quinta-feira, 25 de maio de 2017

O ELO CORPORATIVO? GRUPOS DE INTERESSE E FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO BRASIL

Dalson Figueiredo (UFPE)
Marcos Fanton (UFPE)

Em maio de 2005, um vídeo cai como uma bomba sobre o governo do então
presidente Luís Inácio Lula da Silva e os principais políticos do Partido dos Trabalhadores.
Nele, um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, era gravado recebendo propina e
explicando um suposto esquema de troca de favores entre parlamentares, empresas privadas
e Executivo. Era o estopim para o Mensalão, um esquema de corrupção que visava, em grande
medida, a aprovação de propostas políticas favoráveis ao governo através de pagamento ilegal
a parlamentares.

De lá para cá, os temas corrupção e a relação entre grupos de interesse e decisões governamentais não saíram da boca do povo, impulsionados pela Operação LavaJato.  Por que, fica a pergunta cotidiana, políticos e grupos privados possuem uma ligação tão estreita? Como e em que medida, fica a segunda pergunta, interesses privados influenciam a formulação de políticas públicas e, em particular, o comportamento congressual?

A resposta à primeira questão pode ser fornecida pela compreensão do desenho
institucional brasileiro e a exigente demanda de recursos para as campanhas políticas, dada a
alta competitividade inter e intra-partidária. O Brasil combina sistema proporcional de lista
aberta, distritos eleitorais de grande magnitude e ausência de cláusulas de barreira. Um dos
efeitos desse desenho é a alta competição política não apenas entre legendas rivais, mas
também entre políticos de um mesmo partido. Por exemplo, para se eleger para os cargos de
vereador, deputado estadual ou federal, o candidato deve triunfar, ao mesmo tempo, sobre
correligionários e oponentes. Logisticamente, a alta competitividade política exige
campanhas cada vez mais profissionalizadas, o que aumenta a demanda por recursos
eleitorais.

Aliado a isso, desde o primeiro registro histórico, a legislação nacional permitiu a
contribuição financeira de pessoas jurídicas, inclusive daquelas com finalidade lucrativa. Não
tardou para que os CNPJ’s se consolidassem como uma das principais fontes de recursos para
custear o processo eleitoral. Fernando Collor, primeiro presidente eleito depois de décadas de
ditadura militar, envolveu-se em um escândalo envolvendo repasses irregulares de recursos
para a sua campanha. Seu tesoureiro, PC Farias, despediu-se da vida de forma misteriosa e,
até hoje, não se sabe quem foi o seu algoz. Pouco tempo depois, FHC supostamente se
envolveu em um esquema de compra de votos para alterar o texto constitucional e permitir a
sua reeleição para o Executivo nacional. Até recentemente, a legislação permitia doações de
até 10% do faturamento anual da pessoa física e 2% da pessoa jurídica. Esta tradição só foi
rompida com o último entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2015, que
tornou inconstitucional as doações oriundas de empresas privadas.

Contudo, a segunda questão, que trata da relação entre financiamento de campanha,
resultados eleitorais e comportamento legislativo, adquiriu, apenas recentemente, maior
atenção por parte de pesquisadores nacionais, em particular, cientistas políticos. A primeira
análise sistemática foi realizada por um professor norte-americano da Universidade de
Minnesota, David Samuels. Desde então, o estudo sobre financiamento eleitoral começou a
ganhar corpo. Na Universidade de São Paulo, os professores Bruno Speck e Wagner
Mancuso têm liderado a produção de trabalhos nessa direção. Em 2015, o primeiro estudo
que conecta doações de campanha e comportamento legislativo no Brasil foi produzido
conjuntamente por professores da Universidade Federal de Minas Gerais e docentes da
Universidade Federal de Pernambuco. O artigo, que foi premiado pela Associação Brasileira
de Ciência Política, demonstra que a proporção de recursos corporativos influencia
positivamente a cooperação dos parlamentares com as demandas dos financiadores.

É importante mencionar que, a partir de 2002, o Tribunal Superior Eleitora (TSE)
começou a disponibilizar, em sua página virtual, dados desagregados sobre as prestações de
contas. Com um simples download e um pouco de habilidade computacional, é possível
observar padrões interessantíssimos. Por exemplo, candidatos a deputado federal com
declarações de R$1 e generosas doações empresariais na casa dos milhões. É possível ainda
classificar a origem dos recursos privados de acordo com a área de atuação da empresa
conforme o setor de atividade. Nesse sentido, a dificuldade de aquisição de dados não é
empecilho para a realização de novas pesquisas.

Há tempos que a interação entre interesses privados e instituições governamentais
é um tema canônico na ciência política internacional. É difícil imaginar um assunto mais
importante para a agenda política nacional atual do que a influência dos financiadores das
campanhas eleitorais. Com a vedação de doações empresarias, de onde virão os recursos para
financiar as eleições? A adoção de um sistema exclusivamente público de financiamento
eleitoral é capaz de diminuir a influência de interesses privados na pauta política do governo
e, ainda, o custo de campanhas eleitorais? A regulamentação das atividades de lobby poderia
ser uma solução mais eficaz? Essas e outras questões devem ser enfrentadas urgentemente
pelos pesquisadores nacionais.

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