleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Em vários lugares do país o PT teve resultados importantes. Agora, resta saber como se desdobrará o caso até 2014. As pessoas vão querer entender o que aconteceu. Qual será o impacto das prisões, caso elas sejam realizadas? Como os eleitores entenderão isso? São perguntas em aberto. O fato é que são lideranças importantes do PT e do governo petista que estão na defensiva.
Sul21 – Outros mensalões, como o mensalão mineiro do PSDB que ocorreu antes deste envolvendo o PT, não entraram antes na pauta do STF. Como o senhor interpreta isso? Na sua visão, isso reforça uma ideia de que o julgamento do mensalão do PT foi político?
Paulo Moreira Leite – Existem várias explicações para isso. Mas o que eu posso dizer é que claramente houve uma decisão seletiva de desmembrar o mensalão do PSDB mineiro, mandando quem não tinha direito a foro privilegiado para ser julgado em primeira instância – o que dá direito a recorrer, algo que os julgados pelo STF não tiveram. Isto é um elemento básico (demonstrando) que houveram dois tratamentos. Como disse o Janio de Freitas: ‘foram dois pesos, dois mensalões’. Falamos em casos teóricos, com supostas compra de votos, mas não aparece ninguém no mensalão do PT. Por enquanto, o único caso real de compra de votos no país, em que existe uma fita gravada onde a pessoa admite que vendeu seu voto, que foi um parlamentar que votou a favor da emenda que permitiu a reeleição do presidente FHC (Fernando Henrique Cardoso), sequer foi devidamente investigado. Neste caso, se quisesse acusar (alguém por esse) crime, haviam provas disso. A pessoa admite com suas próprias palavras a venda do voto.
Lula - honoris causa Unilab
“Voltar a chamar o ex-presidente Lula a depor sem nada consistente é muito complicado”, critica jornalista | Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Sul21 – O senhor afirmou que a soberania do povo chegou a ser questionada durante o julgamento. Como?
Paulo Moreira Leite – Quando o STF se considera no direito de definir a perda de mandatos parlamentares, quando os ministros do STF fazem comentários políticos sobre a natureza política de um governo reeleito pelo povo mais de uma vez, quando os ministros chegam a questionar a capacidade de discernimento do eleitor. O ministro Ayres Brito chegou a falar que o mensalão era uma forma de golpe. Com isso ele sugere que as pessoas compram votos de parlamentares e a partir disso ficam enganando a população, como se ela não tivesse capacidade de decidir o seu destino. Eu creio que hoje, na medida em que você tem um poder absolutamente legitimo, mas que não é eleito, que assume atribuições que cabem à Constituição, que é (resultado) de um poder eleito, cria-se uma situação que envolve a soberania popular. Afinal, para que queremos uma democracia? É para que a população, da forma mais simples possível, tomem as suas decisões individuais. Ninguém pode tomar a sua vontade acima da vontade do eleitor. Se isso acontece, comprometemos a democracia. Ao cassar a vontade do eleitor, fere-se a democracia. Quando não se leva em conta que a nossa democracia historicamente tem defeitos, especialmente em seu financiamento baseado em uma hipocrisia do sistema econômico, que quer mandar na política mas que se esconde… Não tem sentido.
“Tivemos poucos exemplos de jornalistas que foram examinar a qualidade das provas ou perguntar sobre os votos dos ministros. A imprensa deu de barato o caso e torcia pela condenação”
Sul21 – O senhor considera a cobertura da mídia insuficiente do ponto de vista investigativo neste caso, que ela própria trata como o maior caso de corrupção do país? Que análise é possível fazer sobre a prática jornalística brasileira com este episódio?
Paulo Moreira Leite – Não quero generalizar, mas no caso deste mensalão que envolveu o PT a mídia parou de investigar faz tempo. Entre 2005 e 2006 ela fez o seu trabalho, denunciou. Mas na hora de ver o que sobrou das acusações, não se investigou mais nada. Ela cruzou os braços e ficou esperando as condenações. Foi sintomático que grande parte dos jornais e revistas nacionais não foi ocupada por reportagens investigativas: o espaço foi tomado por advogados que faziam análises. Tivemos poucos exemplos de jornalistas que foram examinar a qualidade das provas ou perguntar sobre os votos dos ministros. Este é o trabalho do jornalista. Questionar as afirmações dadas pelos ministros sobre a pessoa dita como grande testemunha, se ela aparece em vídeo recebendo dinheiro de outro esquema. Ninguém foi atrás disso. A imprensa deu de barato o caso e torcia pela condenação. Houve torcida clara. Colocar a transmissão ao vivo é uma maneira de jogar o público em cima do Tribunal. Muitos juízes ficaram intimidados. Já outros ficaram contentes e gostaram disso. De fato, no fundo, não sabíamos se estávamos diante de um espetáculo ou de algo real.
Sul21 – Mas então a mídia não agiu de forma isenta neste julgamento.
Paulo Moreira Leite – A imprensa tomou o partido da condenação. Ela queria nada menos que a condenação, com raras exceções. Ela teve comportamento faccioso. A maioria dos comentaristas e articulistas queria punição exemplar. Quando se usa a palavra exemplar no meio jurídico, não se trata de fazer justiça, mas sim de dar exemplo. Quando se faz isso, se transforma a pessoa em um signo. Pode-se crucificar alguém com esse tratamento. Muitos casos de linchamento são cometidos quando as pessoas são transformadas em signos. Lembro-me do caso do ministro Alceni Guerra, do ex-presidente Collor, que foi crucificado por várias semanas e estava sendo exemplo para o país. Logo descobriram que estava tudo errado. Todos tiveram que pedir desculpas, mas o estrago estava feito. A vida política do ex-ministro ficou praticamente destruída. O Tribunal não pode trabalhar com signos: tem que trabalhar com a realidade.
José Cruz/ABr
“Mídia parou de investigar mensalão faz tempo. Entre 2005 e 2006 ela fez o seu trabalho, denunciou. Mas na hora de ver o que sobrou das acusações, não se investigou mais nada” | Foto: José Cruz/ABr
Sul21 – Pode se dizer, então, que parte da mídia não fez bom jornalismo durante o julgamento do mensalão. Como você definiria, nesse caso, o bom jornalismo?
Paulo Moreira Leite – A minha definição é aquela que se aprende fora da escola. Eu não estudei Jornalismo, mas aprendi. É sempre a tentativa de expressar a verdade. Eu creio que os meus textos são isso. Eu tenho uma opinião, tenho um ponto de partida, mas eu procuro os dois lados e os fatos. Eu acredito nos fatos. Acredito que o jornalismo tem o poder de transformação, na medida em que ele ensina a interpretar os fatos.
Sul21 – O senhor é a favor da democratização da comunicação?
Paulo Moreira Leite – Eu sou a favor da democratização dos meios de comunicação, sem dúvida. Eu acredito que vivemos uma sociedade muito mais plural do que os meios de comunicação tradicionais estão expressando. O fato de termos apenas os meios tradicionais falando com parte da sociedade exclui outra parte, impede que ela tenha espaço para expressar-se. A sociedade ganha com isso (democratização da comunicação). O debate político interno da sociedade deveria ser expresso nos meios de comunicação em geral – não do modo como ele se dá hoje, com os grandes meios de comunicação tradicional expressando uma parte da sociedade e, de outro, a internet expressando a outra parte. Eu não estou desconsiderando a importância da internet. Eu devo meu livro a ela, foi na internet que adquiri uma repercussão significativa (que motivou a publicação do livro). Mas os meios de comunicação deveriam contemplar essa realidade que vivemos. As concessões ainda são uma herança de concessões feitas no regime militar. A maioria das emissoras de televisão e rádio têm vínculos políticos. Isto tem que ser revisto e discutido de alguma forma. A Constituição Federal, se cumprida, dispensaria qualquer marco regulatório. A Constituição já impede a concentração, pede pluralidade e defesa das culturas regionais. A discussão sobre a regulação dos meios é importante, mas estamos apenas começando.