quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A reinvenção da vida. Sempre

A reinvenção da vida. Sempre

Luciano Siqueira *

A amiga, a quem peço desculpas por ter esquecido o aniversário e não a cumprimentei, garante: "Tem nada não, foi até melhor, porque renasci mesmo foi no dia seguinte. Agora sou outra!"

Pode ser. Pois enquanto a data de nascimento que nos serve de referência para contar o tempo vivido não passa de uma convenção; o instante exato em que cada um de nós experimenta suas rupturas e ousa ir adiante, mudando o jeito de ser e de encarar a vida ao redor e renovando expectativas e sonhos, este não tem data pré-determinada. Sempre é dia. Ou, como escreveu o poeta Vinicius, "meu tempo é sempre".

Nós é que somos levados a crer que tudo deve se submeter a uma cronologia. Na infância, faz-se isso e aquilo. Na adolescência, faz-se muito, mas também não se faz por insegurança ou porque alguém adverte que ainda não é tempo. Na juventude, em tese faz-se o que bem desejar, mas não é bem assim: isto não é adequado para quem está prestes a iniciar a carreira profissional, aquilo não pega bem a um jovem tão promissor e assim por diante.

E quando nos chegam os cabelos grisalhos e a sequência de aniversários nos "enta", não falta quem nos advirta que não é hora de experimentar, essas coisas são para os jovens; ou é bom tomar cuidado, pois pode causar hipertensão, refluxo gastroesofágico, diabetes e sei lá o que mais.

Danado é quando você enfrenta uma escada e aparece logo quem lhe alerte que o batente é auto, melhor é esperar que consertem o elevador, não acha?

Outra: "gostei de ver sua agilidade! Quanta energia!" Mas o elogio logo se transmuda depreciativo com a pergunta "que tratamento você faz para manter assim a forma?"

Enfim, é a mania de enquadrar a vida no calendário. E de erguer barreiras reais e imaginárias que nada servem a não ser para inibir nossos melhores impulsos e tirar o encanto de viver, que é proporcional à capacidade de enfrentar novos desafios.

Por isso tanta gente talentosa se refugia no comodismo estéril.

No amor, então, prevalece a mesmice sobre a reinvenção. Pois amor de verdade não tolhe, estimula; não aprisiona, liberta.

(Sem pabulagem nem modéstia, aqui em casa jamais tivemos um ano igual ao anterior. Alimentamo-nos da descoberta, do desafio e da reinvenção.)

Mas essa coisa de amor, que move a Humanidade desde os seus primórdios, não é para medrosos nem para os acomodados. Sobretudo o amor a dois, que há de ser sempre livre, espontâneo, sem amarras nem dependências. Uma relação de iguais. Olhos nos olhos: eu te amo, tu me amas - então somos livres e felizes.

Quanta infelicidade causam a dependência afetiva (mais do que a material), o sentimento de posse de um sobre o outro, a necessidade de "proteção" e tutela, a entrega parcial e não plena...

Ora, a vida é uma sucessão de escolhas e rupturas. Bem fez a amiga aniversariante que não escolheu o dia convencional para se sentir outra e se viu envolta na penumbra deslumbrante do desejo, do sonho e da espera ansiosa do novo dia.

No filme "Vou contar para os meus filhos", há uma cena emocionante: ex-presas políticas, marcadas pelas dores da luta e da vida, dão-se as mãos e diante do mar azul contemplam a linha do horizonte. O tempo passou, a dor envelheceu - mas o sonho não acabou. Um gesto coletivo de esperança renovada, de rara beleza plástica, idealizado pela diretora Tuca, ela própria habituada a criar e a recriar a vida, a luta e amor. Sempre.

Bom que seja assim, como ensina a poeta Cecília: a vida que vale a pena ser vivida é a vida reinventada.

* Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB

Notas sobre a chacina da Lapa contra a direção do PCdoB - 16/12/1976

16 DE DEZEMBRO DE 2013 - 10H56 

16/12/1976: As balas da ditadura contra a direção do PCdoB


No livro que produziu para a Fundação Maurício Grabois em 2012 – Vidas, veredas: paixão – o escritor e jornalista paranaense Luiz Manfredini dedicou todo um capítulo ao dramático episódio conhecido como Chacina da Lapa. O relato, que segue abaixo, começa numa residência em Pequim, onde estavam hospedados João Amazonas, Renato Rabelo e Dynéas Aguiar.


 
Chacina da Lapa, SP, 16 de dezembro de 1976.
Há 37 anos a ditadura militar brasileira cometia sua derradeira atrocidade: invadiu uma casa no bairro paulistano da Lapa, onde se reunia parte da direção nacional do PCdoB. Do violento ataque restaram mortos o histórico dirigente comunista Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, um dos comandantes da guerrilha do Araguaia. João Batista Drumond, jovem dirigente vindo da Ação Popular, foi assassinado sob tortura já no dia seguinte. E foram presos Aldo Arantes, Haroldo Lima, Wladimir Pomar, Elza Monnerat, Joaquim Celso de Lima e Maria Trindade.

Tristeza na primavera de Pequim
Na manhã de final de primavera em Pequim, 17 de dezembro de 1976, um dirigente do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCCh) compareceu inesperadamente à casa em que estavam hospedados três importantes visitantes estrangeiros: João Amazonas, Dynéas Aguiar e Renato Rabelo, dirigentes do Partido Comunista do Brasil. A fisionomia grave com que encarou os camaradas brasileiros superava a habitual formalidade chinesa. Foi direto ao ponto: a agência noticiosa chinesa divulgara havia pouco que a polícia invadira a casa em que se reunia o Comitê Central do PCdoB, num bairro de São Paulo. Havia mortos e presos.

João Amazonas, o único entre os três a conhecer o endereço, o confirmou: Rua Pio XI, 767, no bairro da Lapa, onde habitualmente se reunia a direção nacional do Partido. O número total de baixas e as respectivas identificações ainda estavam confusos no despacho da agência chinesa.

O dirigente chinês, respeitoso e compungido, apresentou aos brasileiros as condolências e a solidariedade do PCCh, retirando-se em seguida. Na sala ficaram os brasileiros com sua dor.

***

Aldo Arantes descia as escadarias da estação Paraíso do metrô quando um grupo de policiais que pareceu surgir do nada lhe caiu em cima, aos berros e trambolhões, sem lhe dar chance de reação. Passava das dez da noite do dia 15 de dezembro de 1976. Encapuzado, lançado no chão de um carro, ali mesmo começou a apanhar.

Menos de uma hora antes Aldo e Haroldo Lima haviam desembarcado nas proximidades do Ibirapuera de um carro do qual a marca, o modelo e a cor não conheciam, porque vendados. Recém terminara a reunião do Comitê Central do PCdoB e ambos compunham uma das duplas que, a intervalos, deixariam a casa onde ocorrera o encontro ultrassecreto. Antes haviam saído João Batista Drummond e Wladimir Pomar. Os próximos, Jover Telles e José Novaes, sairiam na madrugada seguinte, conduzidos pelo motorista Joaquim Lima e por Elza Monnerat, integrante do Comitê Central e participante da Guerrilha do Araguaia, encarregada do transporte dos participantes da reunião. Na casa restaria o histórico dirigente Pedro Pomar, Ângelo Arroyo, um dos comandantes do Araguaia, e Maria Trindade, que lá morava e ajudava na infraestrutura.

João Batista Drummond e Wladimir Pomar foram presos na região da Avenida Nove de Julho, logo após desembarcarem do mesmo carro em que, horas depois, viajariam Aldo Arantes e Haroldo Lima. Este foi seguido até em casa e preso na manhã do dia seguinte. A dupla Jover Telles e José Novaes saiu ilesa, mas não Elza Monnerat e o motorista Joaquim Celso de Lima, presos após deixá-los em algum ponto da cidade. Na manhã seguinte, 16, a casa da Rua Pio XI foi atacada por uma força descomunal de policiais e militares fortemente armados. Cobriram-na de balas, matando Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Maria Trindade, militante que ali morava, foi presa.

As reuniões do Comitê Central, realizadas a cada seis meses, eram cercadas de medidas extremas de segurança. Contavam sempre com apenas metade dos seus membros, que se revezavam, de modo que ao menos uma parte da direção restasse a salvo de eventual ataque repressivo. Os membros, apanhados sempre à noite em locais da cidade combinados com pouca antecedência, seguiam vendados até o local da reunião e assim permaneciam até que o carro estacionasse numa garagem fechada, com entrada direta para a casa. Os procedimentos durante a reunião eram rigorosos. Nenhum vizinho deveria suspeitar do encontro, razão pela qual a regra do silêncio era absoluta na sala com portas e janelas cerradas. Nenhuma voz elevada, nenhum debate veemente, nenhum cumprimento efusivo, nenhum movimento que resultasse em ruídos. Para todos os efeitos ali morava um casal de idosos – João Amazonas e Elza Monnerat – e os empregados Joaquim e Maria. Tudo bastante convencional.

Mas nada disso resistiu ao que de pior poderia acontecer: a existência de um traidor entre os dirigentes ali reunidos. Jover Telles, baseado no Rio de Janeiro, havia sido preso três meses antes, sem que ninguém soubesse, e negociado com a polícia. Em troca do bom tratamento, da liberdade e de algumas vantagens, entregaria a reunião do Comitê Central do Partido. Foi o que fez. Levou a repressão ao ponto onde seria apanhado para a reunião. E a polícia armou seu plano de ataque. Durante os dias em que esteve reunido com seus camaradas, Jover portou-se como se nada de anormal houvesse ocorrido.

O único dos participantes da reunião que escapou, fora o próprio Jover, foi José Novaes, que teve a sorte de sair da casa em dupla com o traidor, poupado pela polícia. Jover desapareceu antes mesmo que raiasse o dia 16 de dezembro. Somente tempos depois investigações revelaram sua traição.

As torturas começaram já após as prisões, no DOI-Codi da tristemente famosa Rua Tutóia. João Batista Drummond não resistiu e morreu horas depois. Aldo, Haroldo, Elza Monnerat e Wladimir Pomar (filho de Pedro Pomar) foram transferidos para o Rio, na madrugada do dia 17 de dezembro, onde as sevícias, sob os mais perversos requintes, se prolongaram por dias a fio no macabro quartel da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Notório centro de torturas da ditadura, lá Aldo Arantes ouviu o que jamais abandonaria sua memória e que lhe vem frequentemente como pesadelo: certa madrugada foi acordado pelos gritos lancinantes de um homem adulto que, massacrado pelo suplício, suplicava pela mãe, não por Deus, não pelo pai, mas pela mãe. Na madrugada de terror, aquele clamor agônico: “Mãe! Mãe! Mãe”.

De volta a São Paulo, continuaram a ser torturados no DOPS e no DOI-Codi, até serem transferidos para o presídio do Hipódromo e, depois, para o do Barro Branco.

Haroldo e Aldo foram condenados a cinco anos de prisão. À pena de Haroldo somaram-se mais cinco anos de um processo anterior. Mas foram libertados bem antes, no segundo semestre de 1979, com a anistia.

***

No dia seguinte às prisões, ainda no DOPS paulista, um policial olhou fixamente Haroldo Lima, cara a cara e, com satisfeita gravidade, quase soletrando as palavras, como se as degustasse, disse:

– Comunico-lhe que o seu PCdoB acabou. 

Era o tom oficial: a liquidação do Partido. Nesse dia, 17 de dezembro, um jornal mancheteava: "O PCdoB foi destruído" – e foi seguido pelo restante da mídia.

Em Pequim, João Amazonas, Dynéas Aguiar e Renato Rabelo sabiam que o Partido não fora liquidado, mas a ditadura havia atingido – e muito gravemente – sua cabeça. O Comitê Central estava pulverizado, seus membros no Brasil ou se encontravam mortos, ou presos ou desarticulados. Urgia, portanto, recompor a vanguarda partidária, o que implicava, em primeiro lugar, reunir numa direção provisória os dirigentes que se encontravam no exterior. Aos três de Pequim, se somaria Diógenes Arruda, exilado na França, Nelson Levi, que morava em Portugal, e Dynéas Aguiar, que fazia a ponte Buenos Aires/Paris.

A primeira iniciativa foi assegurar a edição mensal da A Classe Operária, cuja matriz era enviada a alguns contatos no Brasil, para reprodução, e também para a rádio Tirana, onde era veiculada no programa diário em língua portuguesa. Este era o único vínculo da direção provisória com pelo menos parte das bases partidárias espalhadas pelo país e sem ligação entre si. Em seguida, o desafio era localizar dirigentes no Brasil, na perspectiva de reorganizar o Partido a partir da realização de uma conferência nacional.

Dynéas ocupou-se dessa tarefa. Fora do Brasil desde 1972, para articular na América Latina a solidariedade à luta do povo brasileiro e difundir a Guerrilha do Araguaia, voltou a Buenos Aires, onde ainda residia e, a partir de lá, começou a recompor sua rede de contatos. Trabalho difícil e cuidadoso. Não conhecia boa parte dos dirigentes, muitos dos quais vindos ao Partido após a incorporação da AP. Ademais, não se sabia ainda o que havia ocorrido, de fato, na casa da Lapa, nem mesmo quantos estavam presos. Havia especulações, a mais dramática delas sobre possível infiltração. Assim, com extrema cautela, os contatos começaram a ser feitos, primeiro no Rio Grande do Sul, depois em São Paulo e, a partir daí, com Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Um contato puxando o outro, tudo vagaroso, arrastado, porque em meio a rigorosas precauções.

Capa do livro: Vidas, veredas: paixão



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Judiciário e Financiamento de Campanhas


Alves:‘Será que STF quer oficializar caixa dois?’

Josias de Souza

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), chamou de “absurdo” o rumo que tomou no STF o julgamento da ação da OAB contra o atual modelo de financiamento das eleições. Já votaram quatro ministros, todos a favor da proibição de contribuições eleitorais de empresas. “Não há hipótese de o Parlamento receber passivamente uma decisão radicalizada e invasiva como essa que está por vir”, disse o deputado em entrevista ao blog.
Para Henrique, o STF “joga para a plateia” ao esboçar o veto ao dinheiro privado nas campanhas. “Não se pode dizer que uma empresa que faz doação a um partido estaria comprando o partido ou comprando o político eleito pelo partido. Isso é uma avaliação muito distorcida, que nós não aceitamos em hipótese nenhuma”, declarou a certa altura. “Será que desejam oficializar o caixa dois?”, indagou.
Henrique Alves lamentou que o próprio presidente do STF, Joaquim Barbosa, tenha criticado o Congresso. “É preciso lembrar que foi esse mesmo Congresso que aprovou a indicação do nome de Joaquim Barbosa para ocupar uma cadeira de ministro do Supremo.”
Ele não aceita a tese segundo a qual a inação do Congresso torna legítima a reação STF. “Se formos ponderar os milhares de processos que se acumulam há décadas no Supremo e nas instâncias inferiores do Judiciário, podemos também dizer que há ineficiência nessa demora. Nem por isso vamos tirar dos tribunais a prerrogativa de julgar esses processos. Críticas, quando construtivas, são aceitáveis de parte a parte. O que não dá para aceitar é a invasão de prerrogativas.” Vai abaixo a entrevista:
estrelinha
— O STF começou a julgar a ação da OAB contra as contribuições eleitorais de empresas privadas. O que achou da aparente tendência do Supremo de decretar a inconstitucionalidade do atual modelo de financiamento das campanhas? Achei um absurdo. Se essa tendência se confirmar, será uma decisão invasiva. Esse tema é de competência exclusiva do Legislativo. Não faz o menor sentido o Supremo adotar uma posição invasiva num tema que é da atribuição do Congresso.
— Discorda da tese segundo a qual a omissão do Congresso legitima a atuação do STF? Estamos com um projeto de reforma política em andamento. Fizemos um grupo de trabalho, toda imprensa registrou. Foi elaborada uma PEC, proposta de emenda à Constituição. A comissão especial que analisará a proposta já está criada e será instalada na próxima terça-feira. Vamos votar no plenário em abril. Não se faz uma reforma desse tipo em cima da perna. Estamos modificando a estrutura de uma legislação eleitoral de 30 anos. O STF não ignora isso. Reconheço que poderíamos ter feito antes. Mas isso não é razão para que o Judiciário atropele o Legislativo.
— O que pode ocorrer se for confirmada a tendência do Supremo de decretar a inconstitucionalidade das contribuições de empresas privadas? Isso provocará graves reações do Poder Legislativo.
— Que tipo de reações? Serão reações que podem afetar a relação entre os poderes. Não é adequada a maneira como o assunto está sendo tratado. Houve declarações do próprio presidente do STF, censurando o Legislativo. Os parlamentares não estão recebendo bem.
— Ao votar, o ministro Joaquim Barbosa disse, se quisesse, o Congresso poderia ter regulado a matéria. Na expressão dele, ‘nada se fez’. Além de decretar a inconstitucionalidade, ele se opôs à ideia de dar um prazo ao Legislativo para modificar a legislação. Disse que essa prática serve apenas para ‘desmoralizar’ o Judiciário, já que o Congresso não costuma cumprir os prazos fixados pelo STF. Citou o caso da fixação de regras para o Fundo de Participação dos Municípios. Deu a entender que o Congresso não merece crédito porque ‘ignora’ os prazos. Discorda? Esse tipo de censura não me parece cabível. É preciso lembrar que foi esse mesmo Congresso que aprovou a indicação o nome de Joaquim Barbosa para ocupar uma cadeira de ministro do Supremo. Ministros do Supremo são aprovados pelo Senado. E a aprovação do ministro Joaquim foi feita de maneira responsável por um Congresso confiável. Por esse caminho da crítica fácil não chegaremos a lugar nenhum. Estamos diante de uma clara invasão de competências. Isso poderá gerar realmente um grave problema nas relações do Legislativo com o Judiciário.
— Como assim? Estou tentando segurar manifestações. Isso não é hora. Creio que temos que tentar o diálogo. Mas se partir para essa radicalização o resultado não será bom.
— O que pode ocorrer se forem proibidas as contribuições de empresas aos candidatos e aos partidos? Fico imaginando o que querem os defensores dessa providência. Será que desejam oficializar o caixa dois? Como é que serão feitas as campanhas? É uma coisa irreal. Até parece que estão querendo estimular o criminoso caixa dois. Ninguém pode querer isso.
— O que fazer? Vamos disciplinar, vamos fiscalizar, vamos encontrar os métodos. Tudo isso dentro do processo legislativo, jamais como imposição do Judiciário. Qualquer coisa fora disso provocará uma reação muito forte do Poder Legislativo.
— A OAB ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade. O Supremo tinha que julgar, não? Veja bem, a ação da OAB foi ajuizada lá atrás, em 2011. Já poderia ter sido julgada. Por que julgar agora? O ministro Teori [Zavascki] pediu vista do processo. Isso jogará o julgamento para o ano que vem. Vão tomar uma decisão dessa magnitude em pleno ano eleitoral? Isso é midiático apenas. Isso é para jogar para a plateia. Não vamos transigir. Todos sabem que já estamos tratando do assunto. A imprensa inteira noticiou. Até reconheço que poderíamos ter agido antes. Mas isso não justifica que um outro Poder se sinta no direito, que não tem, de ser invasivo a esse ponto. O Legislativo não vai aceitar. Espero que isso não venha a se consumar. Eu me pergunto, às vezes: o que é, afinal, que está sendo considerado inconstitucional?
— Pelo que se extrai dos quatro votos já proferidos, os ministros consideram, entre outras coisas, que as empresas não podem ser equiparadas aos cidadãos. Nessa linha, a contribuição eleitoral do empresário seria legítima, não a da empresa. Ainda assim, dentro de limites que preservem o equilíbrio da disputa. Não é isso? Mesmo os constituintes de 1988, quando fizeram a Constituição, não chegaram a esse ponto. Claro que tem que ter uma metodologia, uma modulação, uma rigorosa fiscalização. Mas não se pode dizer que uma empresa que faz doação a um partido estaria comprando o partido ou comprando o político eleito pelo partido. Isso é uma avaliação muito distorcida, que nós não aceitamos em hipótese nenhuma.
— Considerando-se a tendência esboçada nos primeiros quatro votos, não são negligenciáveis as chances de o Supremo decretar a inconstitucionalidade do atual modelo de financiamento eleitoral. Sua observação é a de que o Parlamento não aceita. E aí? Não há hipótese de o Parlamento receber passivamente uma decisão radicalizada e invasiva como essa que está por vir. Haverá, sim, uma reação. Não sei em que termos e em que tom. Mas não tenha dúvidas: haverá uma manifestação clara de desagrado do Poder Legislativo. Não é possível isso!
— Por que não é possível? Somos acusados de omissão legislativa. Reconheço que poderíamos ter feito antes. Mas não se faz uma reforma política sobre a perna. Se formos ponderar os milhares de processos que se acumulam há décadas no Supremo e nas instâncias inferiores do Judiciário, podemos também dizer que há ineficiência nessa demora. Há processos que atingem o direito de famílias e de pessoas. Esss pessoas morrem sem ver o jugamento. Envelhecem sem ver os seus direitos respeitados pelo Judiciário. Mas nem por isso vamos tirar dos tribunais a prerrogativa de julgar esses processos. Críticas, quando construtivas, são aceitáveis de parte a parte. O que não dá para aceitar é a invasão de prerrogativas. Não vejo ninguém no Parlamento falando em criar pela via legislative outras instâncias judiciais ou em transferir para outros Poderes a prerrogativa de julgar. Não faria sentido.
— Em abril deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou proposta de emenda à Constituição do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) que submete ao Congresso decisões do STF, não se lembra? É verdade. Ele queria submeter decisões do Judiciário ao Legislativo. Eu reagi. Não aceitei. O deputado até brigou comigo, me atacou pelos jornais. Mas a Constituição é clara ao estabelecer a harmonia e a independência dos Poderes. A atuação que tive nesse episódio, com o apoio da ampla maioria da Casa, me permite agora dizer que, do mesmo modo, não aceitamos que o Judiciário queira invadir as competências do Legislativo. Falo pela Câmara: nós não vamos aceitar. Espero que a reação não seja necessária.
— Essa proposta de emenda constitucional que a Câmara pretende votar em abril mantém a possibilidade de contribuições eleitorais de empresas, não?Sim. A proposta prevê um sistema de financiamento misto, público e privado. Estabelece regras para um e para o outro.
— O financiamento exclusivamente público está fora de cogitação? Pode-se até limitar as doações privadas. Mas é preciso ser realista. Como vamos fazer um financiamento público de todas as eleições —de vereadores ao presidente da República, num país em que falta verba para tudo? O Estado não tem dinheiro para saúde e educação. Vai financiar eleições? Isso é irreal. É coisa de quem não vive a realidade política do Brasil. Ou então estão querendo jogar para a plateia. Poderiam ter julgado isso em 2011. Julgar agora, em período eleitoral, do modo invasivo como está sendo feito, não dá para aceitar.
— Acha possível que alterações nas regras do financiamento da eleição, seja por decisão do STF ou do Congresso, entre em vigor já nas eleições de 2014?É impossível isso. Primeiro porque há o princípio da anualidade, que impede mudanças no ano da eleição. Segundo porque não há como aprovar. Não é só o financiamento. A reforma política mexe em outros pontos. Não dá para chegar em março ou abril e dizer que a eleição vai ser assim ou assado. É uma absoluta falta de realismo. Volto a perguntar: será que estão querendo estimular o caixa dois? Nós queremos combatê-lo, com regras claras e com método.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente

La vie d'Adele

Como tantos e tantos outros filmes, “Azul É a Cor Mais Quente” tem como eixo uma história de amor. Mas “Azul É a Cor Mais Quente” é diferente de todos os outros filmes sobre histórias de amor porque esparrama na tela longas e explícitas cenas de sexo entre duas mulheres. Mas não só por isso.

Outros méritos do filme dirigido por Abdellatif Kechiche estão na forma como costura de maneira imperceptível a sensação de deslocamento da personagem interpretada por Adèle Exarchopoulos; na sutileza com que trata a diferença intelectual entre as protagonistas; e no humor contido que é capaz de brincar com Sartre e Bob Marley, por exemplo.



Fonte: http://www.cafenapolitica.com/develop/?p=7773

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Slavoj Zizek: O fracasso socialista de Mandela



Por Slavoj Zizek


Nas últimas duas décadas da vida, Nelson Mandela foi festejado como modelo de como libertar um país do jugo colonial sem sucumbir à tentação do poder ditatorial e sem postura anticapitalista. Em resumo, Mandela não foi Robert Mugabe, e a África do Sul permaneceu democracia multipartidária com imprensa livre e vibrante economia bem integrada no mercado global e imune a horríveis experimentos socialistas. Agora, com a morte dele, sua estatura de sábio santificado parece confirmada para toda a eternidade: há filmes sobre ele (com Morgan Freeman no papel de Mandela; o mesmo Freeman, aliás, que, noutro filme, encarnou Deus em pessoa). Rock stars e líderes religiosos, esportistas e políticos, de Bill Clinton a Fidel Castro, todos dedicados a beatificar Mandela.
Mas será essa a história completa? Dois fatos são sistematicamente apagados nessa visão celebratória. Na África do Sul, a maioria pobre continua a viver praticamente como vivia nos tempos do apartheid, e a ‘conquista’ de direitos civis e políticos é contrabalançada por violência, insegurança e crime crescentes. A única mudança é que onde havia só a velha classe governante branca há agora também a nova elite negra. Em segundo lugar, as pessoas já quase nem lembram que o velho Congresso Nacional Africano não prometera só o fim do apartheid; também prometeu mais justiça social e, até, um tipo de socialismo. Esse CNA muito mais radical do passado está sendo gradualmente varrido da lembrança. Não surpreende que a fúria outra vez esteja crescendo entre os sul-africanos pretos e pobres.

A África do Sul, quanto a isso, é só a mesma versão repetida da esquerda contemporânea. Um líder ou partido é eleito com entusiasmo universal prometendo “um novo mundo” – mas então, mais cedo ou mais tarde, tropeçam no dilema chave: quem se atreve a tocar nos mecanismos capitalistas? Ou prevalecerá a decisão de “jogar o jogo”? Se alguém perturba esse mecanismo, é rapidamente “punido” com perturbações de mercado, caos econômico e o resto todo. Por isso parece tão simples criticar Mandela por ter abandonado a perspectiva socialista depois do fim do apartheid. Mas ele chegou realmente a ter alguma escolha? Andar na direção do socialismo seria possibilidade real?
É fácil ridicularizar Ayn Rand, mas há um grão de verdade no famoso “hino ao dinheiro” do seu romance A revolta de Atlas: “Até que e a não ser que você descubra que o dinheiro é a raiz de todo bem, você pede por sua própria destruição. Quando o dinheiro deixa de ser o meio pelo qual os homens lidam uns com os outros, tornam-se os homens ferramentas de outros homens. Sangue, chicotes e armas de fogo ou dólares. Faça sua escolha – não há outra.” Não disse Marx algo semelhante em sua conhecida fórmula de como, no universo da mercadoria, “as relações entre pessoas assumem o disfarce de relações entre coisas”? (O capital, p.147)
Na economia de mercado, acontece de relações entre pessoas aparecerem sob disfarces que os dois lados reconhecem como liberdade e igualdade: a dominação já não é diretamente exercida e deixa de ser visível como tal. O que é problemático é a premissa subjacente de Rand: de que a única escolha é entre relações diretas ou indiretas de dominação e exploração, com qualquer outra alternativa dispensada como utópica. No entanto, deve-se ter em mente que o momento de verdade da (se não por isso, ridiculamente ideológica) alegação de Rand: a grande lição do socialismo de estado foi efetivamente a de que uma abolição direta da propriedade privada e da troca regulada pelo mercado carente de formas concretas de regulação social do processo de produção necessariamente ressuscita relações diretas de servidão e dominação. Se apenas extinguirmos o mercado (inclusive a exploração do mercado), sem substituí-lo por uma forma própria de organização comunista da produção e da troca, a dominação volta como uma vingança, e com a exploração direta pelo mercado.
A regra geral é que, quando começa uma revolta contra um regime opressor semidemocrático, como aconteceu no Oriente Médio em 2011, é fácil mobilizar grandes multidões com slogans que só se podem descrever como “formadores de massa”: pela democracia, contra a corrupção, por exemplo. Mas adiante gradualmente vamos nos deparando com escolhas mais difíceis: quando nossa revolta é bem sucedida no alcance de seu objetivo direto,
passamos a nos dar conta de que o que realmente nos 
atormentava (a falta de liberdade pessoal, a humilhação, 
a corrupção das autoridades, a falta de perspectiva de, 
algum dia, chegar a ter uma vida decente) 
perdura sob nova roupagem. A ideologia dominante mobiliza aqui todo o seu arsenal para nos impedir de chegar a essa conclusão radical. Começam a nos dizer que a liberdade democrática implica responsabilidades; que a liberdade democrática tem seu preço; que ainda não estamos plenamente amadurecidos, se esperamos demais da democracia.
Num plano diretamente mais político, a política externa dos EUA elaborou detalhada estratégia para controle de danos: basta converter o levante popular em restrições capitalistas-parlamentares palatáveis. Isso, precisamente, foi feito com sucesso na África do Sul, depois do fim do regime de apartheid; foi feito nas Filipinas depois da queda de Marcos; foi feito na Indonésia depois da queda de Suharto e foi feito também em outros lugares. Nessa precisa conjuntura, as políticas radicais de emancipação enfrentam o seu maior desafio: como fazer avançar as coisas depois de acabado o primeiro estágio de entusiasmo, como dar o passo seguinte sem sucumbir à catástrofe da tentação “totalitária”, em resumo: como avançar além de Mandela, sem se converter num Mugabe.
Se quisermos permanecer fiéis ao legado de Mandela, temos de deixar de lado as lágrimas de crocodilo das celebrações e nos focar em todas as promessas não cumpridas infladas sob sua liderança e por causa dela. Assim se verá facilmente que, apesar de sua indiscutível grandeza política e moral, Mandela, no fim da vida, era também um velho triste, bem consciente de que seu triunfo político e sua consagração como herói universal não passavam de máscara para esconder derrota muito amarga. A glória universal de Mandela é também prova de que ele não perturbou a ordem global do poder.
*Publicado originalmente no New York Times, em 9/11/2013. 
Esta é uma tradução ampliada e cotejada pela Boitempo daquela feita por Vila Vudu, no blog redecastorphoto.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ronald Searle - Natal

Ronald Searle  

Te quiero

Te quiero (Mario Benedetti) 

Tus manos son mi caricia
 mis acordes cotidianos
 te quiero porque tus mano
s trabajan por la justicia
 si te quiero es porque sos mi amor mi cómplice
 y todo y en la calle codo a codo
 somos mucho más que dos
 tus ojos son mi conjuro contra la mala jornada
 te quiero por tu mirada que mira
 y siembra futuro tu boca que es tuya y mía
 tu boca no se equivoca

 te quiero porque tu boca sabe gritar rebeldía

 si te quiero es porque sos mi amor
 mi cómplice y todo y en la calle
 codo a codo somos mucho más que dos

 y por tu rostro sincero y tu paso vagabundo
 y tu llanto por el mundo porque sos pueblo
 te quiero y porque amor no es aureola

 ni cándida moraleja

 y porque somos pareja
 que sabe que no está sola

 te quiero en mi paraíso es decir 
que en mi país la gente viva feliz
 aunque no tenga permiso

 si te quiero es porque sos mi amor mi cómplice
 y todo y en la calle codo a codo somos mucho más que dos.