quinta-feira, 30 de março de 2017

o mar ingressando na nudez da aurora

haverá momentos raros
o mar ingressando na nudez da aurora
ainda o mar impresso na extensão 
inteira dos teus olhos úmidos 
poesia elíptica em gomos
favos mornos de sangue
reclamos roucos intestinais
meninos e meninas
avessos a toda forma de letrar

comportamentos
ávidos
ávidos
ávidos
por você
matéria prima
daquele que em outros tempos fui

haverá momentos raros
vou visitar você
na cama
na banheira de espuma
no elevador
no meio da rua
na sarjeta de qualquer lugar

no meio de uma conferência sobre tudo o que fazem com as mulheres no Brasil e no Arzebaijão
vou visitar você

não sei 

haverá momentos raros

por sentir

sob a soleira firme do teu olhar
quedo meus desamparos
doentes de estilo
uma camiseta branca
uma visagem longa 
teu olhar descende mistérios
imprimindo cheiros em slow motion  
na carne bravia sob minha pele
haverá momentos raros
e centenas de sonhos por explicar

Direito e política

"El derecho es acaso la mas perniciosa de todas las armas en las luchas políticas, precisamente por el halo que rodea a los conceptos de derecho e justicia [...] Cuando se convierte en "política", la justicia pruduce el odio y la desesperación de aquellos a quienes hiere."

Behemoth - Franz Neumann - 1943 - p. 38

terça-feira, 28 de março de 2017

Presidente do Hospital Beneficência Portuguesa, Denise Santos, diz que no Brasil hospital virou "Butique de Saúde"

Presidente do Hospital Beneficência Portuguesa, Denise Santos, diz que no Brasil hospital virou "Butique de Saúde"

https://www.uol/economia/especiais/entrevista-denise-santos-beneficencia-portuguesa.htm#ps-virou-butique-de-saude

Vou dizer só uma coisa: Tá certo que essa gente quer extinguir o Sistema de Saúde Pública, nosso SUS que atente diariamente milhares de brasileiros a um custo de R$ 2,09 por brasileiro/dia. ((Link Comparativo até 2012)

Nestes termos, um dos mais eficientes do mundo. Mas o que esta senhora está dizendo é um grande escracho com a população de trabalhadores que suportam filas e más condições para receber um atendimento de saúde. Chamar de "Butique" os PS dos hospitais revela a completa ausência de conhecimento da realidade brasileira e um profundo preconceito e ressentimento com as pessoas mais simples que agora tem o direito de receber um atendimento de saúde garantido pela LEI MAIOR do pais, a Constituição Federal.

 É evidente que como administradora de um hospital PRIVADO que usa o rótulo da beneficência/filantropia para regatear desoneração nos impostos devidos ao Estado a presidente daquela instituição tem interesses em destacar a lógica Saúde-Mercadoria em detrimento da lógica Saúde-Direito.  Olho aberto minha gente. Já se disse, "pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são."

Literatura sobre o tema:

Estudo sobre os hospitais filantrópicos no Brasil

http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/viewFile/6270/4861

Dados sobre o SUS:

http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/publicacoes/anuarios



sexta-feira, 24 de março de 2017

Prisão do Blogueiro Eduardo Guimarães pelo Juiz Sergio Moro causa estranheza

Eduardo Guimarães
O juiz Sergio Moro, nesta quinta-feira 23, recuou de sua decisão para reconhecer que sou jornalista e, como consequência, mandar excluir as provas obtidas mediante violação do sigilo de fonte.
Todavia, em sua decisão, ele faz afirmações sobre como se deu meu depoimento as quais não correspondem aos fatos e devem ser esclarecidas.
Às 6 horas do dia 21 de março deste ano, eu e minha esposa dormíamos quando escutamos um barulho semelhante a arrombamento da porta da frente do nosso apartamento.
Achei que era algum vizinho começando alguma obra antes da hora e, como fora dormir poucas horas antes, virei-me para o lado e voltei a dormir. Segundos depois, ouço minha esposa dizer, desesperada, que tinham vindo me prender.
Minha filha Victoria, 18 anos, 26 quilos, portadora de paralisia cerebral, que dormia no quarto ao lado, assustou-se com os golpes desferidos pelos policiais na porta e começou a reclamar, como faz quando está nervosa.
Levanto-me assustado, corro para a sala e encontro minha mulher à porta, entreaberta. Termino de abrir a porta, vejo quatro policiais federais. E o porteiro do prédio com expressão assustada no rosto
Detalhe: minha mulher vestia roupas sumárias de dormir. Pediu para se trocar. Não obteve permissão dos policiais.
Enquanto isso, Victoria assistia a tudo com olhos arregalados.
Os policiais comunicaram que tinham uma ordem de busca e apreensão e começaram a vasculhar o apartamento. Obrigaram o porteiro a entrar no meu quarto de dormir, que começaram a vasculhar, abrindo gavetas, portas de armário e qualquer outro lugar possível.
Acharam meu computador (notebook), exigiram a senha para ligá-lo e, assim, poderem mudar essa senha para terem acesso quando quisessem. Pedi para copiar alguns dados pessoais, mas não me foi permitido. Pediram para desbloquear meu celular com a mesma finalidade.
Após a busca, nada tendo sido encontrado, os policiais anunciaram minha condução coercitiva.
Tentei ligar para meu advogado, doutor Fernando Hideo, mas não consegui. Passava um pouco das 6 horas. Minha esposa pediu para esperarem que eu conseguisse falar com o advogado, mas não permitiram. Exigiram que eu me vestisse e os acompanhasse.
Eu e minha esposa entramos no quarto de Victoria, onde respeitaram mais, para nos abraçarmos. Ela chorava, minha filha fazia seus sons característicos, pois não fala.
Imaginei se voltaria a vê-las.
Tentei, porém, aparentar calma. Até então, achava que estava sendo conduzido por conta da denúncia de ameaça contra Moro, feita por ele.
No meio do caminho, fui informado pelos policiais de que estava sendo detido por conta do post que publiquei em 26 de fevereiro do ano passado divulgando a quebra de sigilo de Lula.
Como não estava ainda raciocinando direito, pois fora dormir tarde e depois fui acordado daquele jeito poucas horas depois, comecei a debater a operação Lava Jato com os policiais. Enquanto eu dizia que era uma operação de caráter partidário contra o PT, eles defendiam as investigações com as argumentações que todos conhecem.
Chegamos à sala do delegado que me interrogou. Eu já não tinha mais telefone, já não tinha mais como me comunicar. O delegado iniciou o interrogatório sem a presença de qualquer advogado.
O delegado me comunicou que já sabia quem fora a minha fonte, mostrou-me o nome da fonte, contou-me que ela obtivera a informação que me passara de uma “auditora da Receita” (fonte da minha fonte), mas não quis me dizer a profissão da pessoa que entrou em contato comigo.
Mostrou-me a foto da “auditora da Receita” que vazou a informação. Perguntou se eu a conhecia e me disse que estava tentando determinar se nós três agíamos juntos.
Fiquei surpreso, pois a fonte, o tal jornalista, dissera-me que obtivera as informações com a imprensa. Disse-me que toda a imprensa de São Paulo já tinha aquelas informações que me estava passando. Então, descubro que uma servidora da Receita subtraiu de lá as informações ilegalmente.
O delegado deixou claro que eu era suspeito de ser “cúmplice” daquelas pessoas. Eu disse que isso não era verdade e me perguntei, em voz alta, por que o tal jornalista me dera informação inverídica.
O delegado respondeu minha pergunta retórica. Disse que, provavelmente, fora para me “induzir” a divulgar os dados sem medo de estar cometendo um crime. Repito: o delegado me disse  que minha  fonte me enganou.
Enquanto isso, minha esposa tentava falar com o doutor Fernando, mas não conseguia. Então, NO DESESPERO, recorreu a uma parente que é advogada da área de Direito da Família e não tem maiores conhecimentos sobre a área criminal.
A  nossa familiar chegou à sede da PF em São Paulo, à sala em que eu era interrogado, lá pela metade do depoimento. Porém, não teve condição técnica de me passar qualquer orientação enquanto eu respondia. Apenas assistiu à oitiva.
O meu interrogador deu a entender que eu teria que provar não ser cúmplice do tal jornalista e da auditora da Receita Federal, ambos de Curitiba. Nesse momento, decidi dizer ao delegado que tinha o telefone no qual recebera as mensagens e que elas poderiam demonstrar que eu não conhecia o jornalista curitibano dos quais eles tinham todos os dados, pois, nas mensagens, ele se apresentava  a mim e eu fazia perguntas a ele sobre sua identidade.
Contudo, cerca de dois meses após a condução coercitiva de Lula, o aparelho travou.
No segundo semestre de 2016, o celular de minha esposa se quebrou e ela precisava de um novo. Achando que não iria precisar mais do celular no qual estava registrada a conversa com o jornalista de Curitiba, minha fonte, levei o aparelho à assistência técnica. Lá, fui informado de que, para consertá-lo, teriam que apagar todos os dados.
Concordei e o celular teve sua memória “formatada” e me foi devolvido absolutamente “em branco”.
De volta ao interrogatório a que fui submetido no último dia 21. Colocado diante da hipótese de ser preso se não provasse que não tinha relações com o jornalista de Curitiba que me passou as informações sobre Lula, disse a ele que tinha provas, sim, de que não conhecia a pessoa, pois ele me dissera que “já sabia tudo”.
Eis a informação que o juiz Sergio Moro divulgou nesta data e que não corresponde aos fatos, apesar de que não se sabe como ele foi informado da forma como transcorreu meu interrogatório. Ele diz que não fui pressionado, eu digo o contrário.
Só o que posso afirmar é que não havia fonte a preservar porque as autoridades me disseram mais sobre elas do que eu sabia. Antes de começar a depor, fui informado de que meus interrogadores sabiam quem era a fonte.
Ora, vamos repassar os fatos.
Fui ouvido sem um advogado com condições de me orientar sobre o que eu precisava ou não responder. Tudo isso após o trauma pelo qual eu, minha esposa e minha filha doente passamos ao raiar do dia.
Avisei ao delegado que me interrogou que a familiar de minha esposa não tinha conhecimentos da área criminal e que estava lá mais para eu não ficar sozinho em um depoimento, mas ela nem sequer se manifestou durante a oitiva.
Como se diz, ela “pegou o bonde andando”, ou seja, apesar de ser uma excelente advogada em sua área, nem conhecia o caso a fundo e nunca atuou na área criminal.
Fui informado de que, se não provasse que não tinha relações com as pessoas de Curitiba que conseguiram os dados que recebi, eu seria considerado parte de um grupo, ou uma quadrilha.
Meu advogado que atua nessa área, doutor Fernando Hideo Lacerda, chegou bem depois do fim do depoimento, no exato momento em que eu iria firmá-lo. Doutor Fernando descobriu vários pontos que haviam sido inseridos indevidamente no depoimento e pediu retificação, após eu informar que não havia dito certas coisas que lá constavam.
O delegado aceitou os pedidos de retificação e reconheceu que eram justificados. Se meu advogado não tivesse  chegado a tempo, meus direitos civis teriam sido violados de forma  ainda mais séria.
Sobre eu ter avisado o instituto Lula, o juiz Sergio Moro dá a impressão de que a Lava Jato apurou alguma coisa. Não é o que ocorreu.
Eis os fatos.
Em 23 de fevereiro de 2016 recebi as informações do jornalista de Curitiba. Recebi uma relação de mais de 40 nomes de pessoas e empresas que seriam ligadas ao ex-presidente Lula. Precisava saber se não era alguma armação – eu corria o risco de divulgar mentiras sobre o ex-presidente.
Procurei o assessor de imprensa do instituto Lula para saber se o ex-presidente conhecia aqueles nomes. Nada disse a ele sobre condução coercitiva. O assessor de imprensa do ex-presidente pediu prazo para verificar as informações antes que eu as divulgasse.
Concordei, ressaltando que não poderia demorar muito para divulgar as informações.
Em resumo: se eu não tivesse publicado a matéria de 26 de fevereiro de 2016, na qual EU disse que informei o Instituto Lula os 40 nomes de empresas e pessoas, Sergio Moro e a Lava Jato nunca saberiam que o ex-presidente foi informado de alguma coisa.
Aliás, vale dizer que o Instituto Lula só foi informado dos nomes que teriam sigilos quebrados. Mais nada. E com a finalidade de ser perguntado sobre se, de fato, aquelas pessoas e empresas tinham alguma ligação consigo ou com pessoas próximas a si, de modo que eu não divulgasse mentiras.
O juiz Sergio Moro parece muito preocupado em negar arbitrariedades, mas não se cansa de cometê-las. A nota que soltou demonstra intenção clara de me acusar de ter revelado informações que não me foram pedidas. Ou seja: ele procura me atingir moralmente.
Bem, eu digo o que realmente aconteceu: ele quebrou meu sigilo de forma irremediável ao determinar a quebra de sigilo de meu extrato telefônico.
O magistrado determinou que a operadora de celular informasse o meu extrato telefônico, com o objetivo claro de identificar a fonte que teria me passado a informação divulgada no blog.
Portanto, a decisão não corresponde à realidade ao afirmar que eu teria revelado “de pronto, ao ser indagado pela autoridade policial e sem qualquer espécie de coação, quem seria a sua fonte de informação”.
Basta perceber que o próprio juiz Sérgio Moro agora reconhece a ilegalidade das medidas tomadas visando à obtenção prévia da fonte de informação, para concluir que houve nítida coação ilegal no meu depoimento.
Está devidamente comprovado que, na ocasião do depoimento, as autoridades já tinham conhecimento da sua fonte de informação, obtido mediante o emprego de meios que o próprio magistrado agora assume serem ilegais.
O juiz Sergio Moro se converteu em meu inimigo. Está me processando depois de ter sido por mim representado no CNJ e depois de ter representado criminalmente contra mim em razão de uma publicação em rede social, em que se considera vítima de ameaça praticada por mim.
Não é mais juiz, é parte de um litígio. Não posso ser julgado por um inimigo. Isso é uma aberração, isso é coisa de ditaduras.
Você gostaria de ser julgado por um desafeto? Isso é Justiça?!!
E mais: quero lembrar a todos os brasileiros que, até o momento, ninguém nem mesmo ousou afirmar que informei alguma coisa ao ex-presidente Lula com a finalidade de obter qualquer lucro.
Não fui acusado de me corromper, de corromper alguém, de ter feito qualquer coisa para obter benefícios. Agi de acordo com a minha consciência sem visar lucro pessoal. Tenho a consciência tranquila.
Considero uma honra lutar contra todo esse arbítrio. Estou lutando em defesa da democracia brasileira, ameaçada por processos Kafkianos como esse do qual sou vítima simplesmente por fazer jornalismo, ainda que o juiz me negue a condição de jornalista.
Por fim, o mais irônico em toda essa história é que aqueles que me acusam de vazamento, eles mesmos vazaram meu processo, então sigiloso, para um site que se dedica a atacar o PT, Lula, a esquerda. Todo santo dia. E que é ligado ao PSDB e ao governo Temer.
O mundo precisa saber do que está acontecendo no Brasil e, enquanto eu tiver vida e voz (liberdade), vou me dedicar a denunciar a ditadura que se abateu sobre o nosso país. Para que minhas três netas – e outros netos que virão – não vivam em uma ditadura
Fonte: http://www.blogdacidadania.com.br/2017/03/como-se-deu-minha-prisao-e-o-interrogatorio/
Mais sobre o caso:
http://www.revistaforum.com.br/blogdorovai/2017/03/21/moro-diz-a-deputado-paulo-teixeira-que-conducao-coercitiva-de-edu-e-porque-ele-nao-e-jornalista/
http://www.vermelho.org.br/noticia/294623-1

Desvendando a crise política no Brasil. O passado e o futuro da crise: elementos políticos, econômicos, jurídicos e sociais

Desvendando a crise política no Brasil. O passado e o futuro da crise: elementos políticos, econômicos, jurídicos e sociais[1]

Versão preliminar do texto que será publicado pela Universidade Del Desarollo no Chile, agradeço as contribuições, sugestões, críticas que me puderem enviar antes da publicação definitiva.

Resumo: As narrativas que buscam a compreensão do processo que levou à crise política no Brasil são objeto das mesmas disputas que se travam para a manutenção ou substituição do grupo político que governa o Brasil desde 2002. Fato é que há distintas variáveis em jogo e é difícil apontar qual delas é a mais relevante. Neste trabalho sustentamos a hipótese de que a crise brasileira tem em causa, concomitantemente os seguintes fenômenos: a) polarização da política partidária; b) esgotamento do modelo de financiamento eleitoral. Ambas catalisadas pelas investigações da Operação Lava Jato deflagradas pela polícia federal e que tem posto a descoberto a sistemática de financiamento eleitoral irregular adotado de forma geral pelos partidos políticos mais competitivos. O objetivo, portanto é o de apresentar uma narrativa dos antecedentes da crise política desdobrando alguns dos possíveis cenários pós-impeachment, a partir dos principais projetos de lei em tramitação no congresso nacional no que tange à direitos relacionados ao sistema de proteção social. Para cumprir este objetivo aborda-se na primeira parte em linhas sumarias o sistema de financiamento eleitoral no Brasil, para em seguida tratar da formação de uma polarização política entre PT e PSDB no Brasil que gradativamente se acirra e contamina grandes parcelas do eleitorado. Na segunda parte ensaiamos os cenários pós impeachment amparados: a) no crescente ascenso da direita no parlamento depois do resultado das eleições legislativas de 2014;e, b) nos limites do lulismo como política de governo no Brasil. Por fim, concluiu-se que o futuro do Brasil depender em muito destes dois elementos. Com ampla possibilidades de que as ondas de austeridade fiscal finalmente colham a costa brasileira depois de alguns anos de moderada resistência sob a égide do lulismo.

Palavras-Chave: Impeachment; Crise Política Brasil; Polarização; Reformas estruturais Brasil; Financiamento Eleitoral; Lava-jato.


Link para o artigo em PDF: Texto em PDF



[1] Jeison Giovani Heiler, Doutorando em Ciência Política pela UNICAMP, Mestrado em Sociologia Política pela UFSC,  Bacharel e Especialista em Direito pela Católica de Santa Catarina. Professor Universitário no Centro Universitário Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul e Joinville. Membro Grupo de pesquisa em Política Brasileira UNICAMP - POLBRAS. É autor de livro "Democracia o Jogo das incertezas" editado pela Nova Editora Acadêmica (2014). Desenvolve pesquisas em financiamento da política e financiamento de campanhas eleitorais no Brasil. Eleições e partidos políticos; sistema eleitoral e partidário, teoria política, teoria do Direito. É membro do Grupo de Política Brasileira (PolBras) ligado ao Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP/Unicamp).

quinta-feira, 23 de março de 2017

Ivone Euclides

choveram três dias seguidos
o sol ainda não se atreve de todo
a vida é este mistério Ivone

Euclides sentou-se na soleira da porta e acendeu o primeiro cigarro depois de muitos anos. Minuto a minuto apenas observa a fumaça tecendo caracóis no ar umido e espesso que tomou conta da atmosfera nos ultimos três dias. Ao seu lado jaz um vaso com uma planta de folhas largas cujo nome ignora em absoluto. Ela as adorava consegue pensar. É um tipo de apego estranho este que relaciona pessoas e plantas. Que parte humana cultiva tal necessidade por manter vivas e tenazes toda espécie de plantas e folhagens. Agora, são as coisas que sobraram. Um par de gatos. Certos vasos. alguns já tendo habitado mais de um velório. Alguns livros. Um punhado de fotografias. Uma outra dezena de sorrisos e momentos que o tempo deve se encarregar de apagar com a mesma frieza torpe com que as trouxe. Não haverá casa alguma por visitar porque não a teve. Habitou quase uma dezena de casa nos ultimos anos. De modo que nenhuma delas servirá como porto para as dores da partida incontornável. Euclides quer viver. Quer entornar ainda graves goles de vida compungente. Mas não sabe bem onde pousar o próximo passo. Ela fora sempre sua mais profunda e sincera admiradora. Apesar de que andasse completamente distante nos ultimos tempos. Chegavam-lhe quase sempre notícias suas. De que tencionava rever-lhe. De que esperava ansiosa por mais um encontro. Entretanto. Novos episódios não vieram. Esteve metido nas gretas cruas de lugares sórdidos. Habitou profundas paragens e sitios obscuros. Confundiu-se tanto com o correr dos dias até quase sucumbir por completo. Agora enquanto sorve mais um trago do cigarro dá-se conta de que se não fosse por ela, talvez não estivesse ai sentado, vivendo as sensações obtusas do luto. Alimentado em parte pela sensação confusa de não mais poder habitá-la em seus pensamentos. A vida é este mistério raro. Haverá uma alma menos por habitar. E sua vida se dissipa com a fumaça da última baforada.

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quinta-feira, 16 de março de 2017

Justiça manda governo suspender propaganda da reforma da Previdência

http://www.poder360.com.br/governo/justica-manda-governo-suspender-propaganda-pela-reforma-da-previdencia/

http://www.poder360.com.br/governo/wagner-moura-estuda-entrar-na-justica-apos-ser-criticado-em-video-do-planalto/

terça-feira, 14 de março de 2017

PSDB fez pedido formal para colocar tarjas no nome de Aécio Neves; leia o documento

http://poliarquia.com.br/2017/03/14/psdb-fez-pedido-formal-para-colocar-tarjas-no-nome-de-aecio-neves-leia-o-documento/

Resenha: A HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: 200 ANOS DE LUTA CONTRA O ARBÍTRIO.

Villa, Marco Antonio. São Paulo: Leya, 2011.

Em alguns âmbitos, e certamente no campo do direito, a academia brasileira escreve muito pouco para o grande público. Em sua História das constituições brasileiras, Marco Antonio Villa avisa, logo no início, que não se trata de um livro de direito constitucional, tampouco de uma obra acadêmica1 , o que certamente chama a atenção para o livro. O autor conseguiu mostrar que é possível escrever sobre um tema árido sem que a linguagem seja necessariamente árida. Infelizmente, contudo, talvez esse seja o único mérito do livro.

Villa não conta uma história das constituições brasileiras; simplesmente compila anedotas e lugares-comuns ao lado de equívocos conceituais e falta de informação. No livro, quase tudo é classificado como "bizarro", "curioso", "inusitado" ou "exótico", e o Brasil como um país sem "seriedade legal"2 .

O livro carece, também, de fio condutor identificável. Quando muito, baseia-se em duas premissas que, se não necessariamente equivocadas, demandam alguma fundamentação. O simples fato de ser um livro não acadêmico, não jurídico, feito para o grande público, não isenta o seu autor de expor suas premissas e justificá-las. Essas duas premissas, ainda que não explícitas, são:

(1) as constituições brasileiras, com raríssimas exceções, sempre foram muito detalhadas e tratam, frequentemente, de assuntos não constitucionais; 

(2) as constituições brasileiras são muito longas, têm muitos artigos (uma consequência quase natural, aparentemente, da primeira premissa)3. Essas premissas não são necessariamente equivocadas, mas demandam fundamentação. Quando o autor afirma que as constituições brasileiras com frequência trataram de assuntos que não são tipicamente constitucionais4 , parece ele supor que existe um critério claro que permita, em todos os casos, distinguir o que é assunto constitucional do que não é. Mas Villa parece não ser capaz de definir esse critério. Não basta citar aqui e ali artigos, incisos ou parágrafos anedóticos dessa ou daquela constituição, que, por razões que não importam neste momento, conseguiram chegar ao texto constitucional. Infelizmente, contudo, esse é o argumento-padrão de Villa ao longo do livro: ao invés de buscar critérios ou parâmetros para as suas afirmações, ele recorre ao anedótico.

A obsessão pelo número de artigos das nossas constituições segue a mesma linha: elas seriam muito longas porque tratam de muitos assuntos. Mas, da mesma forma que Villa não explica o que deve e o que não deve ser tratado em uma constituição, também não explica o que é uma constituição longa, tampouco qual é a relação do tamanho de uma constituição com sua qualidade e capacidade de produzir os efeitos desejados.

Com essas deficiências no pano de fundo, pretendo, nos próximos tópicos desta resenha, analisar as principais ideias e problemas do livro de Villa: a questão do tamanho de nossas constituições; o recurso a anedotas como estratégia argumentativa; o uso questionável de comparações com outros países (apenas quando isso interessa aos objetivos do autor); o grande número de equívocos conceituais e a frequente referência a situações fora de contexto, com o intuito de apresentá-las, para usar o vocabulário de Villa, como "bizarras", "exóticas" ou "curiosas".

O TAMANHO DE NOSSAS CONSTITUIÇÕES
Villa está convencido de que nossas constituições sempre foram muito longas, com muitos artigos, muitos dos quais tratam de "assuntos não constitucionais" ou são, para usar o termo preferido do autor, simplesmente bizarros. Villa compra um dos maiores lugares-comuns a respeito da extensão das constituições: boa é aquela com poucos artigos5. De brinde, leva também outra história da carochinha: a Constituição dos Estados Unidos é boa e longeva porque tem poucos artigos6.

Duas questões, no entanto, não são respondidas: (1) por que uma constituição com poucos artigos é melhor do que uma com muitos? (2) O que exatamente significa "poucos artigos" (ou "muitos artigos")? Villa faz uma discutível contraposição entre países "com seriedade legal" e países "sem seriedade legal". Aqui tampouco diz o que significam esses dois conceitos. Apenas ficamos sabendo que, para ele, o Brasil se inclui na segunda categoria. Mas não parece ser difícil supor que Estados Unidos e alguns países europeus seriam incluídos na primeira. A Constituição brasileira de 1988 tinha, em seu texto original, 245 artigos. Já a Constituição dos Estados Unidos, que parece ser o ideal de constituição para Villa, tem apenas sete artigos no seu texto original e 27 artigos extras, inseridos por emendas. Mas o que dizer então das constituições da Alemanha, com 146 artigos, dos Países Baixos, com 142, ou da Suíça, com 197 artigos? Se a qualidade de uma constituição é medida pelo número de artigos, Brasil e Suíça parecem ter muito em comum. Pelo menos essa deveria ser a conclusão de Villa.

O que Villa não quer ver é o óbvio: ter poucos ou muitos artigos, em si, não significa absolutamente nada. Em primeiro lugar, por uma razão trivial: o conceito de artigo não é algo estanque e igual para todas as constituições. Aquilo que a Constituição dos Estados Unidos chama de artigo é uma unidade dividida em diversas seções que, por sua vez, estão divididas em diversos parágrafos. Ou seja: o conceito de artigo na Constituição dos Estados Unidos equivale a uma divisão interna do texto que teria função mais próxima dos títulos e capítulos da Constituição brasileira, não do nosso conceito de artigo. Tendo isso em mente, a comparação muda bastante. Os sete artigos originais da Constituição dos Estados Unidos não seriam, na verdade, sete artigos para os padrões legislativos brasileiros (e de diversos outros países). Mas, mesmo com esses ajustes, a comparação continua não tendo nenhuma relevância.

A quantidade de artigos ou, o que é muito mais relevante, a quantidade de temas tratados em uma constituição não são questões definíveis a priori, com base em padrões imutáveis. Quem afirma que determinados artigos não deveriam estar na constituição tem que expor o seu conceito de constituição. O leitor que procurar esse tipo de informação no livro de Villa sairá frustrado. A tentativa de demonstrar que há coisas fora de lugar é feita apenas por meio de exemplos anedóticos escolhidos a dedo, ignorando tradições jurídicas, conjunturas históricas ou aspectos políticos.

Villa não pretende, por exemplo, contextualizar sua análise e afirmar que a Constituição dos Estados Unidos é mais enxuta do que a de outros países simplesmente porque foi feita em uma época distinta da maioria das constituições ainda em vigor. O que se almejava com uma constituição no século XVIII não é o mesmo que se costuma pretender atualmente. Tendo esse contexto em mente, a Constituição brasileira, ainda que possa ser mais pródiga em temas do que outras, destoa menos do padrão contemporâneo do que Villa quer fazer crer.

Além da recorrente crítica ao suposto tamanho exagerado de nossas constituições, o livro é também um desfile de "causos" que nada provam e não têm, de fato, qualquer relação com a história de nossas constituições. Villa dedica páginas e mais páginas a expor informações absolutamente irrelevantes, como se interessasse a alguém que quer conhecer a história de nossas constituições saber que Olavo Bilac, no exercício da função pública, escrevia despachos em forma de versos7 , ou que o Visconde de Taunay impediu José do Patrocínio de fazer um discurso no primeiro casamento civil celebrado no Brasil8 , ou ainda que, na década de 1930, um açougueiro foi preso por uma diferença de 50 gramas na venda de carne9. Informações como essas, que nada dizem sobre as constituições brasileiras, recheiam o livro de Villa.

Nas suas críticas às constituições brasileiras, Villa usa as experiências internacionais apenas e tão somente na medida em que sirvam aos seus objetivos. Em diversos momentos, ele finge estar diante de artigos que só poderiam fazer parte de constituições de "repúblicas bananeiras", para usar outra expressão do próprio Villa10 . A leitura de constituições de outros países, no entanto, mostraria um cenário diverso.

Villa afirma, por exemplo, que o artigo que define a língua portuguesa como idioma oficial do Brasil (art. 13) é muito "estranho", "pois ninguém estava pretendendo adotar outra língua"11. Do ponto de vista jurídico, essa afirmação não faz sentido, pois supõe que só deve fazer parte de uma constituição aquilo que está em risco. Além disso, no plano do direito comparado, teríamos que supor, por exemplo, que o art. 2 º da Constituição da França, que declara o francês idioma oficial do país, deve ter sido uma reação a alguma revolta desconhecida que pretendia forçar a adoção de outra língua na terra de Molière. O mesmo vale para o art. 8 º da Constituição da Áustria, que diz que o alemão é o idioma oficial do país, e para o art. 27 da Constituição polonesa, que declara que o polonês é o idioma oficial da Polônia.

O art. 4º da Constituição de 1988 é chamado de "latino-americanismo" (em sentido irônico e pejorativo, claro), por fomentar a integração latino-americana12. Talvez fosse o caso de perguntar se Villa diria o mesmo sobre o art. 23 da Constituição alemã acerca da consolidação da União Europeia.

Para Villa, é "incrível" o fato de que a Constituição de 1824 tivesse um artigo que declarava que "a pessoa do imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma"13. Se a "rigorosa pesquisa" a que faz menção a orelha do livro tivesse de fato ocorrido, teria sido fácil descobrir que outras constituições da época tinham artigos idênticos. Uma sugestão de leitura seria o art. 5º da Constituição da Noruega (ainda hoje em vigor), segundo o qual "a pessoa do rei é sagrada; ele não pode ser censurado ou acusado".

O tamanho da Câmara dos Deputados também é alvo da estratégia de mostrar dados de maneira enviesada. Na aritmética de Villa, se a Câmara brasileira tem 513 e a dos Estados Unidos tem 435 membros, algo está errado, porque a população americana é maior do que a nossa. Villa afirma: "A Câmara chegou ao número total de 513 deputados, uma das maiores do mundo (nos Estados Unidos, a Câmara dos Representantes tem 435 membros e a população é superior à brasileira)"14. Mas o que dizer, então, da Assembleia Nacional francesa, com 577 membros, ou do Parlamento alemão, com 620, ou da Câmara dos Comuns na Inglaterra, com, pasmem, 650 membros? Aqui, de novo, esses exemplos atrapalhariam o esquisito argumento de Villa. Melhor então escondê-los (já que, se Villa afirma que a Câmara brasileira é "uma das maiores do mundo", é possível supor que ele tenha pesquisado o tamanho de outras casas legislativas e, portanto, sabia desses números).

Além de não fazer comparações internacionais quando não interessa, Villa baseia parte da sua análise de casos supostamente "bizarros" em noções jurídicas bastante equivocadas. Ele confunde impedimento do presidente com impeachment, para depois chamar de "exótico" o sistema de substituições e sucessões da atual Constituição brasileira15. O exotismo, contudo, só surge por causa dessa confusão conceitual.

Outro equívoco recorrente, especialmente na análise da Constituição de 1988, é forçar incompatibilidades entre dispositivos constitucionais com o propósito de mostrar que nossas constituições são feitas sem cuidado, que aceitam qualquer coisa e que nelas haveria diversas previsões mutuamente excludentes. Villa afirma: "É evidente que são excludentes a democracia direta e a representativa. A dubiedade constitucional foi um meio de aparar as arestas entre os diferentes grupos políticos"16. A afirmação está fora de qualquer contexto e é difícil saber o que Villa quer dizer com ela. É possível supor que ele esteja mencionando o parágrafo único do art. 1º da Constituição, que prevê que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". Embora Villa afirme que há uma contradição "evidente", ele não diz a razão. O certo é que há inúmeras constituições pelo mundo afora que se apoiam em ideias semelhantes: a democracia representativa é matizada por instrumentos de democracia direta como plebiscitos, referendos ou leis de iniciativa popular. Não há aqui qualquer exotismo.
Pelo contrário, é absolutamente comum que constituições contenham regras gerais que sejam excepcionadas pela própria constituição. É tarefa básica do jurista harmonizar esse tipo de relação entre normas. Villa engana-se, portanto, quando afirma que a contradição que ele aponta como evidente "vai se repetir várias vezes" ao longo da Constituição17. Seu segundo exemplo de normas "evidentemente excludentes" é igualmente equivocado: segundo ele, não é compatível garantir a propriedade (art. 5º, XXII ) e, ao mesmo tempo, exigir que ela cumpra sua função social (art. 5º, XXIII). Qualquer estudante de primeiro ano de direito aprende a resolver essas relações entre regra geral e regra especial.

Quando Villa comenta o art. 4º , parágrafo único, da Constituição de 1988, já mencionado acima, segundo o qual a "República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações", além de pejorativamente classificar o artigo de "latino-americanismo", Villa afirma:
O despropósito está explícito. Não é somente um princípio. Muito mais do que isso, trata-se da determinação para iniciar o processo de formação de uma comunidade de nações, tal qual a europeia. Como se bastasse simplesmente externar um desejo, como se a palavra substituísse a ação e todas as contradições na organização de uma comunidade tão díspar18.
O que está explícito, contudo, não é o despropósito do texto constitucional, mas o despropósito da interpretação de Villa, que, de novo, tenta forçar a impressão de algo exótico e incrível. É claro que a palavra não substitui a ação. Mas a palavra — no caso uma previsão constitucional — tem uma força normativa que não pode ser ignorada, pois aponta para uma direção a ser seguida. Normas constitucionais não garantem apenas direitos ou definem a organização do Estado, elas também podem definir — e com frequência definem — objetivos a serem perseguidos. O art. 4º , parágrafo único, faz exatamente isso.

Há diversos outros equívocos conceituais ao longo do livro de Villa. Embora isso possa indicar menos cuidado na elaboração do livro do que a orelha e a apresentação do livro sugerem, alguns desses equívocos conceituais não seriam necessariamente um problema digno de muita atenção, especialmente em um livro não jurídico e não acadêmico. A menção a alguns deles acima não tem, portanto, o objetivo de apontar o erro pelo erro. O problema é que cada um dos incontáveis equívocos serve de trampolim para que Villa invente mais uma de suas situações aparentemente "exóticas", "bizarras" ou "inusitadas". Tendo esse objetivo em mente, Villa deveria ter se preparado melhor. É claro que, se o tivesse feito, teria encontrado menos historinhas para contar, mas certamente haveria menos razões para corrigi-lo.

Outra forma de forçar exotismos é por meio da referência a situações descontextualizadas. Assim, o leitor incauto poderá imaginar que o voto censitário (baseado na renda ou propriedade) durante o império era mais uma invenção brasileira19 , embora qualquer estudioso saiba (Villa inclusive) que o voto censitário era a regra geral no século XIX , no mundo inteiro.
No capítulo sobre o STF , Villa cita a frase, supostamente dita por um de seus ministros no passado: "Estamos aqui para aplicar a lei e não para fazer justiça"20. O objetivo de Villa parece ser o de sugerir aos leitores que o STF sempre foi formado por pessoas de caráter duvidoso. O problema é que a frase não tem nada de peculiarmente brasileira e nada diz sobre o caráter de um juiz. Ela expressa, ainda que de forma simplificada, um dos pontos centrais de uma corrente jurídico-filosófica dominante por muito tempo (e ainda influente) — o positivismo jurídico — que defende, entre outras coisas, que não cabe ao juiz fazer juízos morais21. Mas revelar esse decisivo detalhe atrapalharia os objetivos de Villa. E não se trata de mero desconhecimento do autor. A frase acima citada teria sido dita pelo ministro Hahnemann Guimarães a Lêda Boechat Rodrigues, autora de um extenso trabalho sobre a história do STF , que Villa cita. É possível supor, então, que ele o tenha lido. No entanto, ao contrário de Villa, Lêda Boechat Rodrigues não cita o episódio de forma descontextua­lizada e faz questão de explicar o que há por trás da frase do ministro: "A convicção do Ministro Hahnemann Guimarães era a de um ardente positivista jurídico"22. E, embora de forma bastante simplificada, não deixa dúvidas de que se trata de um embate de correntes jurídico-filosóficas, não de questões de caráter: "Mais próximas do meu sentir ressoavam as palavras do admirável Benjamin N. Cardozo [...]. A Escola Sociológica do Direito americana parecia-me levar a sentenças de muito maior valia que as inspiradas pelo Positivismo Jurídico"23. Se Villa tivesse exposto o contexto, teria perdido a oportunidade de tripudiar às custas de um possível desconhecimento de seus leitores do que está por trás dos fatos que narra. Mais uma vez, preferiu esconder os detalhes.

O livro de Villa, em suma, além de não ser uma história das constituições brasileiras (tampouco do STF), mas uma mera coleção de anedotas pouco relevantes sobre temas marginais, é todo baseado em estratégias argumentativas duvidosas, por não mostrar contextos, por esconder a experiência internacional com o intuito de fazer crer que nossa experiência é sempre singular e, por fim, por basear-se em interpretações equivocadas dos textos constitucionais.

Villa parece se divertir com um suposto exotismo brasileiro. Uma pena que não o demonstre por meio de uma análise mais bem informada. Com isso, perdeu a oportunidade de escrever um livro interessante, que analisasse por que, em determinados momentos, as constituições brasileiras não conseguiram produzir os efeitos esperados. Poderia, até mesmo, tentar entender por que nossas constituições foram aumentando de tamanho, já que esse parece ser um tema que o interessa. Poderia, por que não, também mostrar o que funcionou nos últimos quase duzentos anos. Isso não significaria fazer uma análise ufanista de nossas constituições. Tampouco deixaria o livro mais árido. Mas Villa preferiu o caminho fácil, o anedótico. Para quem está atrás de anedotas irrelevantes, pode ser um passatempo indolor. Já para quem procura uma história das constituições brasileiras, ler o livro de Villa é definitivamente pura perda de tempo.


VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA é professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP.


[1] Villa, Marco Antonio. A história das constituições brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio, pp. 9-10.         [ Links ]
[2] Ibidem, p. 126.
[3] Não quero com isso dizer que essas são as duas únicas premissas do livro de Villa. Com certeza deve haver outras, tão pouco explícitas quanto essas que menciono. Se há alguma premissa explícita, talvez sejam as duas definidas na apresentação do livro: a predominância do arbítrio estatal em nossas constituições e a dissociação dos textos constitucionais com o Brasil real (p. 10). Essas duas premissas, contudo, não são de fato desenvolvidas ao longo do livro (ainda que, no caso da primeira, ela seja o pano de fundo das constituições dos períodos autoritários de nossa história). 
[4] Por exemplo, Villa, op. cit., pp. 40, 48, 56, 90, 126.
[5] Ao longo de quase 150 páginas, Villa consegue encontrar apenas um único ponto positivo em todas as constituições da história do Brasil: a de 1891 foi uma constituição concisa (p. 32). O número de artigos das nossas constituições é quase um fetiche para Villa e é tema recorrente no livro (além da p. 32, cf. também as pp. 48 e 115, por exemplo).
[6] Ibidem, p. 116.
[7] Ibidem, p. 28.
[8] Ibidem, p. 39.
[9] Ibidem, p. 64.
[10] Ibidem, p. 90.
[11] Ibidem, p. 127.
[12] Ibidem, p. 117.
[13] Ibidem, p. 19.
[14] Ibidem, p. 119, grifos meus.
[15] Ibidem, pp. 121-122, 125.
[16] Ibidem, p. 118.
[17] Ibidem, p. 118.
[18] Ibidem, pp. 117-118.
[19] Ibidem, p. 17.
[20] Ibidem, p. 131.
[21] Apenas para ficar nos autores clássicos dessa corrente jusfilosófica, cf. Kelsen, Hans. Reine Rechtslehre. 2. ed. Viena: Deuticke,         [ Links ] 1960; Hart, H. L. A. The concept of law. Oxford: Clarendon Press,         [ Links ]1961. Há traduções brasileiras de ambos os livros.
[22] Rodrigues, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, t. III,         [ Links ] p. 39.
[23] Ibidem.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002013000200013&script=sci_arttext

quinta-feira, 9 de março de 2017

Privatização do saneamento afasta Brasil de tendência mundial

Nesta segunda semana de março de 2017 o Governo Temer anunciou segunda etapa do Projeto Crescer LINK AQUI que encoraja a privatização do saneamento e da água que bebemos. Trata-se de uma tragédia social. veja o que dizem especialistas na matéria abaixo colhida do sitio:

 https://www.brasildefato.com.br/2016/09/26/para-especialistas-privatizacao-do-saneamento-afasta-brasil-de-tendencia-mundial/

Iniciativa vai na contramão da remunicipalização dos serviços, que tem sido feita por cidades como Berlim e Buenos Aires

Brasil de Fato | São Paulo (SP), 
Em 2014, Brasil possuía 95% dos domicílios com acesso a água, e somente 56% deles com coleta de esgoto / Marcello Casal/Arquivo/Agência Brasil
No mês de setembro, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou um estudo em que sistematiza dados do saneamento básico no país. Entre as conclusões, a pesquisa "Visão geral dos serviços de água e esgotamento sanitário no Brasil" aponta para uma estratégia de inserção da iniciativa privada no setor, seja por meio da constituição de Parcerias Público-Privadas (PPPs) ou mesmo de tentativas de privatização de empresas estatais.
Na apresentação do programa federal de privatizações denominado "Projeto Crescer", no início deste mês, foi anunciada a inclusão de concessões de rodovias, ferrovias, terminais portuários, mineração, energia e também saneamento. Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a iniciativa vai na contramão de uma tendência de remunicipalização dos serviços, onde se observou experiências desagradáveis com a privatização. 
Berlin, Buenos Aires, Budapeste, La Paz, Maputo e Paris são exemplos de cidades que passaram o controle novamente à iniciativa pública, aponta o estudo, que é a primeira publicação da Rede Saneamento, constituída recentemente pelo instituto e cujo objetivo é apresentar um panorama, abrangendo diferentes dimensões, dos serviços no Brasil. 
José Silvestre, coordenador técnico do Dieese à frente da pesquisa, afirma que a política  de ajuste fiscal no âmbito federal tende a reduzir a disponibilidade de recursos para os investimentos, o que facilitaria a ampliação da participação privada como alternativa para a ampliação dos serviços.  
"O que o governo está sinalizando é que virá um processo de privatização deste setor [de saneamento]. Como se dará, isso ainda não está claro. Mas dada a conjuntura e a circunstância do ajuste fiscal, isso afetará ainda mais o processo de ampliação da cobertura de áreas que não estejam servidas seja por água potável, seja pelo serviço de esgotamento sanitário de maneira geral", disse o técnico.
O presidente não eleito Michel Temer (PMDB) demonstrou apoio aos estados que promoverem parcerias com o setor privado. O secretário executivo do "Projeto Crescer", Moreira Franco, afirmou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fará encontros com os governos estaduais para definir as alternativas para a concessão do serviço ao setor privado. Na primeira fase, os estados de Rondônia, Pará e Rio de Janeiro, que já sinalizaram interesse, devem ser contemplados.
Edson Aparecido, assessor de Saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), critica o novo papel da empresa pública.  "O BNDES deveria ser um banco de fomento, indutor do desenvolvimento econômico e social, mas terá agora a contribuição com a modelagem de privatizações como uma de suas atribuições", disse.
O leilão, no entanto, não deve prever a privatização das companhias estaduais. A entrega à iniciativa privada deverá ser de parte das operações, como o serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto.  Segundo Edson, a complexidade das atribuições no setor dificultam a inserção do saneamento nos pacotes como o Crescer, pelo fato de que a ação depende dos estados e municípios. "O governo federal não pode definir o que será privatizado nos estados, mas apoiar essas iniciativas", disse.
"A novidade do papel do BNDES para os estados é que isso pode significar um alívio de caixa, na medida em que eles tem que honrar seus compromissos com o governo federal", complementou ele. Segundo o assessor, a tendência agora é as políticas de saneamento descolarem do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), aprovado em 2014, e que se tenha uma queda significativa dos investimentos.
Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água, pondera que os municípios não podem delegar o planejamento da política do setor ao órgão regulador ou ao prestador de serviço e devem definir um órgão regulador.
"A legislação até prevê privatizações, mas tem como centro o município como o órgão que vai dar o controle social [ao setor], que vai pensar a regulação, que terá um órgão de fiscalização. Mas, na prática, não é isso que acontece", afirma.
Ela exemplifica a situação de cidades no estado de São Paulo, onde são "raras" exceções de municípios que têm suas próprias agências. "Os operados pela Sabesp acabam tendo que fazer a delegação para à agência estadual, o que acaba gerando uma série de questionamentos do quanto é possível ter uma regulação isenta, já que ela acaba sendo um órgão muito mais próximo do governo estadual do que das prefeituras".
Hoje, a participação do setor privado ainda é pequena. Ao todo são 1.513 prestadores, sendo 1.479 prestadores locais, a maioria ligados à administração realizada pela município ou por meio de autarquia. Em 2015, apenas 304 municípios eram atendidos por empresas privadas. O Tocantins é o estado com a maior presença privada na prestação do serviço, com  125 municípios, seguido por São Paulo e Mato Grosso, com 50 e 41 cidades, respectivamente. 
Apesar de as empresas privadas atuarem, na maioria dos casos, em cidades com menos de 50 mil habitantes, a população atendida é bastante expressiva, cerca de 32 milhões de pessoas. "Mas eles tem uma meta ousada de atender 40% da população brasileira até 2020. A tendência é que a vida deste setor seja realmente facilitada", lembrou o assessor da FNU. 
Os prestadores regionais, Companhias Estaduais de Saneamento Básico (Cesbs), são responsáveis por 78% de todo abastecimento de água do país e 55,1% de todo esgotamento sanitário, e são, em sua maioria, empresas de economia mista. 

Cobertura 

O estudo do Dieese trabalha com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad-IBGE) que aponta que, em 2014, o Brasil possuía 95% dos domicílios com acesso a água, e somente 56% deles com coleta de esgoto.
Quando se trata de esgotamento sanitário, a cobertura média nacional dos domicílios está em um patamar abaixo dos 60%. Mesmo o acesso à água, cuja abrangência é muito maior, nas regiões Norte e Nordeste, por exemplo, o percentual é inferior a 90%. No caso do esgotamento sanitário o quadro é muito mais gritante. No Norte, o índice de cobertura é abaixo de 14%. 
Silvestre não acredita que o processo de privatização garanta a cobertura integral que, ele ponderam ainda está muito aquém do que preconiza a OMS e a ONU no que tange, principalmente, ao esgotamento. O coordenador do instituto lembra que o processo de de privatização do setor elétrico nos anos 1990 não garantiu a expansão da rede. 
"A tendência é que o fornecimento deste serviço, qualquer que seja ele, mas aqui falando de infraestruturas essenciais, eles vão paras áreas mais rentáveis. Em municípios longínquos em áreas de baixa renda, muito provavelmente, elas não terão o interesse do capital privado em áreas mais 'filé mignon'", disse.
Marussia também diferencia o aporte em investimentos e a privatização dos serviços. "Para se chegar a um bom padrão de saneamento, isso terá que ser precedido de um grande investimento em infraestrutura e não apenas em serviços", lembra. 
Segundo ela, a disparidade entre as regiões, no que se refere à cobertura, deve ser levada em conta quando se fala em concessões à iniciativa privada. "Não tem como prestar serviço por não ter nenhuma estrutura para isso. Nem água nem esgoto se teletransporta. estamos falando em investimentos para se construir rede, que é caro, perfura a cidade", disse. 
O que acho importante é que temos uma divisão entre investimento e serviço. Se você fala que vai privatizar o serviço de água em São Paulo, mas já tem um investimento de anos, a empresa entraria apenas com o serviço. Mas em algumas cidades não há o serviço para prestar e é necessário fazer toda a infraestrutura", pondera.
Em relação à água, Marussia questiona a pressão de empresas ligadas à produção de bebidas, como a Nestlé e Coca-Cola. "Tem um questionamento cada vez maior de como eles se posicionam, o quanto elas impactam o local que elas estão explorando. E os estados, como um todo, devem que pensar as regras dos recursos artificiais não são as mesmas para os recursos subterrâneos", disse.
"Nós, como sociedade, temos que começar a se interessar por esse recurso e pensar em uma regulamentação mais adequada pensando a transparência, direito à água e não comprometer o uso das futuras gerações", completou.  
Em janeiro de 2016, a ONU reconheceu o saneamento básico como um direito humano.