Quando vamos enfrentar os cartéis que tomaram conta de nossas cidades?
Por Raquel Rolnik
Há pouco mais de duas semanas a revista Isto É denunciou um esquema montado para desviar recursos das obras do metrô e dos trens metropolitanos de São Paulo há quase 20 anos. Uma das integrantes do esquema, a multinacional Siemens, assinou um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, a fim de obter imunidade civil e criminal para revelar como diversas empresas se articulavam num cartel para ganhar as licitações da área de transporte sobre trilhos, superfaturar preços e desviar recursos das obras para distribuí-los entre os envolvidos. Segundo a Isto É, apenas em contratos com governos de São Paulo, “duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões.”
Em casos como este, a imprensa costuma focar seus holofotes no envolvimento dos gestores públicos – no prefeito, governador, secretário ou funcionário envolvido no “esquema” – e suas ligações com partidos e eleições, engrossando o caldo da tese de que o problema das contratações públicas é a corrupção endêmica do Estado brasileiro. Entretanto, raramente se aborda como as empresas operam para combinar os esquemas e repartir entre si as obras e seus lucros. Cartéis de empresas que controlam a coleta e destinação do lixo, que prestam serviços de transportes ou que executam grandes obras públicas é o “arroz com feijão” da gestão das cidades brasileiras. Pude testemunhar pessoalmente como as empresas prestadoras de serviço combinam e distribuem as obras e lotes de concessões entre si – definindo de forma cartelizada os preços –; e quando o poder público, seja em que nível for, municipal, estadual ou federal, não se submete a esses esquemas, ou seja, não contrata de acordo com essas combinações, as empresas inviabilizam qualquer tipo de contratação. O lock-out se dá, por exemplo, sob a forma de boicote das licitações (que podem ser esvaziadas), de recursos no judiciário interpostos aos resultados das licitações, adiando indefinidamente o início das obras e a prestação dos serviços… E aí o gestor – ou responsável político – tem que responder para a população por que o lixo está acumulado no meio da rua, ou por que a anunciada nova intervenção não saiu até agora…
É verdade que repartir – com os gestores pessoalmente ou com fundos partidários – os lucros dos esquemas com as empresas tem sido a resposta predominante por parte do Estado, resposta que, além de perpetuar os esquemas, prejudica a população já que o superfaturamento significa um gasto maior, pago pelos cidadãos…
Como qualquer outro caso, obviamente, este escândalo nas contratações das obras do metrô e dos trens de São Paulo precisa ser apurado, os responsáveis punidos e os recursos públicos desviados têm que ser ressarcidos. No entanto, mais uma vez temos a chance de discutir – e a imprensa, no geral, se exime de fazer isso – como esse modelo tomou conta das contratações em nossas cidades e estados. Em algum momento teremos que enfrentar esta questão.
Fonte: Aldeia Gaulesa
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