sexta-feira, 20 de maio de 2016

Somente sete dias para destruir as conquistas de anos

Esta semana foi a primeira de governo interino, depois que o rolo compressor parlamentar afastou a presidenta Dilma Rousseff do seu cargo e abriu caminho à ascensão de Michel Temer – que possivelmente já perdeu os 2% de popularidade que tinha há 8 dias atrás.

Nos últimos sete, Temer apresentou um gabinete sem ministros negros, nem ministras mulheres. Seus ministros anunciaram o fim da gratuidade nas universidades públicas, a extinção do Ministério da Cultura, a eliminação da universalidade da saúde pública, a (contra)reforma da previdência, a anulação de contratos para a construção de moradias populares, a revisão da diplomacia preferencial para com a América Latina e os cortes no programa Bolsa Família.

“Este é um governo extremadamente conservador em termos políticos e liberal em termos econômicos”, resumiu Dilma Rousseff. “Desde que chegaram, estão falando em cortar benefícios sociais, como o Bolsa Família, ameaçado de perder entre 10 e 30% (de sua verba). Sabem que significa isso? Significa tirar até 36 milhões de pessoas do programa com uma assinatura”, afirmou Dilma, em diálogo com internautas, em sua nova base de operações políticas, no Palácio da Alvorada. Nessa residência oficial, ela também recebeu legisladores, com os quais analisou a estratégia a ser usada no juízo político que terá que enfrentar na Câmara Alta. Onde será julgada pelos mesmos senadores que aprovaram a abertura do processo, por 55 votos contra 22, um dado que autoriza a pensar que será difícil que a absolvam.

Após visitar a presidenta, o senador Humberto Costa, chefe do bloco do PT, disse ter visto ela “otimista” diante da rápida reação da opinião pública, contra um governo que “comete um erro atrás do outro”, e não satisfaz as expectativas que havia gerado em parte da sociedade.

Se tivesse que escolher a foto da semana inicial de Temer, não estaria nela o presidente interino, e sim a atriz Sônia Braga, em Cannes, junto aos demais membros do elenco do filme Aquarius, que denunciaram o “golpe” com cartazes escritos em inglês e francês. Foi tão potente o impacto dessa notícia que repercutiu até na Globo e em outros meios jornalísticos privados que constituem a muralha que impede a propagação de relatos que mencionam o golpe, apesar dos milhares de cidadãos que vão às ruas para gritar contra ele desde a queda de Dilma Rousseff. Protestos nos quais se observa um bom número de pessoas, muitas delas que não pertencem nem votaram pelo PT, mas que exigem o respeito ao sufrágio popular. Surgiu uma indignação anti conservadora mais vigorosa e que apareceu mais cedo do que se esperava, com o protagonismo dos movimentos sociais e das mulheres, em pé de guerra contra o machismo branco que exala da nomenclatura temerista. A insurgência feminina é particularmente ativa, é um ativismo que foi sendo fermentado nos últimos meses, quando a presidenta deixou seu escritório para encabeçar dezenas de atos em várias cidades. Uma atitude que talvez deveria ter tomado antes, para frear a avalanche antipolítica da classe média, que exigia a sua renúncia.
 
Em certa medida, esta nova rebelião cívica progressista é a que se expressa nas declarações de Sônia Braga (forte candidata à Palma de Ouro em Cannes) e do ator Wagner Moura, protagonista da série Narcos e do filmeTropa de Elite. Ele tampouco é petista, mas já se manifestou, deplorando o “conservadorismo e obscurantismo” do novo regime. Além do cantor Caetano Veloso, que há anos rompeu com o PT, mas que repudiou o impeachment, e que esta semana tocará num edifício ocupado por trabalhadores da cultura no Rio de Janeiro.
 
Se tivesse que escolher uma segunda foto dos primeiros sete dias do governo interino, também não seria de Temer, mas do deputado federal afastado Eduardo Cunha, considerado pelo Ministério Público Federal como o “chefe” de uma organização criminosa que tomou conta da Câmara dos Deputados.
 
Essa fotografia de Cunha certamente será a que tomou nesta quinta-feira, quando ele reapareceu na sede do Poder Legislativo, apesar ter sido suspendido do cargo e de ter perdido seus foros, por decisão do Supremo Tribunal Federal, que o processou por várias acusações, a partir das evidências de que ele era uma peça importante na trama de corrupção que desviou recursos da empresa estatal Petrobras, com a cumplicidade de grandes empresas construtoras e membros do PT.
 
Voltar ao Congresso apesar do seu afastamento provisório foi uma demonstração do poder que Cunha ainda tem, sendo ele um sócio sem o qual Temer não teria chegado onde está. Porque foi ele, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, quem desarquivou o processo e escalou ao menos 200 congressistas, entre eles muitos pastores, ex-policiais e processados pela Justiça, para que formassem o pelotão de choque pela aprovação do impeachment contra Dilma, na cômica sessão daquele domingo 17 de abril, quando a oposição esmagou o governo por 367 votos contra 137. O resultado decretou o irremediável fim da mandatária eleita. Semanas depois, ela também seria derrotada no Senado.
 
Apesar de Temer ter evitado se mostrar diante das câmeras junto ao seu correligionário Cunha – o político brasileiro com pior imagem no mundo –, não deixou de escalar dois dos afilhados políticos dele para serem membros do seu gabinete, e nomeou um terceiro como novo chefe da bancada governista na Câmara.
 
Sem o apoio dessa bancada, o chefe de Estado provisório não conseguirá aprovar nenhuma das leis indispensáveis para implementar o programa de ajustes prometido aos banqueiros e investidores estrangeiros, que agora são representados pelo novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
 
Ex-executivo do Banco de Boston, Meirelles é o fiador do novo chefe do Banco Central, Ilan Goldfajn, que por sua vez foi chefe de economistas do Banco Itaú.
 
Aliás, Meirelles é o superministro do gabinete de Temer, um presidente com dificuldades para garantir a governabilidade, e que depende muito do poder nas sombras de Eduardo Cunha.
 
Esse é o triunvirato sobre o que o novo regime se apoia, e que tem em sua segunda linha de poder o chanceler José Serra – que em seu discurso de posse anunciou o fim da diplomacia com eixo nas relações Sul-Sul, o fortalecimento dos vínculos com a Argentina e os Estados Unidos, e a revisão do Mercosul para retomar sua dimensão comercial.
 
Tradução: Victor Farinelli

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