segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Milagre em Milão e a desocupação dos Sem-Teto


Autor: 

 
Por raquel_
 
“Milagre em Milão”: fábula de Vittorio De Sica sobre desocupação de sem-teto segue atual

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Em tempos de iminente desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), um filme do italiano Vittorio de Sica ajuda a pensar – 60 anos depois - em alguns aspectos de uma reintegração de posse. E da oposição entre a classe trabalhadora (os sem-teto) e a burguesia. Quem vence essa disputa?
> Economicamente não há final feliz: no final de “Milagre em Milão” (1951) o terreno é revertido para o proprietário. Mas os comunistas De Sica e Zavattini (o roteirista principal) não viam o mundo apenas com lentes econômicas. O que eles sugerem ali, além de uma utopia, é uma caracterização da burguesia a partir do ridículo.

- Quem são eles? – pergunta  o novo dono do terreno, senhor Mobbi.
- Pobres – responde o antigo dono.
- O que fazem?

O filme quase se chamou “Os pobres atrapalham”. Mas foi vetado - os italianos estavam preocupados com a imagem do país no exterior. O filme é baseado no livro “Totó, o Bom”, do próprio Cesare Zavattini.

A desumanidade do dono do terreno, o senhor Mobbi, está diretamente associada a sequências patéticas. Do outro lado, em clima surreal, Totó e sua turma desconstroem as ações policiais com humor e dignidade – os jatos d’água, as bombas de fumaça, as ordens. Nada ali pode afetar a dignidade dos sem-teto.


Não se trata apenas de uma resistência por meio de porretes e barricadas – que, em determinado momento, também acontecem. Vittorio de Sica busca na poesia – e na união dos trabalhadores – a possibilidade de superação daquela violência.

Em meio à fleuma dos sem-teto, são os patrões e seus mandantes que se sentem acuados. “Essa gente não merece piedade”, diz Mobbi, titubeante. “Todos sentimos frio, somos todos iguais”, afirma, em outro momento, obviamente sem convencer. “Todos temos cinco dedos nas mãos”.

Quem quiser pensar no cinema de Vittorio de Sica deve abandonar os estereótipos sobre realismo. Ou melhor, abandonar mesmo a idéia de que seus filmes sejam propriamente realistas. Sim, “Ladrões de Bicicleta” (1948) é um dos clássicos do movimento que se chamou neorealismo – e mudou o cinema e o mundo, no pós-guerra.

Ao lado do roteirista Cesare Zavattini, De Sica criou obras de profundo romantismo. Ainda que com atores amadores e locações na própria cidade, características do neorealismo. O homem que estava por trás desses atores e cenários era um homem romântico.

Em uma das cenas de “Milagre em Milão” os sem-teto, com frio, buscam um lugar ao sol no terreno ocupado, ao lado de uma ferrovia. Mas literalmente um lugar ao sol. Logo me veio a lembrança de um vídeo gravado em apoio à Ocupação Pinheirinho, onde um militante lê uma poesia de cordel:

Esse cordel remete a Glauber Rocha, à disputa de classes nos sertões. A “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Em meio à possibilidade de massacre, trata-se também de uma estética que está sendo proposta por De Sica (e por Glauber) – ou contraproposta à dominação linear, cinzenta. O céu se destaca ao fundo.

É para o céu que Totó e os demais sem-teto rumam no fim do filme – na sequência que inspirou Steven Spielberg a fazer a famosa cena de “E.T.”

Trata-se, assumidamente, de uma proposta de fuga, de um contraponto que não seja apenas um confronto físico, contra os tanques e escavadeiras. Mas um confronto de visões de mundo. Vale assinalar que o filme, na época, não agradou nem os comunistas durões nem os conservadores.

Nas nuvens, sobrevoando Milão, os sem-teto estão felizes. Sabem que venceram a batalha pela dignidade. O letreiro do fim do filme repropõe a esperança:

- Em direção a um sonho onde “bom dia” queira dizer verdadeiramente “bom dia”.

http://alceucastilho.blogspot.com/2012/01/milagre-em-milao-fabula-de-vit...


Fonte: Blog do Nassif

2 comentários:

  1. Sem esquecer que o terreno, ocupado desde 2004, pertence à empresa Selecta, do empresário Naji Nahas, preso em 2008 durante a Operação Satiagraha, da Polícia Federal, por "suspeita" de corrupção.

    Muito boa a fala de Blog Rodopiou: "Os traficantes sentem inveja dessa que, juntamente com a ação na Cracolândia, demonstra a política de higienização que o governo paulista vem promovendo, com o agravante da violência estar sendo usada para defender os interesses do bandido e grileiro de terras Naji Nahas."

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    1. O Ministério Público Federal em São José dos Campos entrou com ação contra a Prefeitura da cidade para que ela seja responsabilizada pela omissão em promover medidas que de regularização fundiária e urbanística da comunidade do Pinheirinho. De acordo com a Procuradoria, o local, que foi ocupado por sem-teto em 2004, se transformou “num verdadeiro bairro esquecido da cidade”.

      O procurador da República Ângelo Augusto Costa, também pede que, de maneira liminar (provisória), seja assegurado o direito à moradia dos ocupantes do terreno.


      A Justiça determinou a reintegração de posse do terreno no final do ano passado, mas outras decisões suspenderam temporariamente a realização do despejo.

      Para Costa, houve omissão do município ao longo dos sete anos da ocupação e há grave risco de violação de direitos fundamentais caso a reintegração de posse seja realizada.

      De acordo com documentos presentes num inquérito civil já aberto pela Procuradoria, a União demonstra interesse em realizar a regulação fundiária do Pinheirinho, mas encontrou nesse período “resistência obstinada das autoridades municipais, o que caracteriza omissão juridicamente relevante, capaz de ensejar a responsabilidade civil do Município, que obstou uma solução negociada para a ocupação”.

      Fonte: http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/procuradoria-quer-que-prefeitura-de-sao-jose-seja-responsabilizada-por-omissao-no-pinheirinho-20120119.html

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