quarta-feira, 13 de junho de 2012

Segurança continua presa a mitos

Entrevista com Profª da UFSC - Vera Regina de Andrade - pós-doutora em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de Buenos Aires 


 “Segurança continua presa a mitos”, 


"Nenhuma instituição fechada jamais vai ter o poder de ressocializar ninguém até porque, se tem que haver uma ressocialização é da própria sociedade que produz os seus criminosos".



"O que temos hoje é uma criminalização da pobreza, pessoas de baixo estrato social que são vulneráveis a serem criminalizadas". 


"A prisão é uma exclusão social".


"Demarca as pessoas desconstruindo a biografa de um sujeito para poder construir uma de criminoso. O sujeito assimila a etiqueta e assume o estigma. Isso é um tipo de violência intersubjetiva muito clara que todas as instituições fechadas produzem". 


"A função do hospício é produzir o louco, 
                                      a do hospital, o doente, 
                                  e das prisões, o criminoso".

Abaixo entrevista na íntegra:

 Nenhuma instituição echada jamais vai tero poder de ressocializar ninguém, até porque, se temque haver uma ressocialização é da própria sociedadeque produz os seus criminosos.
Segurança continua presa a mitos – Entrevista com Criminóloga Vera Regina Andrade



Desde o início do ano, o Ministério da Justiça está promovendo conferências em diversos locais do país para estimular o debate sobre a segurança. Em agosto, Brasília vai sediar a primeira Conferência Nacional de Segurança Pública, onde serão apresentados os resultados dos eventos anteriores. Vera Regina de Andrade*, uma das integrantes da comissão organizadora em Santa Catarina, conversou com o ZERO sobre os problemas do sistema penitenciário brasileiro e a falta de foco nas discussões sobre o tema.

ZERO - Hoje podemos verificar que o sistema penitenciário enfrenta diversos problemas. A conferência se preocupa em melhorar esta situação?

A conferência é um conjunto de promessas e eu acompanho bem criticamente esse processo. Participei desde o início, fiz parte da comissão de especialistas que discutiu a concepção da conferência e fiz muitas críticas ao encaminhamento à prisão. A concepção do sistema penitenciário é ultrapassada, ainda se baseia na ideia de que é possível ressocializar os presos. A ressocialização é um mito. Ela não é e nunca foi a função real da prisão, que é o controle de classes. Um lugar de produção dos criminosos, não de salvação. Nenhuma instituição fechada jamais vai ter o poder de ressocializar ninguém, até porque, se tem que haver uma ressocialização é da própria sociedade que produz os seus criminosos. O que precisamos fazer é garantir condições mínimas de aprisionamento.

Quais seriam estas condições?

Condições que respeitem os direitos humanos. Na verdade, a prisão não é apenas a privação da liberdade, mas de todos os outros direitos e necessidades reais, até a vida. Ela deveria assegurar garantias como saúde, educação e trabalho digno. Isso não é ressocialização. São direitos mínimos para uma pessoa que está privada apenas de liberdade. Como uma prisão vai preparar alguém para um mercado, onde há desemprego estrutural, o ensinando a tecer bolinhas? Isso não é formação, é laborterapia. Uma atividade para a pessoa conseguir suportar o tempo, o ócio, a dor da prisão.

E qual política seria ideal?

Definitivamente seria investir em menos prisões. Criar penas alternativas. Quem é que lota as prisões hoje? Mais de 70% são condenados por crimes patrimoniais – furto, roubo e tráfico. O que temos hoje é uma criminalização da pobreza, pessoas de baixo estrato social que são vulneráveis a serem criminalizadas. A prisão é uma exclusão social. Demarca as pessoas desconstruindo a biografia de um sujeito para poder construir uma de criminoso. O sujeito assimila a etiqueta e assume o estigma. Isso é um tipo de violência intersubjetiva muito clara que todas as instituições fechadas produzem. A função do hospício é produzir o louco, a do hospital, o doente, e das prisões, o criminoso. Nós temos que enfrentar decisivamente isso. Vamos continuar usando prisão e genocídio? Porque a prisão mata e isso tem que ser dito. Mais do que violar os direitos humanos, a prisão é uma forma de pena de morte indireta. Funcionam como extermínio puro.

Como se dá esse extermínio?

Entre presos, entre policiais e encarcerados, externos com presos e familiares de presos. As famílias
cumprem pena junto com eles. Elas sofrem perseguições, são violentadas, os amigos se afastam, perdem emprego e têm dificuldade para encontrar outro. Na periferia, a polícia entra e mata. Funciona na base do extermínio. Começamos matando os índios, depois os escravos, continuamos a matar na ditadura e hoje, na sociedade republicana, seguimos matando os presos e os potenciais presos. A prisão mata no Brasil e vemos isso com naturalidade, falando de ressocialização.
Os debates nem discutem as causas das mortes.

Quais penas alternativas seriam eficazes para reduzir estes problemas?

Prestação de serviços à comunidade, um trabalho real, dar assistência a instituições de caridade, a velhos, a asilos, a crianças. Oferecer uma formação. A prisão é seletiva e estruturalmente desigual. É preciso diminuir a prisão para crimes contra o patrimônio e descriminalizar qualquer produção e consumo de drogas definidas como ilegais. Deslocar isso para um controle sanitário, como é com o cigarro, álcool e fármacos.

Como a descriminalização das drogas poderia ajudar?

Ocorrem mais mortes com a criminalização. O tráfico produz um genocídio em massa. É uma forma genial dos Estados Unidos continuarem exercendo seu poder imperial, dar um uso para a indústria bélica ociosa após o fim da Guerra Fria. Uma indústria que não produz mais armamento para lutar contra o comunismo, mas produz o sistema penitenciário que é vendido para encarcerar os criminalizados pelo uso das drogas. Estes são os andinos, os latinos, os imigrantes. Ou seja, a criminalização tem uma funcionalização fantástica para o poder econômico global e sobretudo norteamericano. Além de fomentar o fantástico mercado informal que movimenta milhões de dólares. Então tem toda uma engenharia construída, um grande império em torno da criminalização das drogas. Isso está narrado em pesquisas muito boas que demonstram como a construção bélica do novo inimigo permite aos Estados Unidos satanizar a América Latina e manter um discurso de defesa das suas classes médias e altas, vitimizadas pelo tráfico cuja origem é nossa. A criminalização do tráfico é um problema político sério. Além disso, tem o terrorismo, que é o segundo grande inimigo externo. Falando em Estados Unidos, há debates no Brasil sobre a implantação de julgamentos através de videoconferência e utilização de pulseiras eletrônicas.

Como você encara essas iniciativas?

Julgamento feito à distância, vender pulseira, chip, monitorar presídios. Isso é o modelo norteamericano e faz parte da política criminal como espetáculo. A utilização da pulseira tem várias inconstitucionalidades. Ela é um artefato estigmatizante e a constituição diz que não teremos pena difamante. Eu considero a prisão difamante e cruel. A pulseira é uma pena e não adianta dizer que não é, que é apenas uma maneira de executá-la. Ela é uma pena duplicada e inconstitucional. A pessoa estará cumprindo a pena da prisão e a pena de andar livre. A segurança é um dos temas que mais vende no mundo. Por trás disso, há um mercado gigantesco de empresas privadas em que muita gente está ganhando dinheiro.


No Brasil, há poucos casos de privatizações no sistema penitenciário. Há uma justificativa?

A nossa tradição é diferente dos EUA. A prisão aqui é um elefante branco que assusta até o mercado. É um modelo que não vingou, os empresários veem mercados mais atraentes no país e acho isso muito bom que isso não tenha acontecido. O privado pode maquiar a violência do sistema penal. O poder punitivo é do Estado. A tese da privatização tem amplo respaldo popular, pois é vista como eficiente na execução da pena e como um antídoto do medo. Estes são dois apelos fortes para a legitimação do privado. Daqui a pouco o privado não estará apenas fornecendo marmita para os presos, vendendo pulseira e videoconferência. Eles começarão a aplicar pena. Nosso senso comum está refém das ilusões que nos são vendidas com facilidade e amplo apelo midiático

Na sua opinião, quais medidas imediatas devem ser tomadas para melhorar o sistema no país?

Sempre trabalho com três eixos: a radical legalização e descriminalização da produção, comercialização e uso de drogas; penas alternativas para crimes patrimoniais como furto e roubo; e controle rigoroso do aprisionamento provisório. O grande motivo da superpopulação dos presídios latino-americanos é o fenômeno do aprisionamento provisório. Santa Catarina segue esse padrão. O estado não tem defesa pública, a advocacia dativa não funciona e ninguém consegue fazer nada porque os burocratas não permitem. Se não mexermos nisso urgentemente, não teremos discussão nenhuma para fazer dentro do sistema penitenciário.

Thaís Goes – Jornal laboratório ZERO

* Vera Regina Pereira de Andrade, pós- Doutora em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de Buenos Aires, é professora do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC. Atua nas linhas de pesquisa de controle social, sistema penal, cidadania e direitos humanos. Também presta assessoria para o Ministério da Justiça em trabalhos relacionados à questão criminal.



12 comentários:

  1. Concordo com a idéia básica mas acho algumas afirmações exageradas, como por exemplo qdo fala em genocídio.

    Também não acho que produção e comercialização de drogas devam ser descriminalizados.

    mas no geral concordo com quase tudo.

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    1. Gustavo, agradeço-lhe pela participação!!!

      Mas, porque você não concorda com a fala de genocídio? Quais são os argumentos que tens em mente?

      Vamos ver o que os colegas tem também a dizer sobre estes posicionamentos da abordagem da criminologia crítica.

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    2. Me parece desproporcional comparar com as mortes de presos, que sabemos existir, com o que foi feito com "índios, depois os escravos, continuamos a matar na ditadura". Em todas as situações anteriores, eram ações arbitrárias, contra inocentes.
      O que acontece nas prisões me parece ser numa proporção bem menor.

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    3. Gostaria de retificar. Compreendendo melhor a posição da Profª Vera, concordo sim que a produção e comercialização de drogas sejam regulamentadas e descriminalizadas.

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  2. Eu concordo plenamente com a Prof.ª Vera R. P. de Andrade, o atual sistema penitenciário existente no Brasil está completamente falido, isto é público e notório. A função e o objetivo seriam de uma ressocialização do detento, mas não é isto que acontece, por que a prisão não é e nunca será o local para isso, pois a estrutura e o funcionamento em que o sistema se encontra, faz com que a criminalidade aumente, e o que é mais grave ainda, seja aperfeiçoada dentro dos próprios presídios. Estamos aumentando a produção de criminosos. Acredito que seja preciso uma grande reforma em todo o Sistema, começando pelo Direito Penal, passando pela estrutura física dos presídios, estudos e conferências para garantir as condições mínimas de aprisionamento. É preciso muita força de vontade do Estado para melhorarmos esta situação.

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  3. O comentário acima foi enviado pelo acadêmico do curso de Direito da Catolica SC, José Neto - 2ª fase

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Em partes, concordo com o dito pela Professora Vera.

    Primeiramente é evidente que as condições que o Sistema Penitenciário (em alguns casos) oferece aos detentos seja lamentável. Percebemos muitas vezes através de programas televisivos que as manifestações de melhorias e rebeliões giram na maioria das vezes em torno destas questões. É deprimente observar as condições oferecidas pelo Estado, que é quem deveria proteger a integridade e zelar por seus direitos, ‘pelo menos’ fundamentais.

    Ressalvo a opinião do colega Gustavo. Não há de se comparar a questão de mortes de presos em relação ao ocorrido com índios e escravos. Os tempos e a forma de governo mudaram e é em torno disso que devemos nos preocupar em solucionar neste momento.
    Achei exagerada a comparação que a Professora fez em relação à ‘produzir’ loucos, doentes e prisioneiros. Em relação aos familiares e demais pessoas próximas que sofrem perseguições, afastamento e violências, são consequências do ato cometido que o levou a cumprir a pena. Não se trata de sofrimento alheio sem justa causa.

    Descartar o Sistema Prisional e não investir em melhorias estruturais e medidas socioeducativas certamente acredito que não solucionaria o índice de criminalidade do País. É preciso limitar certas mordomias e oferecer aos detentos trabalhos comunitários a fim de contribuir com a sua socialização pós-condenatória.

    Gislaine Hanemann.
    Acadêmica do curso de Direito- 2a fase- Católica de Santa Catarina.

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  6. Boa tarde!!
    Concordo plenamente com a professora, e sugiro que ela leve alguns condenados que estão nos presídios para o conforto do seu lar, os trate como ela acredita que deva ser, caso ela sobreviva depois de tal ato, eu irei do mesmo modo seguir o exemplo da professora, e convidarei alguns condenados para residir em minha casa.

    Maria Bernadete B. Kreutzfeldt
    2a fase Direito

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    1. Ótimo Maria Bernadete, nada como um pouco de sarcasmo para animar o debate!

      Mas é isso? Apenas isso? E todos os outros argumentos?

      Alguém aí, se sentiu provocado?

      Na verdade o sarcasmo aqui é um pouco perigoso. A discussão pode descambar para argumentos cada vez mais passionais.

      Por exemplo, não eu, mas alguém pode querer sugerir que se a questão for resolvida em termos de "casa". Talvez seja um bom começo mesmo pensar em estratégias de políticas públicas para que estas pessoas possam ter uma casa por meio de projetos habitacionais sérios que colocassem fim à especulação imobiliária e resolvessem o grave déficit habitacional que empurra milhares de pessoas para os pinheirinhos da vida...

      Esse é só mais um ponto da discussão, mas pode ser que alguém se atreva a dizer algo assim....

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  7. A professora Vera expõe muitas ideias interessantes e válidas.
    É nítido que o sistema penitenciário em nosso país é precário e falho, por isso devemos acreditar sempre na melhor educação, e até possível ressocialização dos acusados, como fala a professora.
    Agir de maneira mais rígida com os detentos, ou até mesmo aplicar as penas alternativas poderiam ser uma boa opção, o trabalho em sociedade, a nova educação, tudo isso poderia contribuir para a melhoria se funcionasse da maneira esperada, o que não seria tarefa fácil diante de tanta corrupção e coisas erradas que vivemos em nosso meio.
    Não podemos ser tão otimistas em pensar que estas mudanças resolveriam os problemas por completo, quem sabe até trariam outros, mas em algum momento precisamos sim pensar em mudanças e na melhoria de nosso país como um todo.

    Priscila V. G. Furtado
    Acadêmica da 2º fase do Curso de Direito

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