sexta-feira, 9 de maio de 2014

Escombros

boto meu peito aberto
sobre a mesa
no escritório
e ponho-me sentado
a admira-lo
as veias e as nervaturas
o sangue, os ossos, a tecitura
o pulso, a carne e as curvaturas
há aquele órgão
inflama-se
ao som de Kafka
processos metamorfoses



rezo a reza
acendo a vela
desfaço terços e
desengulo comprimidos
que bebi na minha infância
há augúrios, presságios
que dançam no bico dos-urubus
que temem minha carne
e a candura de minhas tripas
que brotam no vão de minhas costelas

peço-lhes água
peço-lhes dias de glória
e eles cantam alto
o meu espanto


já disse antes
em outro lugar e
em outras mesas
sou feito de escombros
dos ajuntamentos de lixo
e escória dos dias passados

não sou flor-que-se-cheire
tenho espinhos e cactos
que crescem pra dentro
a via láctea não me define

não me ame muito, meu bem
só enquanto durarem os dias
porque acabarei felino
martelei nas jaulas do tempo
esse talento de ofender
profundo

os dias de minha história me absolvirão?
haverá destinos mal-traçados
e liberdades por descobrir
cabe saber, se sobrar espaço

Jeison G Heiler
Ilustração: Batata

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