boto meu peito aberto
sobre a mesa
no escritório
e ponho-me sentado
a admira-lo
as veias e as nervaturas
o sangue, os ossos, a tecitura
o pulso, a carne e as curvaturas
há aquele órgão
inflama-se
ao som de Kafka
processos metamorfoses
rezo a reza
acendo a vela
desfaço terços e
desengulo comprimidos
que bebi na minha infância
há augúrios, presságios
que dançam no bico dos-urubus
que temem minha carne
e a candura de minhas tripas
que brotam no vão de minhas costelas
peço-lhes água
peço-lhes dias de glória
e eles cantam alto
o meu espanto
já disse antes
em outro lugar e
em outras mesas
sou feito de escombros
dos ajuntamentos de lixo
e escória dos dias passados
não sou flor-que-se-cheire
tenho espinhos e cactos
que crescem pra dentro
a via láctea não me define
não me ame muito, meu bem
só enquanto durarem os dias
porque acabarei felino
martelei nas jaulas do tempo
esse talento de ofender
profundo
os dias de minha história me absolvirão?
haverá destinos mal-traçados
e liberdades por descobrir
cabe saber, se sobrar espaço
Jeison G Heiler
Ilustração: Batata
Jeison G Heiler
Ilustração: Batata
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