quarta-feira, 20 de abril de 2016

utopia agora

é pau
é pedra
é golpe

é o fim do caminho
é o início do fim
eu não durmo sozinho
fico pensando em você

ou um rato
um espinho
uma unha
e um choque
o sangue
não respinga
em você?

se você imaginasse
se você sentisse
se você tentasse
vestir a minha pele
mas você não sente
você nem tenta

se você sonhasse
se você vivesse
se você morresse
um pouco menos
a cada dia

com sua flor
bem guardada
para quando chegar a hora

e a hora não haverá de chegar
para nenhum de nós

os futuros seriam menos sérios
menos duros
menos cinzas
e haveriam 5000 tons
e mais uns tantos
e semitons
notas musicais
dissonantes
nada caberia
nas sentenças
resolutas
certas e certeiras
"- vá por aqui dobre a primeira [à
direita
e siga
três mil quatrocentas e sessenta e quatro quadras
é uma casa verde, não haverá erro"

e se a casa não estiver
mais lá?

e se alguém engoliu a
quadra do meio

e se alguém tropeçar
no caminho

e se o pneu
e se o calcanhar?

e se o ministro morrer
o avião cair
o padre não vir?

e se não houver dinheiro?
e se não trouxer a mala?

e se acabar, o freio?
o acelerado emperrar
e se o muro
o carro de jagrená
e se?
e se?
e se?
e se?
não for?
esquecer o dia?
perder o horário?
e se durar 21 anos
o que era um dia?

Mas você
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope

José é modo de dizer
e modo de fingir
que não penso em você

modo de mascarar seu nome
quase proibido
quase como um crime
dizê-lo
sem sofrer ataque de:

-parente namorada amigo do peito
-de quem-me-viu-crescer
-tia que limpou-minhas-fraldas
-tio que deixou que você rolasse barranco abaixo ao três ano de idade enquanto fazia um gol
no campinho de terra em 1981
- primo que me arranjou o segundo emprego de carteira assinada
- professor do cursinho, guarda do condomínio minha casa minha vida onde moro e cuja guarita
não existiria não fosse você sofrer calada (o que você sofreu?)

"Vai ser gauche na vida"
recomendou-nos o itabirano mineiro como tu e essa outra adélia
que logo estariam odiando se dela soubessem a vírgula

Mas você
você é duro, José!

amanhã
estaremos sentados
mirando o horizonte
dando passos largos

mais afastado
do que gostaríamos

utopia!

disseram-lhe

utopia!

repetiram-lhe

renuncia!!

ordenaram-lhe

você não ouvi
você não obedeceu
você nunca deu razão
aos torturadores

a utopia, nós sabemos
é uma fábula
uma ideia
com pretendentes
vagos

um passo e ela recuará outro passo
dois passos
e ela recuará outros dois

assim fez ver
galeano
este outro maldito
proibido-proibido

o horizonte agora sibila
trêmulo distante e vazio

ficará lá
haverão outros depois
de ti
haverão de aventurar-se
perseguindo-o

fica aqui
contempla-o
mas tira a tristeza do olhar
atrás de tua cabeça

jazem monturos
escombros
dos mundos
cinzentos que lançastes por terra

há dragões pavorosos
famélicos

mas há
meninas e meninos
que não conheceram a fome
que conheceram a dor
que não amanheceram
nas marquises
ou com tiros no peito

há esse exército inteiro
que não haverá de suportar
calado, medroso e quieto

E agora,

você que é sem nome,

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,

cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia

nem tudo acabou
nem todos fugiram
nem tudo mofou,

Agora, serão os outros quinhentos!
































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