terça-feira, 4 de julho de 2017

Antropologia sob ameaça


Fonte: https://avidapublicadasociologia.wordpress.com/
Hoje há um evento importantíssimo no PPPCIS-UERJ (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ): trata-se do seminário 'Terras Indígenas, Violência no Nordeste e CPI da FUNAI', agendado para às 17:30 na sala 9031F. Entre os palestrantes, estarão presentes Antônio Carlos de Souza Lima, atual presidente da ABA, e Daniela Alarcon, doutoranda do Museu Nacional. Por que esse evento é tão importante?
Há pouco menos de um mês, o deputado Nilton Leitão (PSDB-MT) publicou o seu relatório final da CPI FUNAI INCRA 2, no qual pede indiciamento de mais de 60 pessoas, entre funcionários públicos, indígenas e antropólogos. O documento foi a peça final de uma comissão parlamentar de inquérito marcada por forte presença da bancada ruralista e por constantes ataques à Associação Brasileira de Antropologia e aos profissionais envolvidos com a produção de laudos antropológicos, entre os quais Daniela. Aos que tiverem interesse, recomendo a leitura do imenso documento, disponível aqui. Não li o documento inteiro - que é enorme -, mas nas páginas que li, distribuídas ao longo do texto, foi possível ver que a comissão concentrou seus esforços em ouvir colonos, agricultores e moradores de cidades e localidades nas quais havia histórico de conflitos de terra envolvendo indígenas ou quilombolas. Os indígenas - supostamente grandes interessados em discutir a FUNAI - praticamente não foram ouvidos, e antropólogos críticos da ABA ganharam destaque, enquanto profissionais envolvidos com a questão indígena foram tratados como suspeitos. Li até mesmo uma passagem do texto em que a simples citação à obra do historiador inglês E.P Thompson por parte de um antropólogo é interpretada como justificativa para fraude pericial, como se o simples recurso à História Oral fosse altamente suspeito.
A ABA tem reagido a essa ofensiva, como se pode ver aqui , mas o assunto não está merecendo a atenção devida. Parte da imprensa repercutiu o clima geral da comissão, em que a antropóloga Flávia Cristina de Mello, uma da responsáveis pelo estudo de identificação e delimitação da Tera Indígena Mato Preto, foi alvo de questionamentos machistas sobre supostos 'relacionamentos amorosos' com indígenas da região. Em depoimentos colhidos no relatório a respeito da situação no Oeste do Paraná, é visível a hostilidade às instituições de ensino superior e às próprias atividades de pesquisa realizadas por estudantes na região, por supostamente serem simples instrumentos de manipulação dos indígenas.
Parece-me claro que o trabalho público realizado por cientistas sociais deve estar submetido ao escrutínio e à crítica de qualquer cidadão, mas não se trata apenas disso. Desde a ascensão do deputado Eduardo Cunha, forças parlamentares mais conservadoras ganharam prestígio e voz no Congresso. Entre os seus alvos, estão as próprias ciências sociais e seus conceitos, como se pode ver em projetos do tipo 'Escola sem Partido' ou em numerosas iniciativas legislativas Brasil afora que procuram impedir o uso de conceitos há décadas consagrados, como 'gênero'. Infelizmente, a CPI da FUNAI INCRA 2 talvez seja mais um episódio assustador desse clima geral de hostilidade não apenas às ciências humanas, mas à própria universidade. Nesse sentido, o evento de hoje não poderia ser realizado em lugar melhor. Afinal, a UERJ talvez seja a vítima mais visível desse misto de hostilidade e desprezo que atinge em cheio as instituições de pesquisa no país. Sucesso ao evento e força à ABA!

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