domingo, 15 de março de 2015

Precisamos de heróis sem nenhum caráter?


Precisamos de heróis sem nenhum caráter?
Jeison Giovani Heiler[1]

O 15 de março pode ser uma data a ficar marcada na história do Brasil, assim como ficaram outros dias de março de 1964, marcados pelas marchas com Deus Pela Família e Liberdade em São Paulo e outras cidades do País. Além da euforia e uma certa histeria gerada pelos acontecimentos recentes, há uma série que questões que decorrem destas mobilizações: Que fatores levam a sua ocorrência? As motivações estão claras? E principalmente, quais podem ser as consequências destes atos políticos? Haverá um Impeachment? A intervenção militar? Uma guerra civil? E o congresso, será fechado? Este artigo refletirá sobre estas questões. A começar sobre os eventos que levam às mobilizações.

A eleição presidencial de 2014 afunilou-se em níveis de acirramento e polarização inéditos no Brasil. Este acirramento culmina com novas tecnologias que permitem o contato em rede e a disseminação de informação curta e instantânea. Contudo, tal acirramento não segue-se,  necessariamente, de uma politização ou aprofundamento de debate político. Para dizer de outra forma, não constitui-se naquilo que os filósofos políticos chamavam de esfera pública comunicativa. Como espaço de amplo e aprofundado debate político, salutar para as democracias. O alto nível de disputa observado na eleição presidencial de 2014 gerou táticas eleitorais presentes inclusive nos debates, repreendidas moralmente por parte da população. Logo depois de encerrada a apuração pode-se viver a ressaca advinda desse processo. Apenas uma semana depois do resultado das eleições, já no 1º de novembro, se organizaram os primeiros protestos pela deposição da presidente[2] (FOLHA SP- 01/11/2014).

É certo que a convocação dos protestos do dia 15 se fazem PRO-IMPEACHMENT. Porém, avaliando-se pelas redes sociais e pelo que se ouve nas ruas e publica-se na imprensa, não há exatamente uma clareza sobre quais sejam as pautas de reivindicação/insatisfação. Há uma série de discursos que revelam insatisfação com a corrupção, uma parte do coro pede a saída imediata do PT do governo, outros contentam-se com a queda da presidenta, e há ainda aqueles que pugnam pela reforma política. Os desdobramentos desta ampla pauta são inimagináveis, e não tem sido discutidos, quer me parecer, suficientemente. Se houver o Impeachment, qual seria a sua motivação jurídica? Quem assumiria o poder? Há muitos que reivindicam novas eleições sem imaginar que tal não ocorreria, e que, de acordo com a Constituição, quem assumiria seria o Vice-Presidente, ou no seu impedimento, o Presidente da Câmara.

Quanto as consequências, dos atos previstos a ocorrer no dia 15, estas são incertas. Dependerão em primeiro lugar da magnitude que assumirão. A futurologia é um exercício pouco recomendável para cientistas políticos. O que podemos fazer é prever, sob um horizonte ainda bastante nebuloso, é quais são os campos de possibilidades. Exercitarei duas as manifestações atingem seus objetivos mobilizando grandes contingentes de pessoas e a partir daí 1)pressionariam não somente o Planalto mas também o Congresso, o que poderia resultar numa mudança de posição dos partidos que sustentam o executivo. A começar pelo PMDB, que por ora, tem expressado rechaçar a idéia de impeachment. Entendendo-a descabida como manifestou o vice-presidente no dia 13 de março. (FOLHA DE SP- 13/03/2015).  Essa mudança de posição poderia abrir os flancos de defesa da Presidente no Congresso, o que a colocaria em péssimas condições políticas de sustentação; 2) os partidos da coalizão governista no congresso podem ter estímulos para continuar apoiando o executivo. Estímulos mais fortes que a mobilização popular, que a julgar pelos recentes acontecimentos de junho de 2013, poderiam se dissipar com a mesma velocidade em que se acumularam, tal como uma típica nuvem de verão.

Independentemente dos resultados, o certo é que a população brasileira ainda está aprendendo a viver sob um regime democrático, mal saídos que somos de uma ditadura que minou o exercício da cidadania por mais de 20 anos. O que é presente, é uma "Insatisfa mãe" para usar a expressão de Macunaíma, nosso herói sem nenhum caráter, com as instituições democráticas vigentes (Partidos, Congresso, Executivo, Judiciário).

Por fim, o cidadão brasileiro, tem dado mostras de não ser exatamente o "homem cordial" de que falou Sérgio Buarque de Holanda, no livro Raízes do Brasil,  mas, por outro lado, ainda está aprendendo a canalizar esta insatisfação. O que não podemos, em nenhuma hipótese, é esperar que desçam dos céus aqueles heróis que virão a salvar a pátria. Principalmente se foram heróis daquela categoria que tem pouco apreço pela democracia e pelas suas liberdades. A crise é uma crise da democracia, e somente segundo os métodos democráticos assegurados na constituição é que pode-se esperar que possamos ver-nos livres dela. Fora desta hipótese, todos os discursos estão naquele campo de idéias comuns a todos os regimes totalitários, e de cunho nazi-fascista.


Link para: Entrevista Rádio Jaraguá sobre Atos Impeachment



[1] Graduado em Direito (CATOLICA SC), Mestre em Sociologia Política (UFSC) e Doutorando em Ciência Política pela UNICAMP É autor de livro "Democracia o Jogo das incertezas" (2014)

[2] http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/30082-protesto-pede-impeachment-de-dilma

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