Dalson Figueiredo (UFPE)
Marcos Fanton (UFPE)
Em maio de 2005, um vídeo cai como uma bomba sobre o governo do então
presidente Luís Inácio Lula da Silva e os principais políticos do Partido dos Trabalhadores.
Nele, um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, era gravado recebendo propina e
explicando um suposto esquema de troca de favores entre parlamentares, empresas privadas
e Executivo. Era o estopim para o Mensalão, um esquema de corrupção que visava, em grande
medida, a aprovação de propostas políticas favoráveis ao governo através de pagamento ilegal
a parlamentares.
De lá para cá, os temas corrupção e a relação entre grupos de interesse e decisões governamentais não saíram da boca do povo, impulsionados pela Operação LavaJato. Por que, fica a pergunta cotidiana, políticos e grupos privados possuem uma ligação tão estreita? Como e em que medida, fica a segunda pergunta, interesses privados influenciam a formulação de políticas públicas e, em particular, o comportamento congressual?
A resposta à primeira questão pode ser fornecida pela compreensão do desenho
institucional brasileiro e a exigente demanda de recursos para as campanhas políticas, dada a
alta competitividade inter e intra-partidária. O Brasil combina sistema proporcional de lista
aberta, distritos eleitorais de grande magnitude e ausência de cláusulas de barreira. Um dos
efeitos desse desenho é a alta competição política não apenas entre legendas rivais, mas
também entre políticos de um mesmo partido. Por exemplo, para se eleger para os cargos de
vereador, deputado estadual ou federal, o candidato deve triunfar, ao mesmo tempo, sobre
correligionários e oponentes. Logisticamente, a alta competitividade política exige
campanhas cada vez mais profissionalizadas, o que aumenta a demanda por recursos
eleitorais.
Contudo, a segunda questão, que trata da relação entre financiamento de campanha,
resultados eleitorais e comportamento legislativo, adquiriu, apenas recentemente, maior
atenção por parte de pesquisadores nacionais, em particular, cientistas políticos. A primeira
análise sistemática foi realizada por um professor norte-americano da Universidade de
Minnesota, David Samuels. Desde então, o estudo sobre financiamento eleitoral começou a
ganhar corpo. Na Universidade de São Paulo, os professores Bruno Speck e Wagner
Mancuso têm liderado a produção de trabalhos nessa direção. Em 2015, o primeiro estudo
que conecta doações de campanha e comportamento legislativo no Brasil foi produzido
conjuntamente por professores da Universidade Federal de Minas Gerais e docentes da
Universidade Federal de Pernambuco. O artigo, que foi premiado pela Associação Brasileira
de Ciência Política, demonstra que a proporção de recursos corporativos influencia
positivamente a cooperação dos parlamentares com as demandas dos financiadores.
É importante mencionar que, a partir de 2002, o Tribunal Superior Eleitora (TSE)
começou a disponibilizar, em sua página virtual, dados desagregados sobre as prestações de
contas. Com um simples download e um pouco de habilidade computacional, é possível
observar padrões interessantíssimos. Por exemplo, candidatos a deputado federal com
declarações de R$1 e generosas doações empresariais na casa dos milhões. É possível ainda
classificar a origem dos recursos privados de acordo com a área de atuação da empresa
conforme o setor de atividade. Nesse sentido, a dificuldade de aquisição de dados não é
empecilho para a realização de novas pesquisas.
Há tempos que a interação entre interesses privados e instituições governamentais
é um tema canônico na ciência política internacional. É difícil imaginar um assunto mais
importante para a agenda política nacional atual do que a influência dos financiadores das
campanhas eleitorais. Com a vedação de doações empresarias, de onde virão os recursos para
financiar as eleições? A adoção de um sistema exclusivamente público de financiamento
eleitoral é capaz de diminuir a influência de interesses privados na pauta política do governo
e, ainda, o custo de campanhas eleitorais? A regulamentação das atividades de lobby poderia
ser uma solução mais eficaz? Essas e outras questões devem ser enfrentadas urgentemente
pelos pesquisadores nacionais.
Marcos Fanton (UFPE)
Em maio de 2005, um vídeo cai como uma bomba sobre o governo do então
presidente Luís Inácio Lula da Silva e os principais políticos do Partido dos Trabalhadores.
Nele, um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, era gravado recebendo propina e
explicando um suposto esquema de troca de favores entre parlamentares, empresas privadas
e Executivo. Era o estopim para o Mensalão, um esquema de corrupção que visava, em grande
medida, a aprovação de propostas políticas favoráveis ao governo através de pagamento ilegal
a parlamentares.
De lá para cá, os temas corrupção e a relação entre grupos de interesse e decisões governamentais não saíram da boca do povo, impulsionados pela Operação LavaJato. Por que, fica a pergunta cotidiana, políticos e grupos privados possuem uma ligação tão estreita? Como e em que medida, fica a segunda pergunta, interesses privados influenciam a formulação de políticas públicas e, em particular, o comportamento congressual?
A resposta à primeira questão pode ser fornecida pela compreensão do desenho
institucional brasileiro e a exigente demanda de recursos para as campanhas políticas, dada a
alta competitividade inter e intra-partidária. O Brasil combina sistema proporcional de lista
aberta, distritos eleitorais de grande magnitude e ausência de cláusulas de barreira. Um dos
efeitos desse desenho é a alta competição política não apenas entre legendas rivais, mas
também entre políticos de um mesmo partido. Por exemplo, para se eleger para os cargos de
vereador, deputado estadual ou federal, o candidato deve triunfar, ao mesmo tempo, sobre
correligionários e oponentes. Logisticamente, a alta competitividade política exige
campanhas cada vez mais profissionalizadas, o que aumenta a demanda por recursos
eleitorais.
Aliado a isso, desde o primeiro registro histórico, a legislação nacional permitiu a
contribuição financeira de pessoas jurídicas, inclusive daquelas com finalidade lucrativa. Não
tardou para que os CNPJ’s se consolidassem como uma das principais fontes de recursos para
custear o processo eleitoral. Fernando Collor, primeiro presidente eleito depois de décadas de
ditadura militar, envolveu-se em um escândalo envolvendo repasses irregulares de recursos
para a sua campanha. Seu tesoureiro, PC Farias, despediu-se da vida de forma misteriosa e,
até hoje, não se sabe quem foi o seu algoz. Pouco tempo depois, FHC supostamente se
envolveu em um esquema de compra de votos para alterar o texto constitucional e permitir a
sua reeleição para o Executivo nacional. Até recentemente, a legislação permitia doações de
até 10% do faturamento anual da pessoa física e 2% da pessoa jurídica. Esta tradição só foi
rompida com o último entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2015, que
tornou inconstitucional as doações oriundas de empresas privadas.
contribuição financeira de pessoas jurídicas, inclusive daquelas com finalidade lucrativa. Não
tardou para que os CNPJ’s se consolidassem como uma das principais fontes de recursos para
custear o processo eleitoral. Fernando Collor, primeiro presidente eleito depois de décadas de
ditadura militar, envolveu-se em um escândalo envolvendo repasses irregulares de recursos
para a sua campanha. Seu tesoureiro, PC Farias, despediu-se da vida de forma misteriosa e,
até hoje, não se sabe quem foi o seu algoz. Pouco tempo depois, FHC supostamente se
envolveu em um esquema de compra de votos para alterar o texto constitucional e permitir a
sua reeleição para o Executivo nacional. Até recentemente, a legislação permitia doações de
até 10% do faturamento anual da pessoa física e 2% da pessoa jurídica. Esta tradição só foi
rompida com o último entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2015, que
tornou inconstitucional as doações oriundas de empresas privadas.
Contudo, a segunda questão, que trata da relação entre financiamento de campanha,
resultados eleitorais e comportamento legislativo, adquiriu, apenas recentemente, maior
atenção por parte de pesquisadores nacionais, em particular, cientistas políticos. A primeira
análise sistemática foi realizada por um professor norte-americano da Universidade de
Minnesota, David Samuels. Desde então, o estudo sobre financiamento eleitoral começou a
ganhar corpo. Na Universidade de São Paulo, os professores Bruno Speck e Wagner
Mancuso têm liderado a produção de trabalhos nessa direção. Em 2015, o primeiro estudo
que conecta doações de campanha e comportamento legislativo no Brasil foi produzido
conjuntamente por professores da Universidade Federal de Minas Gerais e docentes da
Universidade Federal de Pernambuco. O artigo, que foi premiado pela Associação Brasileira
de Ciência Política, demonstra que a proporção de recursos corporativos influencia
positivamente a cooperação dos parlamentares com as demandas dos financiadores.
É importante mencionar que, a partir de 2002, o Tribunal Superior Eleitora (TSE)
começou a disponibilizar, em sua página virtual, dados desagregados sobre as prestações de
contas. Com um simples download e um pouco de habilidade computacional, é possível
observar padrões interessantíssimos. Por exemplo, candidatos a deputado federal com
declarações de R$1 e generosas doações empresariais na casa dos milhões. É possível ainda
classificar a origem dos recursos privados de acordo com a área de atuação da empresa
conforme o setor de atividade. Nesse sentido, a dificuldade de aquisição de dados não é
empecilho para a realização de novas pesquisas.
Há tempos que a interação entre interesses privados e instituições governamentais
é um tema canônico na ciência política internacional. É difícil imaginar um assunto mais
importante para a agenda política nacional atual do que a influência dos financiadores das
campanhas eleitorais. Com a vedação de doações empresarias, de onde virão os recursos para
financiar as eleições? A adoção de um sistema exclusivamente público de financiamento
eleitoral é capaz de diminuir a influência de interesses privados na pauta política do governo
e, ainda, o custo de campanhas eleitorais? A regulamentação das atividades de lobby poderia
ser uma solução mais eficaz? Essas e outras questões devem ser enfrentadas urgentemente
pelos pesquisadores nacionais.
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