quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A democracia como incerteza

Domingos da Cruz, Por dentro da África Luanda

Um juízo possível sobre a democracia é: não é o melhor sistema político, mas é o menos prejudicial à pessoa humana — disto parece não haver dúvidas.

Mas esta menor periculosidade da democracia para com a dignidade humana, reside entre várias dimensões, no princípio e na prática da incerteza democrática. A democracia é igualmente o único sistema político capaz de auto-revisão. Por exemplo, uma lei injustiça numa democracia, os mecanismos democráticos estão hábeis para alterá-la. Ao contrário da tirania. Uma decisão injusta de um presidente, pode ser freada por outros poderes que desempenham o papel de contrapeso. Como e onde podemos encaixar a incerteza no jogo democrático? Quando um partido e um candidato a deputado ou à presidência têm certeza que chegarão ao poder numa suposta disputa eleitoral, é um sinal claro de que, estamos perante qualquer coisa, menos uma democracia.

Na democracia, é incerto a ascensão ao cargo eletivo. Aliás, nem sequer podemos falar em eleições, naqueles casos em que o candidato ou os candidatos têm certeza de que serão eleitos. Quando menos denomina-se um simulacro eleitoral!

A incerteza reina em todos os campos da vida democrática: no judiciário, no executivo e no legislativo. Quanto ao executivo, quantas vezes presidentes e primeiro-ministros viram seus projetos e intenções chumbadas pelos parlamentos? Quantas vezes vimos orçamentos a serem travados pelo parlamento ou serem escrutinados pelos tribunais constitucionais por inconstitucionalidades?

Para Przeworski, só existe consolidação da democracia «quando a incerteza se institucionaliza: ninguém pode controlar os resultados do processo ex post, os resultados não são predeterminados ex ante e fazem diferença dentro de certos limites previsíveis» (1989:21). A deliberação é uma característica democrática que em si encerra a incerteza. De acordo com Juergen Habermas, uma das figuras centrais da democracia deliberativa — em democracia — as decisões administrativas e executivas devem ser justificadas com base na palavra dirigida aos donos do poder, o povo. Esta justificativa visa o convencimento com base na força do argumento, uma vez que os decisores, para os quais o povo delegou o poder, não se está certo se aprovarão ou não.

A questão da retórica na democracia, é tão seminal e fecunda que atraiu pensadores como sejam Narbal de Marsilc, Perelman e Rousiley Maia. Estes reafirmam a relação umbilical entre retórica, argumentação e democracia como uma das regras do jogo em sociedades abertas. Sobre o jogo democrático, na obra «O Futuro da Democracia», Norberto Bobbio apresenta a democracia como um jogo, cujo funcionamento e credibilidade, pressupõe o conhecimento das normas e aplicação das regras deste mesmo jogo.

«Nenhum concorrente em democracia, sabe se será eleito. As regras eleitorais possibilitam esta incerteza. E é a incerteza que fortalece a democracia […]. As regras do jogo, as quais integram o Estado de Direito, orientam e arbitram as relações sociais. Neste caso, diante da existência de regras, supomos como os indivíduos e as instituições se comportam numa democracia. Mas, no processo eleitoral, os concorrentes estão diante da incerteza da vitória. As regras eleitorais, quando respeitadas, possibilitam esta incerteza. E é esta incerteza que atrai a atenção de boa parte da sociedade […] para a disputa eleitoral», afirma Janguiê Diniz.

 O princípio da incerteza democrática é tão omnipresente que perpassa um concurso para emprego, para bolsa de estudo e de pesquisa e o judiciário. Numa democracia, ninguém tem certeza da decisão dos juízes ou do juiz. Só numa ditadura podemos ter a certeza sobre disputas em tribunais.

Fonte: http://www.pordentrodaafrica.com/politica/democracia-como-incerteza-por-domingos-da-cruz

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