quinta-feira, 23 de junho de 2016

A Lava Jato e as eleições de 2016

Por Jeison Giovani Heiler*
Muita dúvida tem surgido sobre o impacto da Operação Lava Jato deflagrada pela Polícia Federal a partir de março de 2014. A Lava Jato em si trouxe certa credibilidade as instituições do sistema judiciário, ministério público, polícia federal. Estas são instituições basilares para qualquer país que seja rotulado como democrático. Então, pode-se dizer que neste aspecto os impactos são positivos. A operação  Lavas Jato de certa forma recuperou a crença, na cabeça do eleitor, nestas instituições.
No que diz respeito às eleições, sobretudo em 2016, ela terá efeitos sobretudo para o PT. O que é curioso, porque vê-se claramente uma participação decisiva do PP e o PMDB, cujos operadores[1]  (Alberto Yuseff e Fernando Baiano) foram identificados e detidos pela PF. Chegando-se assim a Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró  diretores da Petrobrás indicados por estes dois partidos (PP e PMDB). É curioso, mas compreensível já que o partido no poder era o PT.
Uma imagem que podemos fazer é a seguinte: As eleições deste ano constituirão o tribunal do júri para os envolvidos na Lava Jato. O juiz será o eleitor. Por ora, apesar de muitos envolvidos, está sentado no banco dos réus apenas o PT. Não sabemos ainda se a permanência do PMDB no poder com TEMER poderá colocá-lo também no centro do tribunal para sentar no banco dos réus ao lado do PT. Eu creio que não. Mas fatos novos tem surgido a cada dia.
Muito se cogita também sobre como a operação Lava Jato está contribuindo para uma mudança efetiva de comportamento ou pensamento da população. E se pode-se esperar eleitores mais conscientes, não somente em relação ao voto mas, também nas suas atitudes cotidianas. A consciência do eleitor é diretamente proporcional aos seus níveis de acesso à educação e informação.  Diria ainda que em relação ao seu tempo livre para dedicar-se à política. A Lava Jato embora seja uma operação memorável, e que está prestando um grande papel à nação brasileira, não tem condições para alterar estas variáveis. Ela não gera mais educação, informação nem tampouco tempo para dedicação a cidadania por parte do eleitor-cidadão.
Por outro lado, é fato que a população estará mais vigilante. Cabe saber, se esta vigilância despertará o interesse do eleitor por informações acerca de seus candidatos. A experiência mostra que nem sempre isto ocorre. Por exemplo, vivemos o paradoxo de ter o congresso mais corrupto de todos os tempos, que ironicamente foi eleito depois de aprovada a Lei da Ficha Limpa. O que deu errado? O fato de que a Lei ou qualquer outra medida será inócua se não acompanhada de mais informação disponível ao eleitor, sob fontes isentas e controladas democraticamente.
Por sua vez, candidatos e políticos serão impactados, possivelmente mais do que gostariam. De modo geral a Lei 13165/2015 já proibiu a doação de empresas para as campanhas. Contudo, o caixa 2 ainda é de difícil controle. E isto não é culpa do sistema político ou dos políticos. O fato é que muitas empresas possuem caixa 2 e dirigiam parte destes recursos para as eleições. Ocorre que com a Lava Jato os financiadores empresariais devem estar muita mais esquivos a este tipo de prática. Nenhuma empresa gostaria de ver seu nome atrelado à corrupção. Então um efeito imediato nestas eleições é que as fontes de recursos devem ser de muito mais difícil a acesso. Com isso se beneficiam candidatos com patrimônio que possa ser empregado na campanha. As chances de candidatos com grande poder de auto-financiamento devem ser maiores nestas eleições do que em outras.
Não há como não apoiar a lava jato. A ponderação que deve ser feita diz respeito as gravações vazadas de Sergio Machado principalmente com o Senador Jucá que menciona expressamente uma tentativa de barra ou dar tratamento seletivo à operação para prejudicar apenas um alvo em especial.  Este fato deveria ter gerado uma reação maciça do eleitor. Não sei se as pessoas avaliaram a gravidade do conteúdo destas gravações. Eles materializam fatos cabais de conspiração contra a Lava Jato. Apesar disso não houve reação dos eleitores. Mais uma prova de que por si, a Lava Jato não trará resultados benéficos de longo prazo.
 O que é preciso fazer então? É a pergunta que ecoa no ar. Primeiro, creio que esta pergunta deva ser repetida pelos eleitores e cidadãos. Como signo de que, apesar da Lava jato, as coisas não estão bem e do modo como vão, não terminarão bem para a população brasileira e para a democracia. Estabelecido isso, o que já seria um grande avanço, deveríamos partir para uma reforma política.
Mas ela deve ser feita sob acompanhamento próximo do eleitor, sob pena de mais uma vez o tiro sair pela culatra. Como ocorreu com a ficha limpa e depois com a Lei 13.165/2015 que resultou das manifestações de junho de 2013 mas inseriu várias vantagens aos políticos de forma sub-reptícia. Tais como o fim do efeito meramente devolutivo dos recursos, além de que o fim da fidelidade partidária com a abertura da janela para desfiliações, e a diminuição para 6 meses do prazo constitucional de 1 ano para filiação partidária antes das eleições. O efeito disso foi a relativização da importância dos partidos e favorecimento de decisões políticas tomadas ao sabor de conchavos e da casuística eleitoreira. De forma geral, os eleitores precisam ter consciência de algumas premissas básicas para o bom funcionamento da democracia. Destacarei três:
 1) Partidos são fundamentais, e, sobretudo, partidos fortes e independentes do financiamento empresarial. O voto em lista proporcional fechada pode induzir a valorização dos partidos, aumentar a participação dos eleitores e de quebra reduzir custos das eleições;
2) É preciso dotar o sistema com alguma espécie de financiamento público. O dinheiro está na origem de todos os problemas relativos a lava jato. Porém, não basta proibir o financiamento empresarial privado. É preciso criar fontes alternativas.
 3) A representação nas câmaras de vereadores deve ser ampliada. Mais vagas. Isso barateia o custo financeiro das eleições para os candidatos. E o resultado é uma câmara como maior representatividade dos diversos extratos da sociedade.
Todos estes temas são polêmicos, mas devem ser, pelo menos, melhor discutidos.






[1]  http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso
*Doutorando em Ciência Política pela UNICAMP, Mestrado em Sociologia Política pela UFSC,  Bacharel e Especialista em Direito pela Católica de Santa Catarina. Professor Universitário no Centro Universitário Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul e Joinville. Membro Grupo de pesquisa em Política Brasileira UNICAMP - POLBRAS. É autor de livro "Democracia o Jogo das incertezas" editado pela Nova Editora Acadêmica (2014). Desenvolve pesquisas em financiamento da política e financiamento de campanhas eleitorais no Brasil. Eleições e partidos políticos; sistema eleitoral e partidário, teoria política, teoria do Direito. É membro do Grupo de Política Brasileira (PolBras) ligado ao Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP/Unicamp).

segunda-feira, 20 de junho de 2016

“Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro” | Entrevista com Giorgio Agamben

Peppe Salvà entrevista Giorgio Agamben.
“O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro”, afirma Giorgio Agamben, em entrevista concedida a Peppe Salvà e publicada por Ragusa News, 16-08-2012.
Giorgio Agamben é um dos maiores filósofos vivos. Amigo de Pasolini e de Heidegger, foi definido pelo Times e pelo Le Monde como uma das dez mais importantes cabeças pensantes do mundo. Pelo segundo ano consecutivo ele transcorreu um longo período de férias em Scicli, na Sicília, Itália, onde concedeu a entrevista.
Segundo ele, “a nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governabilidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas”. Assim, “a tarefa que nos espera consiste em pensar integralmente, de cabo a cabo,  aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”, afima Agamben.
A tradução é de Selvino  J. Assmann, professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC [e tradutor de três das quatro obras de Agamben publicadas pela Boitempo], para o site do Instituto Humanitas Unisinos.
***
O governo Monti invoca a crise e o estado de necessidade, e parece ser a única saída tanto da catástrofe  financeira quanto das formas indecentes que o poder havia assumido na Itália. A convocação de Monti era a única saída, ou poderia, pelo contrário, servir de pretexto para impor uma séria limitação às liberdades democráticas?
“Crise” e “economia” atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não têm motivo algum para aceitar. “Crise” hoje em dia significa simplesmente “você deve obedecer!”. Creio que seja evidente para todos que a chamada “crise” já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de racional.
Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.  Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro.  O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas – assumiu  o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas.
A crise econômica que ameaça levar consigo parte dos Estados europeus pode ser vista como condição de crise de toda a modernidade?
A crise atravessada pela Europa não é apenas um problema econômico, como se gostaria que fosse vista, mas é antes de mais nada uma crise da relação com o passado. O conhecimento do passado é o único caminho de acesso ao presente. É procurando compreender o presente que os seres humanos – pelo menos nós, europeus – são obrigados a interrogar o passado.  Eu disse “nós, europeus”, pois me parece que, se admitirmos que a palavra “Europa” tenha um sentido, ele, como hoje aparece como evidente, não pode ser nem político, nem religioso e menos ainda econômico, mas talvez consista nisso, no fato de que o homem europeu – à diferença, por exemplo, dos asiáticos e dos americanos, para quem a história e o passado têm um significado completamente diferente – pode ter acesso à sua verdade unicamente através de um confronto com o passado, unicamente fazendo as contas com a sua história.
O passado não é, pois, apenas um patrimônio de bens e de tradições, de memórias e de saberes, mas também e sobretudo um componente antropológico essencial do homem europeu, que só pode ter acesso ao presente olhando, de cada vez, para o que ele foi. Daí nasce a relação especial que os países europeus (a Itália, ou melhor, a Sicília, sob este ponto de vista é exemplar) têm com relação às suas cidades, às suas obras de arte, à sua paisagem: não se trata de conservar bens mais ou menos preciosos, entretanto exteriores e disponíveis; trata-se, isso sim, da própria realidade da Europa, da sua indisponível sobrevivência. Neste sentido, ao destruírem, com o cimento, com  as autopistas e a Alta Velocidade, a paisagem italiana, os especuladores não nos privam apenas de um bem, mas destroem a nossa própria identidade. A própria expressão “bens culturais” é enganadora, pois sugere que se trata de bens entre outros bens, que podem ser desfrutados economicamente e talvez vendidos, como se fosse possível liquidar e por à venda a própria identidade.
Há muitos anos, um filósofo que também era um alto funcionário da Europa nascente, Alexandre Kojève, afirmava que o homo sapiens havia chegado  ao fim de sua história e já não tinha nada diante de si a não ser duas possibilidades: o acesso a uma animalidade pós-histórica (encarnado pela american way of life) ou o esnobismo (encarnado pelos japoneses, que continuavam a celebrar as suas cerimônias do chá, esvaziadas, porém, de qualquer significado histórico). Entre uma América do Norte integralmente re-animalizada e um Japão que só se mantém humano ao preço de renunciar a todo conteúdo histórico, a Europa poderia oferecer a alternativa de uma cultura que continua sendo humana e vital, mesmo depois do fim da história, porque é capaz de confrontar-se com a sua própria história na sua totalidade e capaz de alcançar, a partir deste confronto, uma nova vida.
A sua obra mais conhecida, Homo Sacer, pergunta pela relação entre poder político e vida nua, e evidencia as dificuldades presentes nos dois termos. Qual é o ponto de mediação possível entre os dois pólos?
Minhas investigações mostraram que o poder soberano se fundamenta, desde a sua origem, na separação entre vida nua (a vida biológica, que, na Grécia, encontrava seu lugar na casa) e vida politicamente qualificada (que tinha seu lugar na cidade). A vida nua foi excluída da política e, ao mesmo tempo, foi incluída e capturada através da sua exclusão. Neste sentido, a vida nua é o fundamento negativo do poder. Tal separação atinge sua forma extrema na biopolítica moderna, na qual o cuidado e a decisão sobre a vida nua se tornam aquilo que está em jogo na política. O que aconteceu nos estados totalitários do século XX reside no fato de que é o poder (também na forma  da ciência) que decide, em última análise, sobre o que é uma vida humana e sobre o que ela não é. Contra isso, se trata de pensar numa política das formas de vida, a saber, de uma vida que nunca seja separável da sua forma, que jamais seja vida nua. 
O mal-estar, para usar um eufemismo, com que  o ser humano comum se põe frente ao mundo da política tem a ver especificamente com a  condição italiana ou é de algum modo inevitável?
Acredito que atualmente estamos frente a um fenômeno novo que vai além do desencanto e da desconfiança recíproca entre os cidadãos e o poder e tem a ver com o planeta inteiro. O que está acontecendo é uma transformação radical das categorias com que estávamos acostumados a pensar a política. A nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas. E que este modelo seja, do ponto de vista do poder, mais  econômico e funcional é provado pelo fato de que foi adotado também por aqueles regimes que até poucos anos atrás eram ditaduras. É mais simples manipular a opinião das pessoas através da mídia e da televisão do que dever impor em cada oportunidade as próprias decisões com a violência. As formas da política por nós conhecidas – o Estado nacional, a soberania, a participação democrática, os partidos políticos, o direito internacional – já chegaram ao fim da sua história. Elas continuam vivas como formas vazias, mas a política tem hoje a forma de uma “economia”, a saber, de um governo das coisas e dos seres humanos. A tarefa que nos espera consiste, portanto, em pensar integralmente, de cabo a cabo, aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”.
O estado de exceção, que o senhor vinculou ao conceito de soberania, hoje em dia parece assumir o caráter de normalidade, mas os cidadãos ficam perdidos perante a incerteza na qual vivem cotidianamente. É possível atenuar esta sensação?
Vivemos há decênios num estado de exceção que se tornou regra, exatamente assim como acontece na economia  em que a crise se tornou a condição normal. O estado de exceção – que deveria sempre ser limitado no tempo – é, pelo contrário, o modelo normal de governo, e isso precisamente nos estados que se dizem democráticos. Poucos  sabem que as normas introduzidas, em matéria de segurança, depois do 11 de setembro (na Itália já se havia começado a partir dos anos de chumbo) são piores do que aquelas que vigoravam sob o fascismo. E os crimes contra a humanidade cometidos durante o nazismo foram possibilitados exatamente pelo fato de Hitler, logo depois que assumiu o poder, ter proclamado um estado de exceção que nunca foi revogado. E certamente ele não dispunha das possibilidades de controle (dados biométricos, videocâmeras, celulares, cartões de crédito) próprias dos estados contemporâneos. Poder-se-ia afirmar hoje que o Estado considera todo cidadão um terrorista virtual. Isso não pode senão piorar e tornar impossível  aquela participação na política que deveria definir a democracia. Uma cidade cujas praças e cujas estradas são controladas por videocâmeras não é mais um lugar público: é uma prisão.
A  grande autoridade que muitos atribuem a estudiosos que, como o senhor, investigam a natureza do poder político poderá trazer-nos esperanças de que, dizendo-o de forma banal,  o futuro será melhor do que o presente?
Otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar. Como escrevia Marx em carta a Ruge: “a situação desesperada da época em que vivo me enche de esperança”.
Podemos fazer-lhe uma pergunta sobre a aula que o senhor deu em Scicli? Houve quem lesse a conclusão que se refere a Piero Guccione como se fosse uma homenagem devida a uma amizade enraizada no tempo, enquanto outros viram nela uma indicação  de como sair do xeque-mate no qual a arte contemporânea está envolvida.
Trata-se de uma homenagem a Piero Guccione e a Scicli, pequena cidade em que moram alguns dos mais importantes pintores vivos. A situação da arte hoje em dia é talvez o lugar exemplar para compreendermos a crise na relação com o passado, de que acabamos de falar. O único lugar em que o passado pode viver é o presente, e se o presente não sente mais o próprio passado como vivo, o museu e a arte, que daquele passado é a figura eminente, se tornam lugares problemáticos. Em uma sociedade  que já não sabe o que fazer do seu passado, a arte se encontra premida entre a Cila do museu e a Caribdis da mercantilização. E muitas vezes, como acontece nos templos do absurdo que são os museus de arte contemporânea, as duas coisas coincidem.
Duchamp talvez tenha sido o primeiro a dar-se conta do beco sem saída em que a arte se meteu. O que faz Duchamp quando inventa o ready-made? Ele toma um objeto de uso qualquer, por exemplo, um vaso sanitário, e, introduzindo-o num museu, o força a apresentar-se como obra de arte. Naturalmente – a não ser o breve instante que dura o efeito do estranhamento e da surpresa – na realidade nada alcança aqui a presença: nem a obra, pois se trata de um  objeto de uso qualquer, produzido industrialmente, nem a operação artística, porque não há de forma alguma uma poiesis, produção – e nem sequer o artista, porque aquele que assina com um irônico nome falso o vaso sanitário não age como artista, mas, se muito, como filósofo ou crítico, ou, conforme gostava de dizer Duchamp, como “alguém que respira”, um simples ser vivo.
Em todo caso, certamente ele não queria produzir uma obra de arte, mas desobstruir o caminhar da arte, fechada entre o museu e a mercantilização.  Vocês sabem: o que de fato aconteceu é que um conluio, infelizmente ainda ativo, de hábeis especuladores e de “vivos” transformou o ready-made em obra de arte. E a chamada arte contemporânea nada mais faz do que repetir o gesto de Duchamp, enchendo com não-obras e performances em museus, que são meros organismos do mercado, destinados a acelerar a circulação de mercadorias, que, assim como o dinheiro, já alcançaram o estado de liquidez e querem ainda valer como obras. Esta é a contradição da arte contemporânea: abolir a obra e ao mesmo tempo estipular seu preço.
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Sobre o autor
Giorgio Agamben nasceu em Roma em 1942. É um dos principais intelectuais de sua geração, autor de muitos livros e responsável pela edição italiana das obras de Walter Benjamin. Deu cursos em várias universidades europeias e norte-americanas, recusando-se a prosseguir lecionando na New York University em protesto à política de segurança dos Estados Unidos. Foi diretor de programa no Collège International de Philosophie de Paris. Mais recentemente ministrou aulas de Iconologia no Istituto Universitario di Architettura di Venezia (Iuav), afastando-se da carreira docente no final de 2009. Sua obra, influenciada por Michel Foucault e Hannah Arendt, centra-se nas relações entre filosofia, literatura, poesia e, fundamentalmente, política. Entre seus principais livros destacam-se Homo sacer (2005), Estado de exceção (2005), Profanações (2007), O que resta de Auschwitz (2008) e O reino e a glória (2011), os quatro últimos publicados no Brasil pela Boitempo Editorial.
ebooks
Todos os títulos de Giorgio Agamben publicados no Brasil pela Boitempo já estão disponíveis em ebookscom preços até metade do preço do livro impresso. Confira:

sábado, 18 de junho de 2016

Um disparate a poesia

Um disparate a poesia

Se me invade
a agonia

Que não mate
a utopia

Cachorro late
burro mia

Chocolate
é uma fria

No meu chat
ela lia

um kilowatt
todo dia

E se bate
a porfia

Não se engane
com alegria

Sou ateu
por primazia

Estou atê
de entropia

Desempate
a partida

Mas não desate
a aporia

Um disparate
a poesia

O engraxate
não sabia

O que era
A anarquia

Amor de espacate
arrepia

Sem abacate
dor de barriga

Cor escarlate
desaparecia

E se não sabe
então não chia

Disse é golpe
Desconfia

Que não bate
c'a democracia

Com mil quilates
eu te diria

Compram até
a policia

O arremate
o galo pia

E no futuro
a utopia








sexta-feira, 17 de junho de 2016

"... era pra ser apenas de poesia"

Poemas e poemas do amigo Rafael - O batata sem umbigo

"A arte de metalinguar
nos dias de hoje
é muito boa de se usar
por isso eu digo jovens:
- Metalíngua
- Metalíngua"

Metaosolhos no Zine dele:

http://batatasemumbigo.blogspot.com.br/2016/06/zine-novo-era-pra-ser-apenas-de-poesia.html

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Aposentadoria por idade híbrida ou mista (Art, 48, § 3° Lei 8.213/91) : o que é?

Trata-se de novidade introduzida pela Lei 11.718/2008, que deu nova redação ao art. 48 da Lei 8.213/91, incluído no § 3º uma nova espécie de benefício de aposentadoria por idade conceituada pela maioria da doutrina como do tipo "híbrida" ou "mista", benefício previdenciário destinado ao trabalhador rural quando completos os 65 anos de idade, se homem, e 60 anos, se mulher.
Vejamos a redação do § 3º:
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo,mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)
A inclusão desse parágrafo ao art. 48 traz uma nova esperança de alcançar a tão sonhada aposentadoria pelos trabalhadores rurais.
Ao contrário do que acontece quando o pedido administrativo versa sobre aposentadoria por idade rural "pura" (aquela prevista no art. 48, § 2º), o tempo de contribuição urbana do segurado não implicará em indeferimento do benefício. Ao avesso, servirá para computação do tempo de carência mínima exigida - ver tabela do artigo 142 da Lei 8.213/91 - para concessão da aposentadoria. Noutras palavras, o tempo urbano deixará de ser o vilão da história, sendo somado ao tempo rural para fins de preenchimento de carência mínima.
O cálculo do benefício obedecerá a regra do art. 29II, da Lei8.213/91 (80% dos maiores salários de contribuição), sendo a RMI calculada com base nos salários de contribuição recolhidos a partir de julho/1994 e, para o tempo como segurado especial (quando não há recolhimento de contribuições), será considerado o valor mínimo para salário-de-contribuição, no caso, o salário mínimo. Assim, é possível que o valor do benefício do segurado supere o salário mínimo, o que não ocorre nos casos de concessão da aposentadoria por idade rural "pura".
Muitos trabalhadores rurais que tentaram a receber do INSS a aposentadoria por idade rural "pura" nos termos do art. 48§ 2º, da Lei 8.213/91 e não tiveram direito ao benefício pela não comprovação do "efetivo exercício da atividade rural" durante todo o período de carência exigido pela lei, mesmo que tenha recorrido ao Poder Judiciário, poderão ter uma nova oportunidade de se aposentar. Isso porque tratam-se de benefícios totalmente diferentes não sendo operada a coisa julgada.
Contudo, é preciso antes requerer o benefício administrativamente e, como não há no sistema de agendamentos da Previdência Social, essa espécie de benefício, o pedido deverá ser agendado como "Aposentadoria por Idade Rural". No dia e hora marcados para o atendimento na Agência da Previdência Social escolhida pelo segurado, deverá ser formular, por escrito, um requerimento administrativo informando que o benefício pretendido é aquele previsto no § 3º, do art. 48, da Lei 8.213/91, isto é, o de aposentadoria por idade rural do tipo "híbrida" ou "mista".
Importante: Conforme regra expressa no § 4º, do art. 51, do Decreto n.º 3.048/99, o benefício será concedido ainda que na DER (data de entrada do requerimento), o requerente não se enquadre como trabalhador rural:
4º Aplica-se o disposto nos §§ 2o e 3o ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural.(Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).
Esse entendimento também é confirmado pelo STJ: REsp 1407613/RS e REsp 130951/SP.
Veja ainda:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48§§ 3º e , DA LEI 8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO. LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DE IMPLEMENTAR O REQUISITO ETÁRIO OU O REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADA. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO RURAL. 1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na aposentadoria por idade prevista no art. 48§ 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento de implementar o requisito etário ou o requerimento administrativo era trabalhadora urbana, sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural anterior à Lei8.213/1991 não pode ser computado como carência. 2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher." 3. Do contexto daLei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e para os rurais (§§ 1º do art. 48 da Lei 8.213/1991). 4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, a idade é reduzida em cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39I, e 143 da Lei 8.213/1991). 5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e  no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência. 6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto ao tratamento previdenciário. 7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48§§ 3º e , da Lei8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre a evolução das relações sociais e o Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário. 8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial, pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a aposentadoria por idade rural não exige. 9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural, em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais. 10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48§§ 3º e , da Lei 8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da inovação legal aqui analisada. 11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§ 1º e 2º da Lei 8.213/1991). 12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação. 13. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48§ 3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas regras. 14. Se os arts. 26III, e 39I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48§ 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições. 15. Agravo Regimental não provido.
STJ - AgRg no REsp 1497086 / PR, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2014/0296580-0, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, Data do Julgamento: 10/03/2015, DJe: 06/04/2015.
O benefício foi criado para resguardar milhares de trabalhadores do campo que na busca de condições mínimas existências, deixaram suas famílias e buscaram, nos grandes centros urbanos, um meio de subsistência. A maioria foi empregada pela construção civil, foram também porteiros, auxiliar de serviços gerais, os conhecidos "Severinos". No entanto, a saudade da família e do campo, associada ao desemprego pela ausência de instrução e qualificação profissional desses obreiros, fez com que esses mesmos segurados, alguns anos depois, voltassem para as suas casas e continuassem a labuta rural juntamente de suas famílias.
O chamado "êxodo rural" implicou em milhares de indeferimentos de aposentadoria pelo alcance da velhice por esses segurados. Com a criação dessa nova espécie de benefício esses segurados deixarão de ser prejudicados pela alteração da categoria profissional e poderão ter mais uma chance de alcançar a tão sonhada aposentadoria por idade.
Fonte: http://giselejuca.jusbrasil.com.br/artigos/111825756/aposentadoria-por-idade-rural-hibrida-ou-mista-uma-novidade-para-muitos