sábado, 1 de março de 2014

Carnaval, pode misturar com criminologia crítica? Claro que pode!

João Baptista Herkenhoff
          O desmancha prazeres é a pessoa que deixa todo mundo calado e muda o clima reinante, de bom para ruim. Numa roda de conversa sobre música popular brasileira, ele resolve defender a tese de que música de verdade só mesmo a de Mozart e Chopin. Tudo o mais é lixo. O desmancha prazeres é, decididamente, um indivíduo que só com muita paciência pode ser suportado.
          Tratar de qualquer outro tema, no artigo de hoje, fugindo do tema Carnaval, é agir como um desmancha prazeres. Quero ficar livre desse estigma.

Comecemos pelas escolas de samba. Na presença entusiasmada da gente mais simples do povo brasileiro, em escolas de samba e blocos de Carnaval, vejo, dentre outros aspectos, a profunda busca de identidade, tão forte na alma humana.  Quem pertence a uma escola de samba tem endereço, raiz, deixa de ser alguém sem lenço e sem documento. Vibro com as escolas sim, mas vibro mais ainda com o rosto feliz dos sambistas.  Esses rostos me enternecem.

Com muita frequência aqueles que cometem crimes não têm uma identidade que os faz pessoas, na sociedade em que vivem. Só no submundo do crime têm nome e são ouvidos. As escolas de samba permitem que os mais pobres dentre os pobres, pelo menos por um dia sejam aplaudidos nas avenidas e reconhecidos como gente com alma e coração. Na biografia de valorosos cidadãos que prestaram grandes serviços à comunidade, não é raro registrar-se que passaram por uma escola de samba.

Se houvesse menos preocupação em punir e lotar as prisões e mais preocupação com ações educativas e de valorização humana, a criminalidade teria uma imensa redução.

O desfile de uma escola de samba é o teatro do povo, e o teatro, por uma longa tradição histórica, construiu consciências. Não é por acaso que as ditaduras sempre perseguiram o teatro, proibiram a apresentação de peças, encarceraram autores e atores. Também temas de escolas de samba foram vetados na mais recente ditadura brasileira. Hoje vivemos no Brasil um clima democrático, onde as escolas de samba podem satirizar a presidente da República, os governadores, os prefeitos, os vereadores, os deputados, os senadores, os magistrados. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelo povo nos dias de hoje, que tesouro sem preço é a Liberdade.

Bela saga do povo brasileiro, na luta para “ser pessoa”: o sambista que se torna pessoa sambando; os populares que se tornam pessoas através da certidão de nascimento, do título de eleitor e da carteira profissional; o povo que trabalha e que sua, que tenta na praia “ser pessoa” ocupando as areias que a todos pertencem e que só um elitismo caduco pode pretender privatizar.
João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado (ES) e escritor. Autor, dentre outros livros, de:Encontro do Direito com a Poesia – crônicas e escritos leves (GZ Editora, Rio de Janeiro).
É livre a divulgação deste artigo por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário