quarta-feira, 3 de julho de 2013

A representação ambivalente da adolescência

Jeison Giovani Heiler[1]

            A classe média quer reduzir a idade penal porque acha que os meninos e meninos [da periferia] estão bastante crescidinhos para receberem uma punição severa. Mas acha que deve-se aumentar a idade para declaração do IR quando se trata da própria prole[2]. Assim, quando se trata dos filhos das periferias e classes subalternizadas o discurso é para reduzir a idade da infância e adolescência para 16, 14 a até 12 anos em alguns discursos. Por outro lado, quando se trata de declarar os dependentes para o imposto de renda, a classe média quer ampliar a idade para 28 anos.

            O adolescente em conflito com a lei carrega um estigma ambivalente. De um lado a  sociedade de forma geral parece querer prolongar indefinidamente sua adolescência, fenômeno identificável com as práticas consumistas e de fuga das responsabilidades da vida adulta[3]. De outro, sem a menor cerimônia, elege a figura do adolescente como responsável pela aumento dos índices de violência e sentimento de insegurança pública “(...) que resulta fixar uma imagem pública do delinquente com componentes de classe social, étnicos, etários, de gênero e estéticos[4].  

            No contexto das políticas públicas e do sistema socioeducativo esta visão estigmatizante acarreta em danos não somente ao adolescente:

Aqueles que entendem que punir é sinônimo de educar não hesitam em, rapidamente, atribuir ao adolescente, autor do ato infracional, a principal responsabilidade de toda a violência social instalada no cotidiano social (…) atribuir a um determinado segmento populacional a responsabilidade pela violência, cria no imaginário social a ideia de isenção da responsabilidade coletiva na busca de alternativas para uma situação já insustentável. (AGUINSKY & CAPITÂO, 2008, p. 261)

            No nosso entendimento este fenômeno social que está de acordo com o que diz Baratta (2004, p. 210) “Las clases subalternas son, en verdad, las seleccionadas negativamente por los mecanismos de criminalización”. O escoadouro deste estigma deságua nas propostas de redução da idade penal, possibilidade de internação compulsória, imposição de “toque de recolher” limitando a permanência do adolescente nas vias públicas em determinados horários e uma série de outras medidas que, na verdade, beiram à criminalização do ser[5] jovem. É o agigantamento do “Papai Noel”, para emprestar a lúdica metáfora de Andrade (2009, p. 51)

            Percebe-se, no mesmo passo, a algumas vezes identificável segregação ocorrida nas representações do adolescente em conflito com a lei. Assim, o bom jovem,  o adolescente, é este de que fala o ECA na perspectiva garantista. Aquele outro, o adolescente em conflito com a lei, é o menor delinquente, infrator, bandido em formação cujo júbilo deve ser abortado a qualquer custo. Ou, para utilizar-se da dicotomia antropológica bom selvagem X mau selvagem, este, é o jovem civilizado, educado e obediente. Aquele outro, é o mau selvagem, agressor, incorrigível e que precisa passar pelo processo civilizatório (socioeducativo?) mesmo que contra a sua vontade.

            Teria-se assim uma estigmatização ambivalente e uma avaliação dicotômica do adolescente. Esta avaliação pode ser captada, não sem alguma dificuldade, naquilo que LÉVI-STRAUSS[6] vai denominar modelos inconscientes da sociedade[7]. Identificável nas manchetes e páginas policiais de jornais e periódicos impressos ou eletrônicos com alguma frequência depara-se com a seguinte formulação jornalística: “Menor Mata/Esfaqueia/Rouba Adolescente[8].




[1] Especialista Direito Previdenciário, Mestrado Sociologia Política - UFSC, Doutorando em Ciência Política - UNICAMP, Professor Universitário - Catolica SC / Uniasselvi
[2] 71% aprovam o aumento do limite da idade dos dependentes econômicos que podem ser declarados no imposto de renda - Em enquete realizada pelo DataSenado e Agência Senado, entre os dias 1º e 16 de junho, maioria de internautas aprova a ampliação da idade dos dependentes econômicos que podem ser declarados no imposto de renda. O projeto (PLS 145/2008) é de autoria do ex-senador Neuto de Conto. A proposta altera o limite da idade do filho, filha, enteada, enteado, irmão, neto, bisneto, e menor pobre que podem ser declarados no imposto de renda. Caso a proposta seja aprovada, o limite passa a ser 28 anos. Hoje a idade máxima para ser considerado dependente para fins de imposto de renda é 21 anos. Na enquete, o internauta foi convidado a se posicionar sobre a seguinte pergunta: “Você é a favor ou contra ampliar de 21 para 28 anos a idade dos dependentes que podem ser declarados para dedução no Imposto de Renda (PLS 145/2008)”? No total, 1.649 internautas opinaram, sendo que 71% foram favoráveis à proposta, enquanto 29% opinaram de forma contrária ao assunto. Os resultados da enquete representam a opinião das pessoas que votaram, não sendo possível extrapolá-los para toda a população brasileira. Disponível em http://www.senado.gov.br/noticias/DataSenado/noticia.asp?not=95. Acesso em 03/07/2013.
[3] Tendência explorada com maestria pelas campanhas publicitárias, senão, delas resultado mesmo.
[4]  ZAFFARONI, E. R. et al., Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 46.
[5] O ser jovem é aqui abordado no seu sentido ontológico. Na verdade, nesse sentido, é que nos parece  apresentar-se esta ambivalência.
[6]  Obra citada na bibliografia.
[7]O estruturalismo antropológico desenvolvido por Lévi-Strauss considera, na análise dos diferentes modelos de sociedades, elementos conscientes e inconscientes. Estes últimos, de dificílima assimilação, seriam responsáveis por toda representação social desprovida de fundamentos conhecidos ou conscientes. (ASSIS & KUMPEL, 2011, p. 210)   Si existe un sistema consciente, éste solamente puede ser el resultado de una especie de “media dialéctica” entre una multiplicidad de sistemas inconscientes, cada uno de los cuales concierne a un aspecto o un nivel de la realidad social. (LÉVI-STRAUSS, 1995, p. 34)
[8]                Em rápida pesquisa: “Menor enfurecido mata adolescente com 13 facadas em praça pública” disponível em http://www.contilnet.com.br/ Conteudo.aspx?ConteudoID=11549. Acesso em 12/09/2011. “Menor mata adolescente com 2 facadas Disponível em portaldaclube.globo.com/noticia.php?hash...id=10525. Acesso em 12/09/2011. “CN - Menor de 11 anos mata adolescente de 15 em Matinha” Disponível em http://www.1cn.com.br/ApresentaSite.asp?o=100&t=848. Acesso em 12/09/2011.

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