A reinvenção da vida. Sempre
Luciano Siqueira *
A amiga, a quem peço desculpas por ter esquecido o
aniversário e não a cumprimentei, garante: "Tem nada não, foi até melhor,
porque renasci mesmo foi no dia seguinte. Agora sou outra!"
Pode ser. Pois enquanto a data de nascimento que nos serve de referência para contar o tempo vivido não passa de uma convenção; o instante exato em que cada um de nós experimenta suas rupturas e ousa ir adiante, mudando o jeito de ser e de encarar a vida ao redor e renovando expectativas e sonhos, este não tem data pré-determinada. Sempre é dia. Ou, como escreveu o poeta Vinicius, "meu tempo é sempre".
Nós é que somos levados a crer que tudo deve se submeter a uma cronologia. Na infância, faz-se isso e aquilo. Na adolescência, faz-se muito, mas também não se faz por insegurança ou porque alguém adverte que ainda não é tempo. Na juventude, em tese faz-se o que bem desejar, mas não é bem assim: isto não é adequado para quem está prestes a iniciar a carreira profissional, aquilo não pega bem a um jovem tão promissor e assim por diante.
E quando nos chegam os cabelos grisalhos e a sequência de aniversários nos "enta", não falta quem nos advirta que não é hora de experimentar, essas coisas são para os jovens; ou é bom tomar cuidado, pois pode causar hipertensão, refluxo gastroesofágico, diabetes e sei lá o que mais.
Danado é quando você enfrenta uma escada e aparece logo quem lhe alerte que o batente é auto, melhor é esperar que consertem o elevador, não acha?
Outra: "gostei de ver sua agilidade! Quanta energia!" Mas o elogio logo se transmuda depreciativo com a pergunta "que tratamento você faz para manter assim a forma?"
Enfim, é a mania de enquadrar a vida no calendário. E de erguer barreiras reais e imaginárias que nada servem a não ser para inibir nossos melhores impulsos e tirar o encanto de viver, que é proporcional à capacidade de enfrentar novos desafios.
Por isso tanta gente talentosa se refugia no comodismo estéril.
No amor, então, prevalece a mesmice sobre a reinvenção. Pois amor de verdade não tolhe, estimula; não aprisiona, liberta.
(Sem pabulagem nem modéstia, aqui em casa jamais tivemos um ano igual ao anterior. Alimentamo-nos da descoberta, do desafio e da reinvenção.)
Mas essa coisa de amor, que move a Humanidade desde os seus primórdios, não é para medrosos nem para os acomodados. Sobretudo o amor a dois, que há de ser sempre livre, espontâneo, sem amarras nem dependências. Uma relação de iguais. Olhos nos olhos: eu te amo, tu me amas - então somos livres e felizes.
Quanta infelicidade causam a dependência afetiva (mais do que a material), o sentimento de posse de um sobre o outro, a necessidade de "proteção" e tutela, a entrega parcial e não plena...
Ora, a vida é uma sucessão de escolhas e rupturas. Bem fez a amiga aniversariante que não escolheu o dia convencional para se sentir outra e se viu envolta na penumbra deslumbrante do desejo, do sonho e da espera ansiosa do novo dia.
No filme "Vou contar para os meus filhos", há uma cena emocionante: ex-presas políticas, marcadas pelas dores da luta e da vida, dão-se as mãos e diante do mar azul contemplam a linha do horizonte. O tempo passou, a dor envelheceu - mas o sonho não acabou. Um gesto coletivo de esperança renovada, de rara beleza plástica, idealizado pela diretora Tuca, ela própria habituada a criar e a recriar a vida, a luta e amor. Sempre.
Bom que seja assim, como ensina a poeta Cecília: a vida que vale a pena ser vivida é a vida reinventada.
Pode ser. Pois enquanto a data de nascimento que nos serve de referência para contar o tempo vivido não passa de uma convenção; o instante exato em que cada um de nós experimenta suas rupturas e ousa ir adiante, mudando o jeito de ser e de encarar a vida ao redor e renovando expectativas e sonhos, este não tem data pré-determinada. Sempre é dia. Ou, como escreveu o poeta Vinicius, "meu tempo é sempre".
Nós é que somos levados a crer que tudo deve se submeter a uma cronologia. Na infância, faz-se isso e aquilo. Na adolescência, faz-se muito, mas também não se faz por insegurança ou porque alguém adverte que ainda não é tempo. Na juventude, em tese faz-se o que bem desejar, mas não é bem assim: isto não é adequado para quem está prestes a iniciar a carreira profissional, aquilo não pega bem a um jovem tão promissor e assim por diante.
E quando nos chegam os cabelos grisalhos e a sequência de aniversários nos "enta", não falta quem nos advirta que não é hora de experimentar, essas coisas são para os jovens; ou é bom tomar cuidado, pois pode causar hipertensão, refluxo gastroesofágico, diabetes e sei lá o que mais.
Danado é quando você enfrenta uma escada e aparece logo quem lhe alerte que o batente é auto, melhor é esperar que consertem o elevador, não acha?
Outra: "gostei de ver sua agilidade! Quanta energia!" Mas o elogio logo se transmuda depreciativo com a pergunta "que tratamento você faz para manter assim a forma?"
Enfim, é a mania de enquadrar a vida no calendário. E de erguer barreiras reais e imaginárias que nada servem a não ser para inibir nossos melhores impulsos e tirar o encanto de viver, que é proporcional à capacidade de enfrentar novos desafios.
Por isso tanta gente talentosa se refugia no comodismo estéril.
No amor, então, prevalece a mesmice sobre a reinvenção. Pois amor de verdade não tolhe, estimula; não aprisiona, liberta.
(Sem pabulagem nem modéstia, aqui em casa jamais tivemos um ano igual ao anterior. Alimentamo-nos da descoberta, do desafio e da reinvenção.)
Mas essa coisa de amor, que move a Humanidade desde os seus primórdios, não é para medrosos nem para os acomodados. Sobretudo o amor a dois, que há de ser sempre livre, espontâneo, sem amarras nem dependências. Uma relação de iguais. Olhos nos olhos: eu te amo, tu me amas - então somos livres e felizes.
Quanta infelicidade causam a dependência afetiva (mais do que a material), o sentimento de posse de um sobre o outro, a necessidade de "proteção" e tutela, a entrega parcial e não plena...
Ora, a vida é uma sucessão de escolhas e rupturas. Bem fez a amiga aniversariante que não escolheu o dia convencional para se sentir outra e se viu envolta na penumbra deslumbrante do desejo, do sonho e da espera ansiosa do novo dia.
No filme "Vou contar para os meus filhos", há uma cena emocionante: ex-presas políticas, marcadas pelas dores da luta e da vida, dão-se as mãos e diante do mar azul contemplam a linha do horizonte. O tempo passou, a dor envelheceu - mas o sonho não acabou. Um gesto coletivo de esperança renovada, de rara beleza plástica, idealizado pela diretora Tuca, ela própria habituada a criar e a recriar a vida, a luta e amor. Sempre.
Bom que seja assim, como ensina a poeta Cecília: a vida que vale a pena ser vivida é a vida reinventada.
* Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB
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