Como disse mais de uma vez nesta coluna, o capitalismo é uma ideologia "neutra" no sentido de que não se incomoda com nenhum modo de pensamento, desde que sua instrumentalização e/ou utilização possa gerar lucro. Os modelos de produção e oferta capitalistas estão nas igrejas, nas escolas, nos esportes "amadores", etc.
Na política, faz tempo que aportou. Os candidatos foram transformados em produtos muito bem desenhados por seus marqueteiros; eles são apresentados numa embalagem vendável e que o cidadão-consumidor pode comprar pagando com seu voto nas urnas; a publicidade nas campanhas muitas vezes é enganosa (e até abusiva), embora não se possa enquadrá-la nas regras do Código de Defesa do Consumidor; as campanhas geram produtos massificados de todos os tipos: camisetas, chaveiros, santinhos, brindes, comícios, etc.
E agora, o modelo capitalista chegou às manifestações de rua e aos pedidos deimpeachment. Não sei se é uma boa notícia ou não, mas o fato é que chegou. Na época em que as manifestações de rua pediram a saída do presidente Collor (1992), a produção capitalista em relação ao tema, apesar de existente, não estava exatamente no mercado. Os produtos e movimentos foram bancados por entidades tradicionais como a OAB, a CUT, a UNE, etc. Eram elas que encomendavam camisetas, faixas, etc. O mesmo se deu num movimento similar do "Fora FHC" (de 1998). (Por falar em FHC, veja-se o poder do mercado e das redes sociais típicas: há alguns dias o ex-presidente Fernando Henrique brincou nas redes com um meme de si mesmo, na qual aparecia sorrindo, segurando uma nota de R$2,00 e um cartaz escrito "Foi FHC"1).
Como eu disse, o impeachment virou produto de consumo. Em lojas virtuais e físicas é possível comprar uma série de produtos de linha intitulada "anti-Dilma" ou "Anti-PT". A loja virtual "Prol Art"2, por exemplo, oferece camisetas, bonés, chapéus, moletons e canecas. E deixa claro que os produtos são de qualidade para resistir, digamos, aos esforços de usá-los numa passeata: "Camisetas 100% algodão evita o mau cheiro causado pelo suor devido a composição em outros tipos de tecidos, nossa malha é penteada e o fio de sua trama é o 30.1 é o melhor tipo de tecido existente hoje no ramo têxtil no Brasil"3. Uma camiseta custa R$50,00 e é oferecida em várias cores e tamanhos.
Mas, há produtos mais sofisticados. A grife Sergio K., com lojas em shoppings da capital de São Paulo e também em Campinas, Brasília e Belo Horizonte vende uma camiseta com a frase "Eu não tenho culpa. Votei no Aécio", que custa R$100,004.
Alguém poderia perguntar: é isso mesmo? O capitalismo está dando sua força? Mas, teríamos de reperguntar: força para quem?
Na realidade, penso que, o modelo capitalista está colocado à disposição de qualquer pessoa que dele queira se utilizar. Tanto faz o que a pessoa pense ou qual sua posição ideológica, nem se é a favor ou contra o governo de plantão ou passado. O que importa é produzir, oferecer, vender e faturar. Se os políticos caem, sobem, mudam, renunciam, etc. Não é relevante, desde que, claro, o regime econômico (capitalista) permaneça.
Meu caro, leitor, a realidade anda bastante confusa, com tudo o que está acontecendo no Brasil, com as denúncias de corrupção, a crise política, a estagnação da economia, a violência urbana endêmica, etc. E, ao que parece, a população encontra-se aturdida. Alguns pedem a volta da ditadura.
Ainda não vi escrito em camisetas. Será que há no mercado?
Para responder a pergunta, fiz uma busca na internet e o mais próximo que encontrei, foram camisetas do pessoal da "direita", como se intitulam5. E que, apesar de dizerem que não conhecem a ditadura militar brasileira, vendem camisetas com a seguinte estampa: "Vivemos uma ditadura de esquerda".
Os proprietários dizem que não sabem nada da ditadura brasileira: "Não tenho muito conhecimento, na verdade, de ditadura militar. Talvez tenha que perguntar para alguém que estudou história"6. Mas, confessam que o que importa mesmo é faturar: "Antes de tudo, a gente quer é vender. Vai ter racista usando a nossa camiseta, homofóbicos e defensores da ditadura militar. Não quer dizer que acreditamos nisso. A palavra que nos norteia é a liberdade. Mas não podemos controlar quem compra os nossos produtos"7.
Mas, então, com as manifestações pelas redes sociais, muita coisa vira moda. Será que pedir a ditadura é uma nova moda? Por que algumas pessoas pedem a volta da ditadura?
Meu amigo Outrem Ego arriscou uma resposta, que eu gostaria de partilhar: "Alguns brasileiros pedem a ditadura", disse ele, "por que não sabem bem o que fazer. Estão desacorçoados com tanta corrupção e bandalheira, com tanta miséria, a violência, os problemas urbanos, a falta de saúde, etc. Ora, quanto não se poderia fazer de bom, se não houvesse desvios dos recursos públicos. Não sabemos como agir. Nem temos tradição em nos organizar. Resta-nos as eleições, mas nesta dá tudo no mesmo: a democracia brasileira está engessada; as eleições são obrigatórias; os candidatos são definidos pelos partidos que, por sua vez, são financiados pelos caixas dois, etc., num círculo vicioso sem fim. Daí, sem esperança, alguns pedem ditadura e outros suplicam para que surja um salvador da pátria que faça por eles o que eles não sabem fazer".
Bem. Depois de ouvi-lo e, claro, rechaçar a ideia de ditadura, fui obrigado a lembra-lo que nosso último salvador da pátria foi retirado do poder num processo deimpeachment em 1992!
Fonte: http://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/173643626/o-impeachment-como-produto-de-consumo-por-rizzatto-nunes?utm_campaign=newsletter-daily_20150313_868&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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