terça-feira, 26 de junho de 2012

O fetiche e o feticheiro


O fetiche e o feticheiro

Publicado no Jornal ANotícia 26/06/2012

Por Jeison Giovani Heiler

Deparando-me com uma manchete de jornal que anunciava os homens e mulheres solteiros disponíveis no mercado, imediatamente perguntei-me: qual mercado? De que tipo de mercado estamos falando, ainda que de forma absolutamente metafórica? Se podemos admitir mesmo que homens e mulheres possam figurar também nas vitrines mercadológicas como itens disponíveis para compra, venda, locação, cessão, uso e abuso, como coisas consideradas objetivamente, também podemos refletir um pouco até onde isso pode nos levar.

Certamente, haverá um acordo, já que ultrapassamos a fase da escravidão, de que nesse mercado, não está disponível a coisa em si, o corpo humano, pelo menos não nesse caso, disso trata o mercado da prostituição em franca ascendência e um dos mais promissores na bolsa de valores.

O mercado de que fala-se aqui poderia ser classificado como o mercado do afeto. É o afeto que se torna agora item de mercado. Por isso diz o anúncio “homens e mulheres [solteiros]”. Ou seja, com afeto disponível para a compra, venda, locação, uso, desuso e obsolescência. Entendo amparado no pensamento antropológico de Lévi-Strauss que essa alusão ao mercado ultrapasse em muito a mera ilustração linguística na forma de uma simples figura de linguagem. O que nos leva a pensar no afeto como “coisa” passível de transação mercadológica?

O estruturalismo antropológico desenvolvido por Lévi-Strauss considera, na análise dos diferentes modelos de sociedades, elementos conscientes e inconscientes. Estes últimos, de dificílima assimilação, seriam responsáveis por toda representação social desprovida de fundamentos conhecidos ou conscientes. Desta forma, os discursos patentes em manchetes como a que analisamos aqui poderiam revelar elementos inconscientes, mas que dão forma ao modelo de sociedade em que estamos mergulhados de ponta-cabeça e com os braços amarrados.

Uma sociedade pautada em um determinado modelo econômico e político que considera tudo, absolutamente tudo, inclusive os afetos, passível de compra, venda, locação, uso e desuso por meio da troca por fichas simbólicas a que convencionamos chamar dinheiro. O fetiche da mercadoria fetichizou o mercado como coisa desejável em si. Como consequência lógica, vemos multiplicarem-se os discursos que resumem todos os itens da existência como disponíveis nos mercados eleitoral, da moda, do futebol, do trabalho, do crime, do tráfico, da arte, da literatura, dos afetos. Tudo isso disponível para compra, venda, locação, uso, desuso, obsolescência e, principalmente, descarte!

4 comentários:

  1. Primeiramente gostaria de parabenizá-lo pelo texto, é um assunto que poucas pessoas notam o "mercado" em si; em algumas conversas com meu noivo (Erick) chegamos a uma conclusão de que, obviamente nos dias atuais o incentivo a cultura é muito inferior e também não vende, com isso concluímos que se algo não for feito as coisas tendem a piorar e ai não adianta reclamar de tantas coisas que acontecem.
    As pessoas esquecem muito cedo de preservar bons valores e acabam levando até o próprio corpo como mercadoria, a ambição de ter mais e mais coisas é maior, não sabemos se é esse sistema capitalista que gera isso, ou a mídia, ou a própria vontade dos seres humanos, enfim, só temos que preservar e transmitir bons valores a quem esta ao nosso redor, fazendo assim refletirem sobre os acontecimentos.

    ResponderExcluir
  2. Marília e Erick, efetivamente, não sabemos, ao certo, o que gera esse estado de coisas. Contudo, a posição crítica diante de questões como estas postas no texto é fundamental na tentativa de compreendê-las.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. George soros... heheh... Não resisti, mas acredito sim em interesses humanos que colaboram com um instinto animalesco entranhado que nos leva para longe da razão e da cultura que se apresenta em forma de ideologias e muita mídia a fim de facilitar o controle, nos aprisionando dentro de nossas limitações, nos distanciando do espiritual e da transcendência do ser. Bombardeio de estímulos desde o inicio da vida nos tornam cada vez mais insensíveis e incompatíveis com a própria condição humana.

      Excluir
  3. Obrigado pelo comentário! Mas não sei se te entendi ao certo.

    ResponderExcluir