quarta-feira, 27 de junho de 2012

OCP Entrevista - Cota Eleitoral de Gênero

OCP Entrevista - Cota Eleitoral de Gênero

Esta será a primeira vez que a cota eleitoral de gênero será aplicada em eleições municipais. Valendo desde 2010, a lei 9.504, ou Lei Eleitoral, estabelece o mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Ou seja, dos 22 e 17 candidatos a vereador que a coligação e o partido, respectivamente, podem lançar, cada nominata deve conter, no mínimo, sete e cinco mulheres candidatas.


Esta será a primeira vez que a cota eleitoral de gênero será aplicada em eleições municipais. Valendo desde 2010, a lei 9.504, ou Lei Eleitoral, estabelece o mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Ou seja, dos 22 e 17 candidatos a vereador que a coligação e o partido, respectivamente, podem lançar, cada nominata deve conter, no mínimo, sete e cinco mulheres candidatas.

O objetivo da determinação é aumentar a participação feminina na política brasileira. No entanto, muito ainda se discute sobre a efetividade da cota e, principalmente, sobre as razões que levam à baixa adesão política feminina. Para discutir o assunto, a equipe do O Correio do Povo entrevistou o mestre em sociologia política, Jeison Giovani Heiler.

 O Correio do Povo - Por que criar uma cota de gênero? Qual sua importância?

Jeison Giovani Heiler - Toda política de cotas tem o objetivo de corrigir distorções históricas, sociais ou econômicas na distribuição equitativa de vagas que representem oportunidades ou espaços de poder. Neste caso, diante da distorção da representação feminina nos espaços decisórios, a lei eleitoral estabeleceu parâmetros mínimos de candidaturas no momento da apresentação dos candidatos pelos partidos políticos. Portanto, a importância é a correção dessa distorção histórica.

 OCP - Por que incentivar a participação feminina na política?

JGH - As mulheres na política têm uma pauta de gênero extensa a ser discutida e implementada. Todas elas passam pela rediscussão do machismo que mantêm ainda a mulher sob severas amarras apesar da alardeada liberação sexual. Então, a participação delas é condição essencial para a emancipação do gênero, do fim da violência contra a mulher e da co-responsabilização do homem  na maternidade e até mesmo na vida doméstica. A média masculina de ocupação de tarefas domésticas alcança 4,3 horas semanais contra 18,3 horas semanais das mulheres.

As amarras que mantêm as mulheres tolhidas do processo político ficam evidentes diante dos dados. Embora as brasileiras constituam mais da metade da população, elas representam apenas 8,7 % da Câmara de Deputados e 14,8% do Senado Federal. Em Santa Catarina, no Legislativo Estadual são apenas 12,85%, as vereadoras não passam de 10% e as prefeitas correspondem apenas a 9,2% entre gestores municipais, segundo dados do TSE.


OCP - Você é a favor ou contra a cota?

JGH - Entendendo que a previsão legal de cotas para as mulheres é uma estratégia que busca corrigir distorções históricas, e nesse sentido sou favorável. O que precisa ficar claro, contudo, é que nenhuma iniciativa meramente legislativa tem o condão de promover, por si, mudanças profundas em problemas como este, que tem origens sociais, culturais, históricas e econômicas.

 OCP - Existem outras medidas que possam ser feitas para aumentar a participação das mulheres?

JGH - Outras medidas para efetivar a participação das mulheres são urgentes e necessárias. A primeira coisa a se compreender é que a emancipação da mulher passa, necessariamente, pela emancipação do gênero humano. A emancipação das mulheres não pode em hipótese alguma significar a opressão do homem. Por exemplo, para citar apenas dois aspectos: Primeiro, há um certo consenso teórico de que o principal entrave para a participação de homens e mulheres na política seja a questão do trabalho. Enquanto houver um regime de trabalho de 44 horas semanais restará pouquíssimo tempo para que não somente as mulheres, mas também os homens possam se inserir no processo político decisório. No caso das mulheres, diante do seu papel na maternidade, e da jornada dupla de trabalho essa situação se agrava.

Em segundo lugar, as campanhas eleitorais se tornam a cada dia mais caras e mais dependentes do poder econômico. Nesse sentido, a ampliação da participação política de homens e mulheres passa necessariamente pela implementação do financiamento público de campanhas eleitorais. Além disso, dados mostram que as campanhas das mulheres, guardam estatisticamente, a metade de chances de eleição em relação às campanhas de candidatos homens. Este dado, aliado ao dado de que as mulheres arrecadam menos recursos do que os homens para as suas campanhas, explica a sub-representação feminina. Portanto, a questão da participação das mulheres na política deve ser discutida também à luz do debate acerca do financiamento de campanhas.

 OCP - Por que a participação feminina é ainda tão pequena?

JGH - A participação feminina ainda é bastante diminuta justamente em razão de que este não é um problema que possa ser resolvido a partir de um ato legislativo isolado. A cultura machista está nos anais da história brasileira. De lá pra cá se permitiu que as mulheres fossem às urnas em 1933, que participassem efetivamente do mercado de trabalho, que conquistassem a independência do marido com o Estatuto da Mulher casada em 1962, mas, os laços que prendem a mulher às atividades do lar e à submissão sexual masculina ainda não foram rompidos de todo.


OCP - Acontece de a mulher sofrer ainda preconceito ou qualquer tipo de falta de respeito pelos homens dentro dos partidos?

JGH - A maior falta de respeito praticada em face das mulheres decorre justamente da previsão de cotas que acabam sendo preenchidas pelos partidos nos últimos dias antes do registro com candidaturas meramente figurativas. Não raro funcionárias dos próprios partidos ou de empresas ligadas aos candidatos “emprestam” o nome para registros de candidaturas artificiais. Mesmo entre as mulheres que efetivamente conseguem participar, nota-se um papel, em alguns casos, de subserviência na tomada de decisões, ora em relação ao marido, ora em relação a caciques partidários, outros casos, em relação às duas coisas.
Evidentemente, neste aspecto, há as exceções, das quais, exemplo maior é a Presidenta da República que tem conseguido impor, sem qualquer análise no mérito, a maior parte de suas decisões com absoluta autonomia e independência. O que precisa ocorrer urgentemente é a tomada de consciência das lideranças partidárias de que as mulheres não podem constituir um “problema” no momento do fechamento das nominatas de candidaturas. Contudo, enquanto as consciências estiverem ancoradas sob o viés machista e a mulher considerada como posse privada, dificilmente pode-se imaginar condições para um processo de emancipação feminina.

Publicado originalmente aqui: http://www.ocorreiodopovo.com.br/politica/ocp-entrevista-cota-eleitoral-de-genero-6682717.html

Verônica Lemus
Publicado Jornal Correio do Povo - 26/06/2012 às 16:43:26 - Atualizado em 26/06/2012 às 16:48:15

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