Do filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp, no El Pais:
Pergunta. O ano passou e a sensação que fica é de que, apesar do ritmo frenético dos acontecimentos, não se avançou em nenhuma questão de fato. Por quê?
Resposta. Por causa de uma conjuntura de três fatores que se reforçam em um ciclo vicioso: a Operação Lava Jato, que torna o sistema político instável, que por sua vez impede a resolução da crise econômica. Com a Lava Jato em curso, não é possível saber quem está no jogo político e quem não está, ela impede qualquer acordo minimamente estável. Enquanto ela não fizer todo seu trabalho, revelando até onde vai, o sistema político permanecerá em parafuso. Desse modo, solucionar a crise econômica é impossível. Nesse cenário, em que os acordos políticos são provisórios, durando meses, semanas, é preciso ter cabeça fria e paciência para suportar um período longo de instabilidade. O que vimos em 2015, vai se prolongar por 2016.
P. E o que significaria um afastamento da presidenta Dilma agora?
R. O impeachment, do ponto de vista do sistema político, é uma estratégia de autodefesa contra a Lava Jato. Esse é o objetivo. A Lava Jato instaurou uma desorganização política muito grande, em que cada um está tentando defender seus interesses. A questão é que essa capacidade de autodefesa é simplesmente a de ganhar tempo. Como o sistema político não consegue escapar da Justiça, o impeachment vira uma ferramenta de defesa.
P. Mas ele também está sendo pedido por uma parcela da sociedade…
R. Sim, é verdade. Mas o impeachment nunca seguiu a lógica de quem está na rua. Tanto é que seu acolhimento, feito por Eduardo Cunha e deflagrado justamente quando o PT resolveu votar contra ele no Conselho de Ética, tomou de surpresa todo mundo. Ou seja, não é um pedido da rua que se tornou um movimento institucional parlamentar. É um movimento parlamentar se aproveitando de uma movimentação de rua para defender seus interesses. E as pessoas percebem isso. Esse pedido de impeachment gera um duplo mal-estar. Quem defende o afastamento da Dilma não está confortável com o fato dele ser promovido, provocado e liderado por Eduardo Cunha. É só ver como as últimas manifestações pró-impeachment foram fracas. Do outro lado, quem é contra o afastamento, por acreditar que ele quebra a regra democrática, fica desconfortável porque isso não significa exatamente defender o Governo.
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