sexta-feira, 22 de maio de 2015

Reforma Política: Cunha vs Nicolau e Limongi

Com pouco mais de cem dias no cargo, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), promete votar já na próxima semana a reforma política. Promessa ousada, dado o acúmulo de fracassos de lideranças que o antecederam. Mas Eduardo Cunha avança na política nacional com gestos calculados e um conhecimento ímpar do mercado eleitoral e dos interesses de seus pares.
Sob pressão de um debate público que trata a reforma política como saneadora dos costumes nacionais, Cunha abraçou um modelo de sistema eleitoral simples de explicar, mas eivado de incertezas sobre os resultados que provocaria na vida política do país.
O modelo pemedebista do distritão confronta as preferências dos dois principais polos da política nacional: o PSDB (distrital misto) e o PT (proporcional de lista fechada). A regra proposta subverte o voto proporcional em vigor no país há 70 anos. Enfrenta ampla resistência dos cientistas políticos que veem na proposta a exacerbação do individualismo e uma afronta aos valores reclamados pelas ruas desde junho de 2013.
Dois deles, o professor da Universidade de São Paulo Fernando Limongi e o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jairo Nicolau participaram, na segunda-feira, de uma mesa de debates sobre o tema no gabinete do presidente da Câmara dos Deputados a convite do Valor, que também contou com a presença dos jornalistas Rosângela Bittar e Robinson Borges.
Em um debate de duas horas, o presidente da Câmara deixou clara sua opção pelo financiamento privado e pôs em dúvida a já formada maioria no Supremo Tribunal Federal pelo fim das doações empresariais. Também se diz favorável à coincidência de todos os mandatos e ao fim da reeleição, ainda que não deixe claro se rejeitaria mudança de regras permitindo sua recondução à presidência da Câmara.
A disposição de levar uma proposta que está longe do consenso à votação no plenário é explicada pela determinação de marcar sua passagem pela presidência com uma reforma política. Ainda que os partidos não estejam unificados no tema, o embate que se aproxima no plenário da Câmara é a primeira medição da força do PMDB no rearranjo político de 2018. A seguir, trechos do debate:
Valor: Por que a política brasileira precisa ser reformada?
Eduardo Cunha: À parte de eu achar ou não que está ruim, todo mundo diz que precisa fazer reforma. A presidente da República, nas manifestações de junho, mandou proposta pra cá pra fazer plebiscito, todo mundo na campanha eleitoral pediu e o primeiro discurso dela depois de ganhar a eleição foi pedindo reforma política. Todo mundo pede como se fosse resolver todos os problemas. Se é essa a visão, então vamos enfrentar esse problema. O segundo motivo é que acho, de fato, que precisa mudar. Ouço muita gente falando 'ah, porque o distritão só tem em dois países fora o Brasil'. Então me diz onde é que tem o modelo que a gente tem hoje. Não conheço lugar algum. É um modelo tão esdrúxulo que você faz a eleição para votar num candidato e, ao mesmo tempo, elege um partido. Não é escolher um partido para votar num candidato. É o inverso. Não tem nada pior do que o modelo que nós temos, porque, se tenho votos, me elejo e carrego quem o eleitor não quer que se eleja. Vota no A e elege o B. O cara vota no Maguila e elege a Ana Botafogo. Ou você vota na ideologia do partido e o voto é partidário ou então você vota no candidato. O que não pode é o eleitor ser enganado. E o sistema de hoje engana o eleitor. Em segundo lugar, é o modelo de eleição mais caro que se tem.
Fernando Limongi: Com base em que o senhor chega à conclusão de que esse é o modelo mais caro?
Cunha: A gente passa a maior parte do tempo fazendo nominatas [lista de candidatos de uma coligação proporcional] para ter condição de ter voto de legenda. É uma situação muito esdrúxula. Eu, por exemplo, fiz mais votos que a média da legenda. Provavelmente ajudei a eleger algum outro deputado, mas fui eleito com ajuda de votos de nominata. Já vivi os dois lados. Você faz o sujeito que trabalha na máquina do partido sair candidato para fazer 2 mil votos. Faz o vereador sair candidato para fazer 3 mil votos para ele dobrar com você e lhe dar os votos dele. É assim que tem sido a política.
Limongi: Mas essa nominata não pode ser um jeito de baratear a campanha?
Cunha: Não, é o contrário. Encarece porque só o atraio para a nominata se eu ajudar a patrocinar a campanha dele.
Limongi: Se não tiver o cara da nominata vai ser o senhor mesmo que vai ter que ir fazer a campanha lá na comunidade dele.
Cunha: Se sou um deputado do Rio de Janeiro de 70 mil votos, estou eleito no PMDB com a nominata ou no distritão de qualquer jeito. Agora, se o partido não tiver esses caras para fazer a nominata, e nós sabemos quanto custa trazer esses caras, eu não vou me eleger com 70 mil votos. Pelo distritão me elejo.
Limongi: É um raciocínio para melhorar a vida dos políticos, não necessariamente a do cidadão e da democracia.
Cunha: Mas no que é que essas nominatas beneficiam o cidadão? Ele escolhe o A e acaba elegendo o B. É um modelo que forja candidaturas que não existem simplesmente para que eu possa me eleger.
Limongi: Depende de como as coisas acontecem na prática. Você pode ter tanto um excesso de candidatos quanto um número inferior de candidatos.
Cunha: Um exemplo: o PMDB do Rio tem oito deputados federais. Um candidato que tenha pouco voto e queira se eleger não vem para o PMDB nem que a vaca tussa. Ele quer ir para um partido menor fazer uma nominata em que, com 40 mil votos, possa se eleger.
Limongi: O argumento do distritão é que é um sistema contra Tiriricas, mas que tipo de candidato um sistema como o distritão vai estimular?
Cunha: O Tiririca vai ser eleito, mas não vai carregar mais ninguém.
Limongi: Vai encher de Tiririca na Câmara.
Cunha: Pode ter dez, qual é o problema?
Limongi: Vão ser 513 Tiriricas deputados.
Cunha: Eu tive mais voto que o Romário na eleição passada. O Romário, quando foi candidato como celebridade, teve menos voto que a maioria dos deputados e virou senador quando deixou de ser celebridade e virou político. Há uma evolução muito grande nesse processo. É bom acontecer uma ou duas vezes porque o eleitor aprende a votar sempre. Ele vai consertando seu voto. Ele elege na política hoje. A gente não deve acreditar que o cara que aparece na televisão está eleito. O Stepan Nercessian, por exemplo, não voltou, mesmo fazendo novela de ponta. Já mudou muito isso. Já foi.
É um raciocínio para melhorar a vida dos políticos, não necessariamente a vida do cidadão e da democracia. [Fernando Limongi]
Valor: O senhor não acha que se corre o risco de as bancadas das igrejas, das celebridades e dos radialistas ficarem mais importantes do que as dos partidos?
Cunha: Mas isso já existe hoje. A Igreja Universal passou muito tempo botando um deputado em cada partido e filiava sem dizer que era da igreja. Depois que se pegava a nominata, aparecia pastor fulano de tal. Até que as pessoas descobriram e não deram mais legenda. Muitos deles se elegeram em partidos diferenciados até que fizeram um partido.
Jairo Nicolau: Tive a oportunidade de olhar a votação dos deputados do PMDB do Rio e, dos 32 candidatos nesta última eleição, 16 foram realmente competitivos, ficaram acima de 10 mil votos.
Cunha: Você acha que 10 mil votos é competitivo para o PMDB do Rio? Tem que fazer um corte com 30 mil.
Nicolau: Que fossem 30 mil, ficariam seis ou oito candidatos competindo. Sempre ouço dos políticos o argumento de que temos candidatos demais, que a nominata é um grande problema, mas quando a gente analisa os dados de financiamento de campanha vemos que 20% dos candidatos tiveram 80% das doações e 80% dos votos. É realmente um problema o sujeito que é lá de uma farmácia do interior, que é um cabo eleitoral, um candidato a prefeito derrotado, ter a missão de participar de uma chapa? Os partidos já não concentram recursos? Se a gente observar, por exemplo, o tempo de televisão no Rio, vi que não eram esses 32 que apareciam. Apareciam mais o senhor, o Pedro Paulo, o Leonardo Picciani. A campanha já é concentrada. Os recursos já são concentrados.
Cunha: Isso é normal. Na televisão a gente concentra nos puxadores.
Nicolau: No fundo, a gente já tem uma prática e uma alta concentração que lembra um pouco esse modelo que o senhor desenhou para o distritão, não?
Cunha: Quase. O problema é que tem o cara da farmácia que quer disputar e aquele que teve que ser obrigado a sair candidato.
Nicolau: Mas por quê?
Cunha: Porque senão não tem nominata nem legenda.
Nicolau: Por que não concentra recursos nos nomes mais fortes?
Cunha: Quando você divide o Rio de Janeiro, a Região Metropolitana, incluindo cidade do Rio, Baixada, São Gonçalo e Niterói, concentra de 80 a 85% do eleitorado. Eu, por exemplo, fui majoritário em Belford Roxo, onde um deputado estadual que foi candidato a prefeito, derrotado, foi o mais votado de lá e me puxou. Fiz 25 mil votos lá. Fui para Itaboraí, onde o prefeito me apoiava, e fiz 19 mil votos. Enfrentei um, que se elegeu também, que era o ex-adversário do prefeito. A gente mapeia os municípios e monta a estratégia. Lancei candidatos a deputado estadual sabendo que não iam se eleger para puxar votos pra mim. Da mesma forma um estadual lança um federal num lugar onde precisa de voto para puxar pra ele. A gente cansa de fazer esse jogo cruzado para poder carrear voto.
Nicolau: Uma boa parte da argumentação dos defensores do distritão é que ele facilita a sua vida. Não estou dizendo que é o argumento do senhor, mas já participei de debates com alguns políticos e não vejo razão, que vou chamar de republicana, para defender esse sistema.
Cunha: Vou baratear a campanha com o distritão. Não terei que financiar um monte de candidatura.
Limongi: Isso é uma suposição.
Cunha: Não, é a experiência de quem disputou várias eleições.
Limongi: É uma experiência que está baseada numa realidade e numa idealização do que vai ser o distritão.
Cunha: Eu vivo o mundo real da eleição. Vocês estão debatendo a teoria.
Limongi: Não, o senhor é que está debatendo com uma teoria do que vai ser o distritão. O senhor não sabe como vai ser.
Cunha: Isso é uma coisa que a gente só pode analisar depois. Eu sei como é que funciona hoje.
Limongi: Como é que sabemos que depois do distritão a campanha vai ficar mais barata? Pode ficar mais cara.
Cunha: Não tenho dúvida de que vai ficar mais barata.
Limongi: Posso apostar que vai ficar mais cara.
Cunha: Sabe por que vai ficar mais barata? Porque haverá menos candidatos.
Limongi: Isso se o senhor controlar o partido.
Cunha: Não, é a coisa mais natural. Vou ter menos adversários para disputar o voto comigo.
Limongi: Então o que os senhores querem é diminuir a competição.
Cunha: Uma coisa é a competição de quem tem chance de se eleger. Outra coisa é a competição que está a serviço apenas de fazer a nominata na legenda. Tem o cara que se lança para negociar. O cara é de lá, mora lá, dorme lá, acorda lá, come lá, não sai de lá. Se não negociar, ele não tira a candidatura e os votos vão para a legenda do partido dele, que não tem a menor condição de se eleger.
Limongi: Ele não tem direito de se candidatar?
Cunha: Não estou dizendo isso, mas no modelo do distritão ele não se candidata.
Limongi: Essa é sua expectativa.
Ruy Baron / Valor
Eduardo Cunha (centro), Fernando Limongi (à esq.) e Jairo Nicolau, durante mesa-redonda sobre reforma política realizada na Câmara
Valor: Ele não pode ser representante de uma minoria?
Cunha: Esquece. O representante de uma minoria acaba encontrando seu espaço. A minoria tem voto para escolher seu representante. Se você tiver 200 candidatos LGBT, não vai eleger nenhum, mas se tiver 2 ou 3 vai eleger. Você não acaba com a minoria num sistema representativo em nenhuma circunstância. Nem no voto atual nem no distritão. Talvez na lista, se o partido não botar na lista. É a única forma de acabar com a minoria, pelo caciquismo.
Limongi: O senhor disse que nós estudamos e não sabemos o que é a realidade.
Cunha: O mundo real é diferente. Quem busca o voto, financia a campanha, monta a nominata e discute a legenda somos nós.
Limongi: Quando começaram as eleições no século XIX, todas as eleições eram pelo distritão. E aí se descobriu que muitos votos eram jogados fora. Os votos em excesso dados ao senhor serão jogados fora.
Cunha: Não serão jogados fora.
Limongi: Serão, porque não serão transferidos.
Cunha: O sujeito que votar em mim quer eleger o Jean Wyllis? O sujeito que votar em Jean Wyllis quer me eleger? Não.
Limongi: Mas o Jean Wyllis é da sua coligação?
Cunha: Maneira de dizer.
Limongi: O problema é como se monta a coligação, é uma inconsistência sua e não do eleitor.
Cunha: Não é minha, não. No PMDB tem gente com tudo o que é maneira de pensar. Tem o cara que é evangélico, que é católico, que é espírita, que é negro, que é branco, que é homossexual, tem tudo.
Limongi: Para o eleitor, transferir voto dentro do partido não é problema. Melhor do que jogar fora. Quem está no PMDB tem alguma afinidade. Com o distritão, se eu votar em excesso no senhor, aí, sim, posso estar elegendo o Jean Willys.
Cunha: Ninguém senta para fazer coligação procurando quem pensa parecido com você. Você senta para fazer uma coligação pensando em quantos votos o partido tem, quais os candidatos viáveis tem lá que vão tirar votos seus, como é que faço para preservar minhas vagas. É assim que se senta para discutir. Quando você chega para os deputados do seu partido para falar que aceita a coligação com outro partido, eles dizem: "Ah, mas nesse partido tem fulano de tal, que vai querer tomar minha vaga. Ele tem mais voto que eu". Estou colocando no debate um aprimoramento do distritão, o de que a suplência devia ser do partido.
Nicolau: Mas isso viola completamente a representação. O senhor está introduzindo a noção de lista, porque o suplente do PMDB pode ter tido 5 mil votos e o primeiro suplente agregado pode precisar de 20 mil votos. O eleitor vai se sentir lesado.
Cunha: Quando ele vota em mim, ele sabe que sou do PMDB.
Limongi: Mas o senhor tinha dito que não, que o sistema não abrigava essa afinidade.
Nicolau: O senhor está extrapolando o princípio do distritão.
Cunha: É uma evolução do processo. Se coloco a fidelidade partidária, é para garantir que, uma vez candidato por um partido, é esse partido que ele e o suplente vão defender.
Limongi: Mas aí não é o mais votado que assume.
Cunha: Os mais votados estão eleitos. Quem não se elegeu é suplente.
Limongi: Com essa regra de suplência o senhor está introduzindo o princípio da transferência e ferindo a lógica de sua proposta.
Cunha: Estou querendo contrapor o discurso que vocês querem colocar de que o distritão enfraquece o partido. Exercer um mandato pelo PMDB é uma coisa, por um partidinho pequeno é outra. Não tenho vaga em comissão, não tenho presidência de comissão, não tenho condições de ascender à mesa nem de ter tempo de plenário para falar. Aqui na Casa, o partido pequeno só tem vez quando nós, os grandes, abrimos espaço para ele. Se não tem, não faz nada.
O mundo real é diferente. Quem busca voto, financia campanha e monta nominata de candidatos somos nós. [Eduardo Cunha]
Valor: O senhor disse que não enfraquece, mas como um partido forte, grande, dividido em tendências pode ser afetado pelo distritão? Falo do PT.
Cunha: Depende dele e dos candidatos que ele lance. O problema é que o PT tem histórico de fazer campanha de partido, não de candidato. E é o único que se beneficia do processo de lista porque é o único que faz campanha partidária. Essa é a diferença que nós temos. O PT se beneficiaria muito.
Limongi: Eu queria retomar...
Cunha: Estou provocando porque sei que vocês são contra.
Nicolau: Visceralmente contra.
Limongi: E o senhor deveria ser contra também. O senhor não está se dando conta do que isso pode virar.
Cunha: Fui convencido a aderir. Eu era contra.
Valor: Por quem?
Limongi: Pelo [Michel] Temer?
Cunha: Pelo Temer, mas também pela vida real.
Nicolau: Só para esclarecer ao senhor, o sistema proporcional de lista aberta do Brasil é usado em 13 países.
Cunha: Lista aberta com nominata?
Nicolau: Sim, em 13 países. Estão aqui [mostra a página do seu livro "Sistemas Eleitorais", Editora FGV, 2012].
Limongi: E em alguns onde neva, como a Finlândia.
Cunha: Não sabia, estou sabendo agora.
Limongi: É bom saber as coisas.
Cunha: Então tem mais gente errando com a gente. O Brasil não está errando sozinho.
Nicolau: Neste ano faz 70 anos que o Brasil introduziu a representação proporcional com esse modelo. Foi uma ideia do Agamenon [Magalhães, interventor em Pernambuco e ministro da Justiça do Estado Novo] em 1945.
Cunha: Nem sei se tem número para aprovar o distritão, mas, se não aprovar o distritão, não precisa nem se preocupar, porque não aprova outro.
Limongi: Com certeza vai ter destaque para votação em separado.
Cunha: Vou fazer questão de destaque. Aqui não vai ter nenhuma jogada para aprovar modelo A ou B. Aqui vai ser voto mesmo.
Limongi: Vai ter que ter três quintos. O senhor pode votar em bloco e não fazer o destaque.
Cunha: Não vamos fazer isso, não. Vamos votar artigo por artigo.
Nicolau: Queria voltar aqui ao sistema proporcional, que passou por duas constituintes, a de 1946 e a de 1988, o regime militar não mexeu na representação proporcional, todas as legislaturas desta Casa foram eleitas por esse sistema.
Cunha: Não sei quantos anos a gente ficou com a escravidão, mas tudo tem seu tempo.
Nicolau: Há uma tradição que não se pode jogar fora. A gente tem que colocar na conta da representação proporcional a competitividade dos partidos da República de 1946, a ascensão do MDB.
Cunha: Tudo o que existe hoje aí é uma costela do MDB, direta ou indiretamente. O PSDB é costela do PMDB, o PT é costela do PMDB, tudo é costela.
Nicolau: A ênfase de nossa campanha é tão grande nos nomes, como o senhor tem ressaltado, que nós perdemos a dimensão da importância do sistema. Não vejo problema em montar os nomes de uma nominata, se você está trazendo pessoas de diferentes áreas de um mesmo Estado. Não vejo problema votar num candidato e eleger outro que seja do mesmo partido, mas o eleitor não é esclarecido a respeito disso. O eleitor tem que saber que aquilo é uma chapa, que estamos num sistema proporcional. Isso tem uma beleza em termos de representação de forças minoritárias. O senhor mesmo disse que já se beneficiou em eleições anteriores da transferência de votos e hoje ajudou a eleger outros...
Cunha: Tirando a eleição em que fui suplente, em todas as outras vezes eu teria sido eleito pelo distritão, sem exceção.
Nicolau: O Jean Wyllis se elegeu por 13 mil votos na última eleição e nesta se tornou um deputado muito bem votado.
Cunha: Porque quando ele se elegeu com 13 mil votos ele não representava minoria. Ele veio na celebridade e pegou uma carona partidária. Depois virou candidato de um segmento e teve o voto de um segmento. Saiu da celebridade e foi para a política.
Valor: O distritão não pode causar um desequilíbrio demográfico na representação?
Cunha: Por quê?
Valor: Pelo peso das grandes cidades.
Cunha: E hoje não provoca? Por acaso alguém aboliu o resultado de voto para se eleger? Você já viu as simulações do distritão?
Limongi: Mas essa simulação não vale, deputado.
Cunha: Por quê?
Ruy Baron/Valor
Limongi: Porque vai mudar a estratégia. Não vai continuar tudo como está. Mas eu queria voltar à colocação histórica do Jairo [Nicolau], porque nós tivemos, por cem anos no Brasil, de 1824 até 1934, um sistema majoritário para eleição de deputado. Quando nós mudamos o modelo para proporcional é que as eleições passaram a ser competitivas.
Cunha: Você defende o modelo atual.
Limongi: Sim, defendo o modelo atual, sem coligação nas proporcionais, mas vamos ao próximo tema, o custo de campanha.
Cunha: Está ligado diretamente ao tamanho da campanha. Quando tenho uma campanha de 90 dias no primeiro turno e três semanas no segundo turno, e vejo um João Santana custando R$ 78 milhões para fazer um programa de televisão, aí fica caro. Mas quando diminuo uma campanha de 90 para 30 dias e proíbo trucagens, efeitos especiais e coloco o cara falando como eu estou falando para vocês aqui e agora e, além disso, proíbo placa, isso já barateia muito a campanha.
Limongi: Mas se vamos restringir a campanha...
Cunha: Não é restringir a campanha.
Limongi: Sim, se não pode ter placa, como é que o cidadão vai conhecer seu candidato?
Cunha: Não posso deixar que o poder econômico domine a eleição, sem que se contratem 200 mil cabos eleitorais para inundar uma cidade inteira de placas. Custa 30% da campanha.
Valor: Se você não pode gastar para se tornar conhecido, o sistema não passa automaticamente a ser dominado por quem já é conhecido?
Cunha: Não necessariamente. Uma vez fui ao Rio Grande do Norte e apareceu uma deputada estadual [Amanda Gurgel (PSTU)] e me contaram a história dela. Era uma professora que apareceu na internet defendendo uma tese qualquer que virou bomba e foi a mais votada.
Valor: Entre a primeira e a segunda eleição de Fernando Henrique se diminuiu o tempo de campanha.
Cunha: Não teve diminuição.
Nicolau: Sim, o horário eleitoral diminuiu de 60 para 45 dias.
Cunha: Mas estou falando de campanha e a campanha de 90 dias tem custo.
Limongi: Mas o grande custo não é a TV?
Cunha: Para candidato majoritário, sim, mas para candidato proporcional, não.
Limongi: E qual é o grande custo da proporcional?
Cunha: O tempo de campanha. Não faço campanha sem material, sem gente pra trabalhar e sem estrutura. O que faz o sujeito que é profissional? Começa, vai mediano para chegar ao fim acelerado. Tenho que começar, não posso deixar aquele espaço vazio. Mas não posso fazer 90 dias de campanha.
A reforma pode produzir um paradoxo se diminuir o dinheiro nas campanhas. O maior favorecido será o governo. [Limongi]
Valor: Mas o grande custo não é a TV?
Cunha: O partido paga a TV. A TV de deputado é o partido falando na Câmara. Nenhum deputado gasta um centavo com TV.
Limongi: Uma campanha com menos tempo é pior para o eleitor escolher.
Cunha: Não é pior para o eleitor. O eleitor se decide no seu tempo. Quem está em campanha somos nós. O eleitor não está prestando atenção em campanha. Ele começa a prestar atenção na primeira semana porque fica irritado de você ter tirado o programa dele. Aí desliga a televisão e vai ligar na última semana para decidir quem vai escolher. O processo de definição do voto do eleitor é na última semana. O cara que diz "se tivesse mais uma semana de campanha eu ganhava a eleição" mente. Se tivesse mais uma semana, o eleitor adiaria uma semana o processo de escolha do candidato. Tenho certeza de que 60% dos meus votos eu obtive nos últimos dez dias. É melhor alugar um helicóptero e ir a dez lugares de uma vez só do que ficar 90 dias andando de carro para tudo que é lugar. E acabo gastando a mesma coisa.
Nicolau: O senhor sugere uma redução no tempo de campanha?
Cunha: E também restringir a televisão apenas para o candidato falar e o volume de material na rua, porque hoje a internet propaga e divulga você muito melhor do que a rua. A placa custa de R$ 80 a R$ 100. O cara, para ficar um dia tomando conta da placa, vai me custar R$ 100. Às vezes é melhor deixar a placa para a Justiça apreender. Se ela durar três dias já compensa.
Limongi: De onde podem vir os recursos para financiar os...
Cunha: Eu sou favorável a ter financiamento privado com a limitação de que quem contrata com a administração pública não possa participar. Essa é minha tese.
Nicolau: O senhor apoia a doação de pessoa jurídica como está no projeto, só para um partido?
Cunha: Não, isso foi uma tese colocada no momento até pelo Michel Temer, não como tese de preferência, mas como tese mais para rebater a inconstitucionalidade que está sendo debatida no Supremo. A tese do Supremo da inconstitucionalidade é que empresa não vota, não participa diretamente do processo eleitoral. Na hora que você coloca que a empresa escolhe também você está colocando que a empresa vota. Mas eu não concordo com essa tese.
Valor: Por quê?
Cunha: Porque você vai estar criando empresas de partidos. Você vai de uma certa forma estereotipar as empresas, essa é a empresa do PT, essa é a empresa do PMDB. E isso comercialmente vai ser um desastre até para as próprias empresas. Ninguém vai querer colaborar. O cara não vai querer se vincular com um partido político. Eles são empresários, eles têm que sobreviver em qualquer circunstância.
Valor: Essa proposta do Temer visava a não confrontar o Supremo.
Cunha: Visava a adequar o texto à decisão do Supremo. Mas eu acho que o entendimento...
Valor: O confronto, então, é inevitável?
Cunha: Não acho. Acho até que o Supremo está de uma certa forma reavaliando.
Ruy Baron / Valor
Nicolau: Caso não seja aprovada a constitucionalização da doação de empresas, se agora no segundo semestre o Supremo proibir a doação de empresas...
Cunha: O Supremo tem dado sinais de que pode rever a maioria.
Nicolau: Mas já tem seis votos, falta só um.
Cunha: Mas eles podem mudar o voto. Há sinais nesse sentido.
Valor: Que sinais o senhor tem visto?
Cunha: Comentários que chegam aos meus ouvidos por terceiros, por advogados que militam, entendem e falam que tem muita gente querendo rever voto que se arrepende da decisão. Porque aquele voto ali foi preparado por alguém que era aqui da Casa que era ligado ao PT. Militante. Ligado ao Ministério Público. A gente conhece a origem, militante petista que tem aquele pensamento e convenceu ali um alguém a encampar aquele voto.
Nicolau: O senhor acha que a proibição ao financiamento privado beneficia o PT, mas o PT foi quem mais ganhou de empresa nessa eleição.
Cunha: O PT é o único que tem condição de se beneficiar com o financiamento de pessoa física. Quem foi que recrutou gente para pagar as multas do mensalão em 24 horas? O PT.
Nicolau: Não foi nem o PT, foi o José Dirceu.
Cunha: Nããão. Foi todo o PT. Porque eles têm estrutura de cargo comissionado...
A eleição de 1982, a única da história que colocou todos os cargos juntos em disputa, relegou a discussão da vida municipal. [Jairo Nicolau]
Valor: A [Luiza] Erundina também levantou rapidamente dinheiro.
Cunha: A Erundina foi outro caso. Até eu cooperaria, se ela me pedisse, com o maior prazer. Foi o sentimento da injustiça que estava sendo cometida com ela, uma pessoa correta, honesta. [A parlamentar foi condenada a ressarcir R$ 352 mil à Prefeitura de São Paulo, acusada de usar dinheiro público para financiar publicações em apoio à greve geral de 1989.] É muito difícil uma pessoa chegar ao fim da vida pública e sofrer uma injustiça, não ter condição de pagar e manchar o nome. A verdade é que o PT tem militância, tem gente que contribuiu com partes de seus salários ao partido, tem muita ocupação de cargo comissionado para isso. Então o PT consegue se beneficiar com o financiamento de pessoa física. Eu não vejo o PMDB ou qualquer outro partido com financiamento de pessoa física.
Nicolau: E se colocasse um limite para que empresários doassem como pessoa física? Tipo R$ 100 mil, como nos Estados Unidos.
Cunha: Mesmo um empresário muito rico só vai doar para dois, três candidatos.
Nicolau: O senhor recebeu recursos de 15 empresas, algumas transferidas por dentro do PMDB.
Cunha: Nem me lembro. Você sabe mais do que eu, mas fui um ponto fora da curva pela minha posição de líder da bancada. As pessoas me procuravam de uma certa forma pelas ideias, para ajudar o partido e tinham um interesse específico. Meu caso não é exemplo.
Nicolau: Hoje um candidato que gasta R$ 2 milhões e recebe basicamente de empresas, no sistema de pessoa física, com o teto alto, receberia de empresários que colocariam lá o seu CPF e apresentariam para a sociedade.
Cunha: Eu fiz uma campanha 150% escriturada. O que eu fazia? Não contratava mão de obra, contratava serviços, contratava uma cooperativa e a cooperativa é que contratava a mão de obra. Eu não tenho preocupação com registro nem com ação trabalhista, para não ter que administrar carro nem cuidar de cinco mil notas. Eu administrava uma única nota. Como pessoa física, com esse sistema de hoje, talvez com o distritão, se reduzir o tempo de campanha, eu gaste um terço do que eu gastei.
Nicolau: O senhor gastou R$ 6,8 milhões...
Cunha: Mas eu devolvi para o partido R$ 600 mil. Fiz o cheque de volta.
Nicolau: Se com o distritão sua campanha ficasse em R$ 2 milhões e o senhor arrumasse 20 doadores pessoas físicas ou, digamos, 40, não seria mais transparente?
Cunha: Se eu sou empresário, vou doar para um candidato a presidente ou a governador. Por que vou doar para um deputado?
Limongi: Qual é a lógica de quem doa dinheiro?
Cunha: É o custo da democracia.
Limongi: Mas quem doa dinheiro doa apenas pela democracia?
Cunha: Quem doou dinheiro pra mim não me pediu nada. Doou porque acredita naquilo que eu defendo.
Nicolau: Mas o senhor disse que era um ponto fora da curva.
Cunha: Ponto fora da curva pelo volume, mas não pelas motivações. O líder não pode perder eleição. O líder perder a eleição é um fracasso.
Ruy Baron/Valor
Valor: O que o senhor acha da reeleição?
Cunha: Já fui favorável. Hoje sou contra. A reeleição vicia, faz você trabalhar não pelo que você pensa. Graças a Deus não tenho a reeleição aqui, nesta legislatura. Consequentemente, eu posso cortar o ponto do deputado que não votou, porque ele pode ficar com raiva de mim, mas eu não vou precisar do voto dele daqui a dois anos. Se a minha lógica fosse a reeleição, talvez eu pensasse duas vezes antes de cortar o ponto.
Limongi: Mas a lei só se aplica ao Executivo, por que também não para o Legislativo?
Cunha: Porque o Legislativo não usa a caneta, não movimenta recursos. Eu não posso desviar o processo sentado na cadeira.
Limongi: Mas o Orçamento é aprovado no Congresso.
Cunha: O Orçamento não é impositivo. É meramente autorizativo. Quem vai contingenciar R$ 80 bilhões é o Executivo, não é o Legislativo.
Valor: Sendo contra a reeleição, o senhor defende o mandato de cinco anos?
Cunha: Quatro. Para qualquer cargo eletivo.
Valor: O senhor é favorável à coincidência geral das eleições?
Cunha: Eu sou favorável à coincidência com quatro anos. Penso que essa coincidência não pode ser feita agora. Acho inconstitucional você alterar a eleição de 2016.
Limongi: Se o senhor vai votar artigo por artigo, não vai criar um Frankenstein aqui?
Cunha: Nós não vamos deixar. Fica tranquilo. O objetivo de votar artigo por artigo não é para criar Frankenstein.
Limongi: O projeto já está um Frankenstein. Por exemplo, diz que estão proibidas coligações para eleições proporcionais, mas pelo projeto todas as eleições viram majoritárias.
Cunha: Você sabe por que ele [o relator, deputado Marcelo de Castro (PMDB-PI)] fez isso? Ele acha que vai promulgar o fim da coligação porque o Senado já votou. Não vai promulgar. Eu também discordo, igual a você.
Valor: O país só teve três reeleições para presidente da República, prefeitos e governadores. Não é uma experiência muito recente para ser abreviada?
Cunha: E quantas eleições o país teve sem reeleição? Pós-ditadura, para presidente, só teve uma. Vou fazer a mesma pergunta. Não é pouco tempo para saber se sem reeleição funcionava? O Collor foi eleito sem reeleição. Fernando Henrique foi eleito sem reeleição e mudou a regra no meio do caminho.
Valor: Sim, estamos no terceiro presidente reeleito.
Cunha: A regra dele no meio do caminho já foi um erro. Não podia ter mudado a regra no meio do caminho para ele. Podia ter mudado para os outros.
Sou favorável a ter financiamento privado com a limitação de que quem contrata com a administração pública não possa participar. [Cunha]
Valor: Essa proposta vai ser para vigência imediata?
Cunha: Depende do que sair da proposta. A ideia é valer para 2016.
Limongi: Vou voltar à questão do financiamento e dos gastos de campanha. Uma premissa forte de toda a discussão no Brasil, que está também no projeto, é a ideia de que as campanhas no país são as mais caras do mundo, que o custo é muito alto. Mas se computarmos todos os gastos que são reportados para o tribunal e incluir neles o fundo partidário, para fazer um cálculo de quanto vai para a televisão, quantos são os subsídios que estão embutidos - cálculo que um professor fez, o Bruno Speck -, um ciclo eleitoral de quatro anos custa R$ 10,00 para cada eleitor. Ou seja, a eleição brasileira não é cara. A eleição brasileira é barata. Pelo que está declarado. A suposição toda de que a campanha é muito alta contabiliza como custo de campanha aquilo que não é reportado. Logo, a questão é saber...
Cunha: Tem o custo indireto.
Limongi: Isso fica um conto da carochinha. O custo mesmo é aquele que não é contabilizado. Isso vai continuar não sendo contabilizado.
Cunha: Você fala custo médio. Eu fiz 232 mil votos e gastei R$ 6,2 milhões.
Nicolau: O senhor gastou R$ 32,00 por voto.
Limongi: Se o senhor pensar quanto a Coca-Cola gasta em campanha, esse custo que o Brasil paga em termos de campanha é muito baixo para o eleitor. O problema é o custo que não está contabilizado.
Cunha: Quando você fala em financiamento público, se é a isso que você vai chegar.
Limongi: Não, não sou a favor do financiamento público. Pelo contrário.
Cunha: Essa história de R$ 7,00 por voto.
Limongi: O custo real é o que não está contabilizado, é o caixa dois.
Cunha: O problema é o caixa dois e o custo indireto. Colocar a máquina pública fazendo voto para você. Porque quando você pega um cara que tem prefeito que faz a máquina funcionar para você, isso tem um custo. É um custo indireto para a sociedade. Esse custo de R$ 10, vamos falar português claro, é uma brincadeira. Não é isso.
Limongi: Tem dinheiro não contabilizado.
Cunha: Provavelmente tem. Mas além de ter dinheiro não contabilizado, não meu, obviamente, tem o custo da máquina pública fazendo voto pra você.
Limongi: Tem um paradoxo. Se diminuir dinheiro em campanha, quem é o maior favorecido? O governo, certo?
Cunha: Não estou querendo que tire dinheiro de campanha, não.
Limongi: Mas a maior parte do dinheiro é o dinheiro que não tem transparência.
Cunha: Dinheiro não contabilizado é caixa dois. Não vamos vir com sofismas aqui, é caixa dois. Acho que boa parte de recurso de campanha é uso indireto de máquina.
Limongi: Acabamos de dizer que é o maior custo é TV e o marqueteiro...
Cunha: Estou falando de custos que você diz que não são contabilizados.
Limongi: Esse custo eu acho que não é contabilizado. Quanto, de fato, custa a televisão? Quando estávamos discutindo televisão, o senhor dizia que precisava diminuir trucagem porque precisa baixar o custo da TV. Porque tem um custo da TV que não está aparecendo nas contas.
Cunha: Mas aí você está falando de candidatura majoritária. Existe uma diferença da candidatura majoritária da candidatura proporcional. O custo maior da majoritária é televisão. Televisão e acordos políticos. Muitos dos majoritários ajudam candidatos proporcionais para se alavancar.
Limongi: É o tempo na TV que está em jogo e não está sendo tratado no projeto.
Cunha: Vai ser tratado num projeto infraconstitucional que vai ser debatido em seguida ou talvez ao mesmo tempo.
Valor: Qual é a sua proposta?
Cunha: Só conta o tempo da coligação majoritária do candidato e o vice.
Nicolau: É bom.
Cunha: Acaba essa história de eu ter de comprar pelo tempo de televisão. É a minha proposta.
Limongi: Não carrega para a proporcional.
Cunha: Não carrega para a proporcional. Não tem mais coligação.
Limongi: Sendo realista. Na medida em que a maior parte dos pequenos partidos tira proveito dessa distribuição atual do tempo de TV e da forma como ela é montada pelas coligações, qual é a probabilidade de isso passar?
Cunha: Acho que passa. Eles sabem que vão perder alguma coisa. Até porque isso a gente decide por lei ordinária. Eles não têm tanta importância no processo. Têm importância na definição desse modelo para efeito de emenda constitucional.
É um modelo tão esdrúxulo que você faz a eleição para votar num candidato e, ao mesmo tempo, elege um partido. [Cunha]
Valor: A Justiça Eleitoral vai ter que se adequar a essas mudanças?
Cunha: Sou favorável a colocar uma proibição para que a Justiça Eleitoral não faça resolução. Eles fazem resolução a 180 dias da eleição e eu não posso mais mudar a lei porque isso tem que ser feito um ano antes da eleição. Então é um escárnio.
Limongi: Concordo com isso plenamente. A Justiça Eleitoral tem um poder discricionário muito grande que o Legislativo não pode reverter.
Cunha: Até pode, mas não tem efeito.
Limongi: Foi o que aconteceu com a verticalização. Mas voltando às eleições concomitantes. Vai complicar muito o processo eleitoral. O eleitor vai dar sete votos seguidos.
Cunha: O eleitor já vota seis nomes quando a disputa tem dois senadores.
Limongi: Nesse processo de votação da urna eletrônica, a ordem da votação é superimportante porque carrega os demais.
Cunha: Eu achava isso. A gente definiu aqui que o primeiro voto era de deputado federal. O TSE mudou por resolução. A gente entrou com um decreto legislativo que não valia mais nada e ainda houve mais duas eleições com o deputado estadual em primeiro. Mas cheguei a ser mais votado para a Câmara quando o deputado estadual vinha em primeiro na lista. Então isso é tudo muito relativo. A cada dia que passa o eleitor sabe mais o que fazer. Não podemos subestimar a inteligência do eleitor.
Nicolau: Lembro-me da eleição de 1982, que foi a única da história brasileira em que os eleitores votaram simultaneamente.
Cunha: Mas era cédula, né?
Nicolau: Sim, era cédula, mas a discussão da vida da cidade, dos temas municipais, ficou totalmente em segundo plano porque a eleição aconteceu no mesmo dia em que se votava para governador. Temo muito que a agenda municipal fique...
Cunha: Essa tese que você está colocando já afeta a eleição de governador que acontece junto com a de presidente. Você pega a eleição municipal. É uma disputa que tem uma volatilidade de pesquisas muito grande, muito rápida, porque é uma eleição basicamente de televisão, midiática. Tá focada só no prefeito. Quando você pega uma eleição para governador, justamente porque está imprensada pela de presidente, ela se torna uma eleição política. A de senador, então, o cara decide na última semana. Por isso se veem movimentos bruscos na última semana. O cara escolhe o deputado porque o candidato está na porta me enchendo o saco todo dia e está focado no que afeta a vida dele, que é o presidente da República. Então, de qualquer forma, por esse conceito, a representação do Estado já está aviltada, a de senador já está aviltada. A do município pode aviltar? Pode. Acho que quem perderia mais seriam os prefeitos de capitais. No interior, a eleição municipal sempre prepondera sobre a do presidente da República.
Nicolau: Isso também não é bom.
Cunha: Isso já acontece na prática mesmo sem ter eleição concomitante. Quando você pega um município de 10 mil eleitores, o sujeito [da eleição geral] que já tem voto naquele município ou está com o prefeito ou está com o adversário do prefeito que perdeu a eleição dois anos antes. A eleição se divide entre os dois comandos. Não tem nenhum conteúdo ideológico ou partidário.
Nicolau: Mas as eleições presidenciais nacionalizaram os antigos rincões. Se a gente vê o mapa de votação do PT...
Cunha: Mas é que o PT virou um partido igual a todos os outros. Se elege com a máquina.
Nicolau: O fato é que o eleitor lá do interior do Nordeste foi lá e cravou Lula e politizou a disputa. Agora, numa eleição alinhada se predomina a disputa local...
Cunha: Fiquei neutro na campanha presidencial. Tinha gente minha que votava com a Dilma, tinha gente minha que votava com Aécio, tinha gente minha que votava com o Everaldo, tinha gente minha que votava com a Marina, tinha de tudo. Tudo bem. Não perdi um voto. Em 2010 perdi voto pra caramba porque tinha opção para presidente. Então às vezes acabava contaminando. Essa lógica de escolher primeiro o presidente acontece na maioria dos lugares. Quando chega isso ao interior, só aconteceu no Nordeste com o Lula porque era o fenômeno do Bolsa Família. Tem município que é 80% Bolsa Família. O que acontece hoje é o seguinte: você participa de uma eleição municipal, apoia um vereador e um prefeito e você fica com uma opção de compra. Daqui a dois anos você pode exercê-la se você pagar o preço que ele pedir. Quando computa o custo, você tem que considerar que essa eleição de meio caminho é metade da eleição seguinte.
Valor: Isso pode ser difícil para quem vai pedir voto, mas, do ponto de vista do eleitor, ficar quatro anos sem votar não represa a manifestação popular?
Cunha: Concordo com você, principalmente pela velocidade da informação hoje, que é diferente do que era antes. Há argumentos para os dois lados. Não estou esgotando seu argumento e não o acho pouco forte, não. Acho que esse vai ser o debate aqui da Casa. Tenho essa opinião, mas concordo que ficar quatro anos sem eleição é um problema. Pode acabar dando numa revolução. Sou, na verdade, adepto do parlamentarismo, que evitaria esse problema de que você está falando porque o desgaste levaria a uma antecipação da eleição.
Valor: O senhor pretende fazer da reforma política o marco de sua gestão?
Cunha: Se eu conseguir aprovar, certamente será, mas não tenho essa segurança. Mas o marco que você vai poder colocar é que eu enfrentei o tema.
Limongi: Então sua principal bandeira é essa, independentemente do conteúdo.
Cunha: Não tenho compromisso com o conteúdo. Me elejo com qualquer modelo. Não estou preocupado com isso, não. Qualquer modelo, de lista fechada a distrital misto, distritão.
Limongi: O senhor se elege com qualquer modelo, mas, e do ponto de vista do eleitor, qual é o melhor?
Cunha: Não sei. Só os eleitores podem dizer. Você tem que partir para um plebiscito. No Maranhão me mostraram uma pesquisa em que 87% estão favoráveis ao distritão. Se fizer um plebiscito hoje, vai dar distritão, não tenho nenhuma dúvida disso, porque o eleitor entende que os mais votados entram. O outro modelo você tem que explicar que vai beneficiar o partido que faz a política e que representa a minoria. Explicou demais, ninguém entende.
Limongi: Eu acho o contrário. Você explica e as pessoas entendem. O senhor mesmo disse que o povo está ficando cada vez mais inteligente e entendendo cada vez mais as coisas.
Cunha: Tem 513 deputados na Casa. Se você for conversar com eles, 70% não vão saber te explicar a diferença desses modelos. Se um cara que vai pedir voto não sabe, imagine quem vai votar. Essa situação em que estamos hoje é uma consequência dessa forma de eleição que acho equivocada.
Limongi: Mas em que situação estamos hoje?
Cunha: O eleitor não saber em quem votou para deputado.
Limongi: Num sistema tão simples quanto o americano as pessoas também não sabem.
Cunha: Não sabem porque o voto é facultativo.
Esta vai ser, provavelmente, a reforma política mais forte que já tivemos desde 1988. [Nicolau]
Valor: A Câmara está com uma produtividade altíssima neste ano e foi eleita por um sistema proporcional. O que está exatamente errado?
Limongi: Foi um sistema que o elegeu presidente da Câmara...
Cunha: Seria eleito presidente da Câmara por um parlamento eleito sob qualquer sistema eleitoral.
Valor: O senhor é a favor do projeto que permite a sua reeleição?
Cunha: Isso, se está sendo feito, é à minha revelia. Ninguém falou comigo, não. Dei o exemplo, agora há pouco, de que se tivesse direito à reeleição talvez não estivesse cortando o ponto de todo mundo. Estou inviabilizando minha reeleição.
Limongi: O senhor falou que foi inconstitucional o Fernando Henrique ter aprovado a reeleição para ele mesmo. Então também seria inconstitucional aprovar para o senhor também.
Cunha: É diferente. Fernando Henrique foi eleito numa eleição direta, com tamanho de mandato com início, meio e fim. Ele mudou de regra com expectativa de direito de todos aqueles que poderia enfrentar. Aqui é uma eleição legislativa de pares por pares.
Nicolau: Queria resumir alguns pontos que o senhor defendeu aqui: diminuição do tempo de campanha, barateamento das campanhas, redução do tempo de horário eleitoral...
Cunha: Distritão, coincidência das eleições, fim da reeleição, fim da coligação proporcional e cláusula de desempenho se o distritão não passar, financiamento privado de empresas para partidos e que aqueles que têm contrato com a administração pública não possam contribuir.
Nicolau: Me parece que essa agenda por si só já vai ter um impacto forte. Vai ser, provavelmente, a reforma mais forte que já tivemos depois de 1988.

http://www.valor.com.br/cultura/4060992/politica-por-tras-da-reforma

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