Por: Prof. Bruno Pinheiro Wanderlei Reis - Cientista Político - UFMG - Via Facebook
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Na discussão do texto do Wanderley Guilherme dos Santos que circulei na noite passada, acabei elaborando o que se pode chamar uma explicitação cabal do meu ponto de vista, hoje, sobre a nossa encrenca corrente. Por isso, resolvi reproduzi-la aqui:
"Faz tempo que eu acompanho integralmente a crítica do Claudio Burian à política econômica da Dilma (a orientação geral foi até esboçada nos últimos anos do Lula, mas foi reforçada e ampliada e orgulhosamente promovida como "nova matriz" pela Dilma): temerária, desestabilizou a economia e, sim, retomou velhos cacoetes ("erros velhos", dizia o falecido Palocci) e, cereja do bolo, concentradora de renda. Um desastre. Admito que a alusão reiterada do WGS aos "pobres" ao longo do artigo me incomoda um pouco (soa um pouco "patronizing", como dizem os americanos), mas entendo o que ele quer dizer, e tendo a acompanhar. Tem pouco a ver com o detalhe da política econômica (menos ainda com as barbeiragens da Dilma), e mais a ver com uma empatia popular que se cristalizou no momento em que Lula foi à presidência e só fez ganhar escala e intensidade com os resultados que, bem ou mal, ele conseguiu entregar depois. Isso cria um lastro de identificação popular com a figura, que em condições normais se transfere mesmo para o próprio sistema político. Nesse sentido, tendo a dizer que não só Lula, mas também Fernando Henrique, em grau menor, são parte relevante do próprio lastro institucional de nosso sistema político.
E aí a coisa começa a complicar. Quase tudo o que (penosamente) se levanta contra o Lula aparentemente se pode observar de maneira bastante análoga também para o caso do FH: doações a instituto, palestras caras, vantagens para a família etc. A meme predominante na rede é então que se investigue todo mundo. Já eu digo que, desse jeito, não tem sistema político que funcione. Porque, até onde se consegue ver, embora venham sendo tratadas como presumivelmente ilegais, aparentemente essas doações não são manifestamente ilegais. É uma putaria, se se quiser, mas isso acontece assim, literalmente, no planeta inteiro. Dilemas da inevitável convivência entre democracia e capitalismo. Descontadas as possíveis exceções habituais das anomalias da Escandinávia e as suíças da vida, virtualmente todo chefe de governo enriquece depois de deixar o cargo. Pelo simples fato de que, por definição, um ex-presidente ou um ex-primeiro-ministro é um hub central de uma vasta rede que ocupa posição poderosa no sistema político. Vai fluir bajulação, boa vontade e, claro, dinheiro pra lá. Barabási explica. Vale não só pra FH, Lula, mas muito notoriamente para Clinton, de maneira mais claramente corrupta para Chirac, Sarkozy e, eu apostaria, pra todos. A menos que se recusem terminantemente a dançar essa valsa. Essas coisas costumam se tornar “liabilities” políticas depois (assim o Bernie vai atazanar a Hillary falando dos contatos dela com Wall Street etc.), mas não são ilícitos penais. Não são, em princípio, matéria criminal.
Queremos parar com isso? Se quisermos, tudo bem, mas aí tem que pedir ao Congresso pra escrever uma lei proibindo, fixando uma quarentena pra ex-presidentes e ex-mandatários em geral. Ou elevando-os a senadores vitalícios, como fazem alguns países, o que pode fazer com que algumas restrições continuem operando. Ou regulamentando lobby e dizendo com clareza o que pode e o que não pode fazer. O que é um tiro no pé é simplesmente deixar qualquer governante, e qualquer político, com uma espada na cabeça derivada da incerteza quanto à interpretação futura que algum juiz vai dar à reiteração de práticas correntes, públicas, lícitas - conquanto, no limite, indesejáveis segundo algum critério ético mais exigente. Simplesmente porque todo sistema político é uma imensa teia de compromissos, acertos, concessões mútuas, favores. É sobre acertos entre interesses contraditórios que uma ordem política fica em pé. Alargar os interesses contemplados é um desiderato, claro, mas é também um desafio. Parte disso se dá em bases mais abstratas, programáticas, mas boa parte se dá no varejo da barganha fisiológica e da troca de favores mais tópicos e imediatos. Em. Qualquer. Lugar. Do. Planeta. Aumentar o teor da barganha programática em detrimento da barganha fisiológica é um objetivo louvável, mas isso só se dá lentamente, por autonomização burocrática progressiva, legislação penosamente negociada (também no varejo), mobilização e organização política popular, ao cabo de gerações, séculos. NÃO se dá (ao contrário, se destrói) por esforços (mesmo bem intencionados) de “passar o sistema a limpo”, de fazer “faxinas” na política, “zerar” o jogo, dar reboot.
No nosso caso atual, nós estamos pegando o sistema político que, em toda nossa história, funcionou MENOS mal (sim, é difícil fazer essa coisa funcionar bem), exemplo mundial de políticas sociais bem desenhadas e implementadas, bem classificado em qualquer ranking sério de integridade eleitoral e, bem no meio de nossa pior crise econômica em vinte anos, travando tudo em nome de uma investigação que, conquanto bem-vinda em princípio, opera sem limites tentando mimetizar um precedente italiano que (mesmo lá) já produziu desastre, e não por acaso não voltou a acontecer do mesmo jeito em lugar nenhum. Enquanto isso, se permite jogar todo o sistema político num nível de incerteza tal que, literalmente, o impede de funcionar, e portanto de administrar a própria crise econômica, já que nenhum compromisso, nenhuma negociação pode prosperar se você não sabe se o seu interlocutor não vai estar preso na semana que vem. Enquanto isso, submetemos todas as principais referências eleitorais do país (hoje o Lula, amanhã o FH ou alguém mais) à humilhação permanente. Isso corrói a credibilidade, a capacidade operacional e, sim, no limite, a estabilidade do sistema político. Estou fora, chega. Sim, basta! Para o FH e para o Lula devíamos estar construindo estátuas, enquanto discutimos no Congresso as melhores formas de tapar os ralos detectados a partir das fases iniciais da Lava-Jato, até pra tentar blindar a elite política do assédio predatório pelos plutocratas e pelo crime organizado. Pegar o capo, é pra quando eu brigo com a máfia. Sou um reformista, nunca fui um revolucionário. Pra chefe político com serviço prestado ao país, eu quero é homenagem."
Atualizando o Lattes, esbarrei aqui, quase três anos depois. Obrigado, Jeison. Segue o link para o post original.
ResponderExcluirhttps://www.facebook.com/brunopwr/posts/10207924982193721
Ah, gostei do título que você escolheu! :)
ExcluirE como permanece atual essa tua análise despretensiosa de facebook!
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