sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Como entender os sentidos do lulismo


O LULISMO NO BRASIL

Publicado Jornal ANotícia - 06 d setembro d 2013
Os cientistas políticos têm buscado entender o fenômeno político brasileiro da ascensão de Lula ao poder e as transformações provocadas no cenário nacional dos pontos de vistas social, político e econômico. Os Sentidos do Lulismo, livro de André Singer, pode ser considerado uma das análises sociológicas da política contemporânea 2002-2012 mais profícuas.
O autor desenvolve argumentos sustentando que o lulismo substituiu a velha polarização esquerda/direita por uma nova, entre ricos e pobres. Mas a conexão mais importante desse argumento se dá na comparação com o bonapartismo de O Dezoito Brumário, no qual Marx analisa o golpe de Estado de 1851. Talvez a passagem que assemelha as experiências seja aquela presente em Singer, de que “cada fração de classe pode cultivar o seu lulismo de estimação” e a frase de Marx : “Bonaparte gostaria de aparecer como benfeitor de todas as classes”.
Na política, disse Marx, não se pode dar a uma classe sem tirar de outra. “Bonaparte queria passar como o homem mais obligeant da França.” Para fazê-lo, tinha o apoio popular. A grande massa da nação francesa é constituída pela simples adição de grandezas equivalentes, mais ou menos como as batatas num saco formam um saco de batatas, por essa razão “incapaz de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome [...] Não podem representar-se, têm que ser representados. Seu representante tem que aparecer ao mesmo tempo como senhor e como autoridade sobres eles”.
Na tradição da França, esse homem fora Napoleão, que realizou a ideia da classe mais numerosa do povo francês. Na tradição brasileira de que fala Victor Nunes Leal, no Coronelismo Enxada e Voto, esse ideal era traduzido nos “painhos” do PFL e, depois, do DEM, até que, segundo Singer, aparecesse Lula, para converter a massa que derrotara o PT em 1989 em base de sustentação.
Por Jeison Giovani Heiler, PROFESSOR UNIVERSITRÁRIO E CIENTISTA POLÍTICO
Disponível: http://wp.clicrbs.com.br/painelregional/2013/09/06/artigo-o-lulismo-no-brasil/?topo=84,2,18,,,84

Versão Completa do Artigo:



André Singer - "Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador"


Em resumo, o livro de Singer pode ser tido como análise sociológica da política brasileira contemporânea - 2002-2010 - sob a perspectiva da luta de classes. E, apertada síntese, pode-se dizer que o autor põe em cotejo as seguintes hipóteses1:

a) O lulismo é fruto, ou originador, de um deslocamento do subproletariado como fração de classe - Hipótese que deságua na comparação entre o lulismo e o bonapartismo de "O Dezoito Brumário" de Marx.

b) O estado sob o lulismo empreendeu um modelo de "arbitragem" entre as classes fundamentais, buscando o eterno ponto de equilíbrio, que poder-se ia comparar ao modelo rooseveltiano;


c) as mudanças do modelo podem ser entendidas como um reformismo fraco;
d) o lulismo substituiu a velha polarização esquerda/direita por uma nova polarização entre ricos e pobres.

Além disso o autor desenvolve outros argumentos que são mais marginais a estes sublinhados, como por exemplo, a idéia de que o lulismo não seria mero resultado de um contexto econômico favorável no cenário internacional - commodities, colapso de 2008. (2012, p. 176,7, 180) ou o argumento de que Lula não significou mero continuísmo do período FHC (2012, p. 181).


O argumento de que o lulismo engendrou o deslocamento de classe2 parece central ao livro e se conecta, de alguma forma, com todas as demais teses presentes. Dele decorrem a idéia de que o PT teria se tornado o "Partido dos Pobres" (2012, p. 34, 117) e de que o Bolsa Família e outras estratégias de transferência de renda (crédito consignado, valorização do salário mínimo, controle inflacionário) foram centrais para o sucesso do lulismo, apesar de vozes discordantes - Samuels, Hunder e Power (2012, p. 104).

Mas a conexão mais importante e imaginativa desse argumento se dá na comparação do lulismo ao bonapartismo do "O Dezoito Brumário" no qual Marx analisa o golpe de Estado de 1851, que derruba a república francesa e eleva Luís Bonaparte ao trono. Talvez a passagem que melhor assemelhasse as duas experiências seja aquela presente em Singer de que "Cada fração de classe pode cultivar o seu lulismo de estimação" (2012, p. 202) e a frase escrita por Marx entre 1851 e 1852 "Bonaparte gostaria de aparecer como benfeitor de todas as classes". (1969, p. 124).

Na política, disse Marx, não se pode dar a uma classe sem tirar de outra. "Bonaparte queria passar como o homem mais obligeant da França" Para fazê-lo tinha o amplo apoio popular de uma imensa massa de camponeses atomizada "A grande massa da nação francesa é constituída pela simples adição de grandezas equivalentes, mais ou menos como as batatas num saco formam um saco de batatas. (MARX, 1969, p. 115) por essa razão "incapaz de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome [...] Não podem representar-se, tem que ser representados. Seu representante tem que aparecer ao mesmo tempo como senhor e como autoridade sobres eles" (idem, p. 116). Na tradição histórica da França esse homem fora Napoleão, encarnado no sobrinho que realizou a idéia fixa da classe mais numerosa do povo francês. Na tradição histórica brasileira de que fala Victor Nunes Leal no "Coronelismo Enxada e Voto" esse ideal era costumeiramente traduzido nos "painhos" do PFL e depois do DEM, até que, segundo Singer, aparecesse Lula, para converter a massa que derrotara o PT na eleição de 1989 (2012, p. 57) na sua base de sustentação política.

O argumento é elegante. E nos parece crível. Mas subsiste aberta a relação causal. Analisando-se por exemplo, a crescente perda de espaço eleitoral da direita conforme indicado por Meneguello3 e a concentração ao centro dos sistemas partidários como assevera Sartori, citado por Singer (p. 213) deixa de ser tão evidente essa causalidade. Já que estes fatores é que poderiam ter dirigido o eleitor empobrecido e pouco educado para o lulismo. O que, em termos práticos, reduziria a imagem de construção de uma maioria natural ao PT ao mesmo tempo que poderia suscitar outros discursos, que não necessariamente o lulismo, aos partidos concorrentes, por exemplo.

Desse argumento decorre diretamente o argumento segundo o qual a polarização esquerda/direita teria sido substituída pela nova antítese entre ricos e pobres (2012, p. 201).

A esse respeito entendemos que caberia perscrutar com mais profundidade se, efetivamente, foi o apoio do subproletariado que engendrou a sustentação social do PT durante o mensalão e a vitória eleitoral de 2006. Ou, se não parece mais correto o argumento de Boito (2007, 2012a, 2012b) para quem foi o apoio da burguesia interna, como fração de classe burguesa, que trouxe o apoio necessário à vitória eleitoral, já na eleição de 20024, mas principalmente na eleição pós-mensalão de 2006.


A aceitação de que esteve presente o apoio de uma fração da burguesia interna na eleição do PT, em alguma medida, pode minar os principais argumentos de Singer. Já que deixaria de ter sentido, por exemplo a superação da polarização esquerda/direita e sua substituição pela polarização entre ricos e pobres.

Por outro lado o argumento do Estado/Executivo como árbitro dos conflitos de classe parece-nos bastante acertado. Embora esteja ausente, em alguma medida, a idéia de que as classes burguesas também podem se apresentar em frações distintas, divididas por interesses divergentes.


Referências

SINGER, André Vitor. Os sentidos do lulismo: Reforma Gradual e pacto conservador. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras. 2012.

BOITO Jr, Armando. Estado e burguesia no capitalismo neoliberal, Revista de Sociologia e Política, n. 28, 2007, pp. 57- 75.

_______, Governos Lula: a nova burguesia nacional no poder, In Armando Boito Jr. e Andréia Galvão, Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000. São Paulo: Editora Alameda, 2012

_______, As bases políticas do neodesenvolvimentismo. Texto apresentado no Fórum Econômico da FGV-SP edição de 2012. Disponível: http://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/file/Painel%203%20-%20Novo%20 Desenv%20BR%20-%20Boito%20-%20Bases%20Pol%20Neodesenv%20-%20PAPER.pdf

MARX, Karl. O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1969.

1 As três primeiras hipóteses estão presentes, nominalmente, na página 28, a hipótese d, é apresentada na pagina 32.
2 Apesar de que, em alguma medida, a questão da relação causal fica em aberto, qual seja: foi o lulismo que engendrou o deslocamento do subproletariado ou foi o deslocamento desta fração de classe que engendrou o lulismo? (SINGER, 2012, P. 56)
3 Comunicação oral no I Seminário do Grupo de Pesquisa em Política Brasileira da UNICAMP, julho de 2013.
4 Uma evidência importante deste apoio encontra-se na identificação dos financiadores da campanha do PT em 2002 no qual figuram doações com cifras que alcançam R$ 1 milhão (Instituto Brasileiro de Siderurgia) repassadas por grandes empresas identificáveis na fração de classe classificada por Boito como Burguesia Interna. Na eleição de 2002 o candidato Lula declarou a arrecadação de R$ 21 milhões.

Anexo


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