quarta-feira, 18 de setembro de 2013

DEIXE SANGRAR: Em busca de uma política de drogas no Brasil.

"Viver é negócio muito perigoso.” [1] Iniciamos com esta frase pretendendo mostrar que a atual política de drogas no Brasil como a entendemos não deve ser de todo a mais adequada pelo distanciamento do homem pelo homem enquanto ser e sua complexidade. Não há razão[2] na procura de socorro em modelos repressivos incriminadores no tocante às drogas (ilícitas). A justificativa da política proibicionista, ou seja, a ideologia de Defesa Social é algo incoerente, é sem sentido o Estado dispensar aos envolvidos com entorpecentes tratamento penal com a execução de penas cada vez mais severas e depois querer uma sociedade mais segura.

A prisão em si é paradoxal, é uma estrutura corroída. Todo o sistema prisional, de saúde, ou de infraestrutura vai ser sempre uma medida paliativa. Nem nos EUA, nem na Inglaterra, nem na Holanda, em nenhum lugar o sistema repressivo funciona como se idealiza, senão, como todos sabem tem efeito inverso. (Valois).   

Se historicamente os modelos repressivos são caracterizados pela extensão do poder de punir por meio de políticas maximalistas, o processo de descriminalização faculta visualizar os primeiros passos à obstaculizar os nefastos efeitos decorrentes da expansão da punitividade.
Procurar responder problemas difíceis com respostas simplificadas, evidente, não é a melhor saída, porém, a facilidade de inserção do discurso repressivo das drogas no cotidiano, com o desenvolvimento de cultura beligerante - de combate às drogas - é resposta fácil, conveniente, cômoda para maior parte da sociedade, qual não é alcançada pelas agencias punitivas, e de fácil aprovação social, por ser intrínseca ao ser humano. Assim, no cálculo utilitário entre ônus e bônus, os direitos individuais são apresentados, conforme afirma Salo de Carvalho, como ordinária mercadoria de troca passível de limitação, de obstaculização ou restrição, por mais ilusório que seja o produto de contraprestação (segurança).   
Ao analisar as políticas de intolerância (ou tolerância zero) adotadas pelas obsessões legislativas em coibir o prazer excessivo dos outros, Hitchens ganha voz de Zizec, que percebe espectro rondando o mundo ocidental e se refere às campanhas contra o fumo: o espectro do cigarro. Observa a disseminação de áreas de “não-fumantes”, como busca do ideal ascético de pureza, abstinência e tédio, do qual o sacrifício de liberdades públicas parece ser o preço a ser pago pelo consumo pasteurizado de segurança.

Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães[3] . Uma das benesses do direito é a diversidade de correntes teóricas, que são de livre discussão, desta forma o que está em debate já não é mais discurso tendencioso de direita ou esquerda e sim a salvaguarda de vidas humanas, o documentário “quebrando o tabu” é exemplo disso, com o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, bem como, Jimmy Carter e Bill Clinton ex-presidentes dos Estados Unidos, entre outros, reconhecendo, que falharam em suas repressivas políticas de drogas, FHC observa que cada país deve independentemente discutir “quebrar o tabu” e encontrar seus próprios caminhos na sua política de drogas.
Contrapor os modelos tradicionais (de guerra) aos alternativos (pluralistas) desde o enfoque macrossociológico é o terreno investigativo arrimado pela Criminologia Critica. Para tanto, encontramos em Gilles Deleuze um modo figurativo de representar essa metamorfose de paradigma.

Parafraseando Deleuze quando entrevistado por sua ex-aluna Claire Parnet sobre a Gauche em seu abecedário: Poderíamos dizer: “a criminalização não tem nada a ver com defesa do bem social. Se me pedissem para definir o que é ser contrario à criminalização ou definir a descriminalização[4], eu o faria de duas formas. Primeiro, é uma questão de percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é ser pela criminalização? Ser favorável à criminalização é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio, depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e, assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer para que esta situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar e que é muita loucura. Como fazer para que isso dure? As pessoas pensam: ‘Os chineses estão longe, mas como fazer para que a Europa dure ainda mais?’ E ser desfavorável à criminalização é o contrário. É perceber... Dizem que os japoneses percebem assim. Não vêem como nós. Percebem de outra forma. Primeiro, eles percebem o contorno. Começam pelo mundo, depois, o continente... europeu, por exemplo... depois a França, até chegarmos à Rue de Bizerte e a mim. É um fenômeno de percepção. Primeiro, percebe-se o horizonte.”[5]

A transvaloração dos valores (Nietzsche) permite evidenciar que em matéria de drogas as proibições esforçam-se em ocultar o outro que desestabiliza. E para transcender a perversa moralização do cotidiano instituída pelo ideal de pureza abstêmia é necessário postura que permita a alteridade.
A fala do filosofo esloveno Zizek é trazida por Salo de Carvalho ao definir nova perspectiva moralizadora e antissecular, não seria fundamental à ordem de culpabilização demonizar “(...) o gozo excessivo e perigoso do outro, personificado no fato de acender ‘irresponsavelmente’ um cigarro e inalar com profundo prazer, em contraste com os yuppies cliptonistas que o fazem sem tragar (ou fazer sexo sem penetração ou comem sem gordura...)?[6]     

Para o Frances Gilles Deleuze:

“(...) Beber, se drogar são atitudes bem sacrificais. Oferece-se o corpo em sacrifício. Por quê? Porque há algo forte demais, que não se poderia suportar sem o álcool. A questão não é suportar o álcool, é, talvez, o que se acredita ver, sentir, pensar, e isso faz com que, para poder suportar, para poder controlar o que se acredita ver, sentir, pensar, se precise de uma ajuda: álcool, droga, etc. A fronteira é muito simples. Beber, se drogar, tudo isso parece tornar quase possível algo forte demais, mesmo se se deve pagar depois (...) percebe-se, cada vez mais, que quando se pensava que o álcool ou a droga eram necessários, eles não são necessários. Talvez se deva passar por isso, para perceber que tudo o que se pensou fazer graças a eles podia-se fazer sem eles. Admiro muito a maneira como Michaux diz: agora, tornou-se, tudo isso é... ele pára.(...)” 47



[1] Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas
[2] Em sentido oposto é apresentada a hipótese: é o de se pensar que essas campanhas para parar de consumir droga licita/ilicita reafirma o desejo… qualquer um que tenha lido Freud sabe que sem limite não há pecado…. E assim a roda gira, e os nefelibatas colocam combustível fossil na máquina, seja humano, seja da folha... (Alexandre Morais da Rosa).
 [3]  Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.
[4]  Importante não confundir descriminalização com “liberação”,  o Estado pode e deve regular espaços públicos aos usuários, bem como, políticas públicas de entorpecentes, nesse sentido, os limites do exercício do direito de consumir devem ser fixados pelo Estado. As fronteiras entre o que pode ser limitado encontra-se nos Direitos Fundamentais, dos quais a Liberdade é o pressuposto (Kant).  Discutir descriminalização não é correto, tem que se discutir por que se criminalizou.
[6] ZIZEC, O Espectro do Cigarro, p. 04, apud, CARVALHO, Salo de. A Politica..., p.303.

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