sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Procurador Regional da República comenta principais questões legislativas que envolvem o caso do juiz espanhol

De O Estado de S. Paulo

'Garzón não deveria ter sido punido por sua convicção jurídica'
Procurador Regional da República comenta principais questões legislativas que envolvem o caso do juiz espanhol

Christina Stephano de Queiroz, do estadão.com.br

SÃO PAULO - André de Carvalho Ramos, Procurador Regional da República e professor de direito internacional e comparado na Universidade de São Paulo opina que a condenação de Baltasar Garzón abre uma porta perigosa para que os magistrados fiquem intimidados com suas decisões. Em entrevista aoestadão.com.br, o advogado comentou as principais questões legislativas que envolvem o caso e criticou a decisão do Tribunal Superior da Espanha.
b-md-noticia-foto-autor">Susana Vera/Reuters
Manifestante apoia Garzón durante protesto em Madri

Estado: Qual era o pano de fundo jurídico do julgamento de Baltasar Garzón na Espanha?

André de Carvalho Ramos: O pano de fundo desse julgamento é o sigilo profissional dos advogados, algo que também existe na legislação brasileira. A constituição determina que o advogado é inviolável nos seus atos e manifestações durante o exercício profissional.

Estado: E esse sigilo que existe entre o advogado e seu cliente não pode ser quebrado em situação alguma?

André de Carvalho Ramos: Sim, pode ser, conforme a situação. E isso vale para tribunais de todo o mundo. A inviolabilidade da relação entre cliente e advogado não é absoluta, mas é preciso existir uma fundamentação muito forte para que ela seja rompida.

Isso significa que esse sigilo não pode servir de camuflagem à prática de crimes, ou seja, quando o advogado sai do seu papel tradicional de defensor e passa a ser um cúmplice ou auxiliar da prática criminosa, o sigilo com seu cliente pode ser rompido. No Brasil, já houve interceptação ambiental em escritórios de advocacia, pois o juiz avaliou que o advogado poderia estar participando do crime.

O que os juízes espanhóis entenderam é que Garzón não levou em consideração essa necessidade de fortes indícios de que o defensor estaria envolvido na prática criminosa. A condenação desta quinta-feira, 9, é uma questão de direitos humanos, pois a inviolabilidade do advogado não deve ser absoluta nos estados democráticos de direito. E os tratados de direitos humanos também aceitam um afastamento dessa inviolabilidade, ao dizer que a interceptação pode ser autorizada para defender outros direitos, como por exemplo o direito de segurança de um terceiro. Mas, repito, para isso, é preciso ter fortes indícios de que o defensor acoberta crimes.

A Espanha também admite esse afastamento em casos de investigação de terrorismo, por exemplo, porém neste julgamento foi considerado que não havia fundamento para que Garzón acreditasse que os advogados participavam do crime. O Tribunal Superior considerou que a conduta do juiz foi uma ofensa aos seus deveres de magistrado.

Estado: Qual a opinião do senhor sobre a condenação de Garzón?

A Espanha conta com um sistema jurídico chamado "juizado de instrução", no qual os juízes, como Garzón, também podem investigar. Na visão da lei brasileira, cabe ao juiz ser o vigilante das liberdades e quem investiga é o Ministério Público. Ou seja, no caso de Garzón, caberia ao acusador solicitar a quebra de sigilo entre advogado e cliente e ao juiz somente fundamentar. Quando o juiz também investiga e orienta acaba ocorrendo uma confusão de papéis. O Brasil e outros países tem reformulado seus sistemas legislativos de maneira a fortalecer o papel do Ministério Público e negar a existência do juiz de instrução, como Garzón, pois consideram que esses juízes são ranços inquisitivos na lei. O melhor, então, é ter os papéis separados.

Porém, independente disso, é preciso zelar para que o magistrado não seja punido por sua convicção jurídica, mesmo que ela esteja em dissonância com o que outros pensam. Não importa o sistema, no direito, agentes políticos, membros do ministério público e magistratura tem de atuar com independência funcional, sem temer que sua convicção jurídica possa levar a punições. As decisões de um magistrado devem ser protegidas em nome de sua independência funcional. A condenação de Garzón abre uma porta perigosa para que os magistrados fiquem intimidados com suas decisões. Se os magistrados vão tomar uma decisão polêmica, precisam ter liberdade para isso sem medo de serem afastados da carreira.

Fonte: Blog Nassif

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