sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Não são as pessoas, são as instituições

Por Bruno Carazza
Está na hora de encararmos o fato de que os Geddéis não tomaram a República de assalto por acaso: eles são frutos do sistema
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é este?
Que país é este?
Que país é este?
“Que país é este?” (Renato Russo)
Geddel Vieira Lima foi colega de turma de Renato Russo na adolescência. Era chamado do “Suíno” pelo futuro líder da Legião Urbana. Décadas depois, Geddel virou “Babel” na planilha da Odebrecht.
Geddel é filho de político – seu pai, Afrísio, foi deputado federal e dirigente de várias estatais e órgãos públicos na Bahia (Incra, Companhia Docas, Junta Comercial…). Durante toda a sua carreira política, Geddel quase sempre transitou ao redor do poder. Antes de se eleger deputado federal pela primeira vez, em 1990, foi diretor de estatais no mesmo Estado. Depois foram cinco mandatos na Câmara dos Deputados, sempre com funções de destaque: líder do PMDB, presidente de comissões, membro da Mesa Diretora.
Foi Ministro de Lula, vice-presidente da Caixa Econômica Federal com Dilma e Ministro novamente com Temer.
Ao longo da sua trajetória, Geddel sempre se envolveu em suspeitas de corrupção: foi acusado de desvio de dinheiro no Banco do Estado da Bahia, foi um dos anões do Orçamento, teve problemas com o TCU a respeito de favorecimento na liberação de recursos para obras e, na semana passada, revelou-se dono dos fabulosos R$ 51 milhões armazenados em caixas e malas num apartamento de Salvador.
A história de Geddel sintetiza bem um dos maiores mistérios da política brasileira: como criminosos conseguem se reeleger mandato após mandato mesmo sendo bombardeados por denúncias de corrupção ao longo das suas longas carreiras?
A resposta mais tradicional para o “paradoxo de Geddel” é que o brasileiro não sabe votar: não temos memória, não acompanhamos o noticiário político, acreditamos no “rouba, mas faz”. Para quem acredita nessa explicação, a Operação Lava Jato enche os corações de esperança de que estamos virando uma página na nossa história: dezenas de corruptos psicopatas dos mais variados partidos estão sendo investigados e condenados e nossa política está sendo finalmente purificada pela ação (tardia) da Justiça. Será mesmo?
É inegável que a condenação de peixes grandes como Geddel representa um marco num passado multissecular de impunidade em favor dos poderosos. Mas estamos avançando muito pouco para tomarmos medidas concretas, institucionais, para lidar com o problema da corrupção de forma sistemática.
Para tanto, precisamos encarar o mistério dos grandes corruptos que não largam o osso do poder de uma maneira mais técnica e menos passional: menos caderno de polícia, e mais caderno de política. Não são as pessoas, é o sistema. Não é o brasileiro que não sabe votar, são as instituições que garantem a eleição dos corruptos.
A teoria econômica possui dois institutos que acredito serem a chave para tratarmos de uma reforma institucional para o combate à corrupção em bases mais definitivas do que o “barata avoa” realizado pela Lava Jato: seleção adversa e risco moral.
Um sistema político que atrai criminosos e repele cidadãos de bem nos induz a comprar gato por lebre e a elegermos permanentemente Congressos que são verdadeiros “abacaxis” democráticos. Isso em economia se chama de seleção adversa: as regras disponíveis nos induzem a fazer escolhas erradas. Logo, não é o brasileiro que não sabe votar, é o sistema que é construído para beneficiar quem sabe jogar o seu jogo sujo.
Para piorar, uma vez eleitos, esses criminosos dispõem de “condições de trabalho” tão favoráveis que são levados a testar continuamente os limites éticos. O exercício de seus mandatos funciona sob a lógica do risco moral, como se protegido por um seguro contra condenações pelos sinistros que eles provocam ao Erário. Ao invés de temerem a aplicação severa da lei, nossos políticos contam com uma quase certeza de impunidade para praticarem seus “malfeitos”. Afinal, por aqui vale a máxima: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
Enfrentar o problema da corrupção de modo sistemático demanda, portanto, minimizar as oportunidades de seleção adversa nas eleições e de risco moral no exercício do mandato. E como se faz isso?
Para reduzir a seleção adversa, precisamos de sistemas eleitorais que privilegiem candidaturas mais baratas (distritos menores, com campanhas mais simples e limites de gastos baixos), partidos com estruturas mais transparentes e democráticas (minando o poder dos velhos caciques que controlam a arrecadação e a distribuição de dinheiro e combatendo as legendas de aluguel) e fontes de financiamento pulverizadas – partidos e candidatos têm que buscar dinheiro junto aos seus eleitores, e não no Orçamento Público ou em grandes empresas.
No combate ao risco moral, precisamos eliminar um amplo sistema de incentivos que contribui para a sensação de impunidade de quem exerce o poder: fim do foro privilegiado, regras de prescrição menos benéficas, forte restrição aos recursos protelatórios, maiores punições ao crime de caixa dois, melhor integração dos órgãos de controle – afinal, se o crime é organizado, Receita Federal, Polícia Federal, CGU, TCU, Ministério Público e outros órgãos também precisam se organizar e trabalhar juntos de forma sistemática, não é mesmo?
Reduzir as imensas oportunidades de rent seeking existentes no nosso presidencialismo de coalizão também ajudaria muito a reduzir tanto a seleção adversa quanto o risco moral na política brasileira: menos cargos em comissão, menos estatais, menos regulação estatal, vedação a regimes tributários especiais, menos subsídios (evoé, TLP no BNDES!), mais transparência e avaliação no Orçamento Público.
No dia de hoje, 15 de setembro, a ONU comemora o Dia Internacional da Democracia. Meu grande desejo é que esta data nos desperte para lutar por reformas que tornem nossa democracia menos vulnerável ao poder dos Geddéis e de todos que se beneficiam dessa lógica de seleção adversa e risco moral nas nossas instituições políticas.
Fonte: http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2017/09/15/nao-sao-as-pessoas-sao-as-instituicoes/

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