quinta-feira, 6 de março de 2014

Como seria se tivesse um pênis dourado?

Por Jeison Giovani Heiler*

Ser mulher deve ser uma experiência fantástica. Não à toa tantos e tantos queiram ver as coisas sob este ângulo ontolôgico do ser. Mas a sociedade, assim compreendidos todos que fazemos parte da sociedade, incluindo eu mesmo, apesar de todos os discursos não temos compreendido bem o sentido [ontológico de ser mulher. É preciso fazer um esforço enorme para compreender certas questões do gênero, olhando apenas do lado de cá das coisas. Por isso convido aos macho-alfa, todos que assim como eu, indivíduos portadores do sexo fálico, a imaginar o seguinte: e se tivéssemos este sexo recoberto de ouro puro? É, e se o pênis além do prepúcio tivesse uma espécie de capinha de ouro de onde saltasse impávido para o ato sexual?

Pode ser, [não há garantias de que se possa competir com as vaginas] que isso fizesse do sexo, algo mais que meramente um sexo, ou um difusor ontológico de identidade, o que já é um problema em si nas sociedades burguesas-conservadoras. Isso traria ao sexo, propriedades que ultrapassam sua função reprodutiva. O sexo converter-se-ia em um objeto, adorado e perseguido com ganas fora do comum. Em uma palavra o órgão sexual sentiria na pele, com perdão do trocadilho, o resultado do processo de conversão de sexo à fetiche.

Muito desejado, este objeto atrairia comentários dos mais brilhantes ao mais grosseiros. Andar pelas ruas, deixaria de ser ato banal para converter-se num exercício perene de esquivas, de olhares, cantadas e da cobiça alheia despudorada, e absolutamente trivial, porque, afinal,  se alguém não desejar ardentemente um objeto fálico dourado é porque não é dotado de sã consciência e só pode ser detentor de alguma espécie ou tipo de distúrbio social, passível, inclusive, de tratamento, na avaliação de alguns.

Mas esse seria ainda o menor dos inconvenientes. Imaginemos que nas entranhas do ventre macho, ligadas ao membro dourado, estivessem, as trompas de falópio, os ovários e algo que chamaríamos de [útero. Com uma serie de  outros órgãos e glândulas que vamos omitir para não fazer deste breve ensaio um relatório anatômico feminino [agora masculino, que em resumo, tornariam possível, sabe-se lá por que espécie de milagre, a vida.

O primeiro inconveniente já pode ser adivinhado e consistiria em um sangramento que teimaria em se repetir em ciclos mensais mais ou menos regulares. Nestes períodos, o objeto fálico poderia adquirir colorações e odores que, apesar da sugestão contrária, não deixaria de atrair o desejo carnal do sexo oposto. Em algumas ocasiões este ciclo torrencial de sangue rubro escuro poderia cessar, dando lugar a nove meses de crescimento abdominal, que poderia levar o homem a quase [triplicar] a sua circunferência abdominal. Mero incômodo. Que, segundo a legislação vigente, a esta altura produzida por um plêiade de fêmeas insensíveis, não seria óbice para a continuidade de tarefas comuns como esfregar a louça sanitária e manter uma jornada de [quarenta e quatro horas] de trabalho semanais.

Ocorre, que por ser portador de um órgão sexual tão pujante e desejado, os homens já não poderiam simplesmente existir. Assim, simplesmente ou, naturalmente. Ao homem seria necessário e urgente todo o tipo de produção, maquilagens, cremes, loções, perfumes, tinturas e pinturas das mais várias ao nível infinito da criatividade humana. Artificialização esta que seria aproveitada sempre que a conveniência e as peças publicitárias de cervejas ou quaisquer outros artigos de uso majoritariamente feminino julgarem oportuno.

Desejado como uma vitela num poço de leões famintos ou como a água no deserto, contudo, não seria dado ao homem entregar-se às "futilidades da vida fácil". Nem tampouco seria ele o senhor único e exclusive de suas vontades. Descrição no comportamento, e decoro na escolha de suas companhias e dos lugares a frequentar seriam sempre exigências mínimas ao homem honesto e de família. Sua vida sexual, ou o uso que daria a seu objeto fálico dourado então seria alvo de intenso, e ardente controle social. Aqueles que atreverem a darem-no facilmente pelas esquinas ou pelas ruas e becos mal frequentados haverá de restar como certa a morte social. A exclusão das rodas de gente honesta e da possibilidades de bem casar. A eles estarão reservadas as letras musicais e os cantos de Geni, aquela boa de cuspir.

Uma vez que nas suas entranhas instaure-se a vida em tão ciosas circunstâncias, haverá aquela sociedade de rotular esse pungente ser de "filho de puto". Um dos mais infames epítetos que poderia ser dado a qualquer indivíduo desta sociedade. Daí em diante, a tragédia social haveria de expandir sua garganta e exibir seus dentes. A vida deste sujeito portador de sexo fálico dourado dividir-se ia em trabalhar as quarenta e quatro horas semanais e alimentar seu rebento, sem esquecer de todas as exigências sociais anteriores ainda em vigor e que não revogam-se mas multiplicam-se a cada dia, tanto quanto mais completo e perfeito o processo de fetichização do orgão sexual em mercadoria.

O autor é bacharel em Direito (CATOLICA SC), mestre em Sociologia Política (UFSC) e doutorando em Ciência Política (UNICAMP) é co-autor de duas coletâneas de poesia - "Prosa e verso volume II" (2003) e "Prosa e Verso volume III" (2004) - editadas pela Editora Nova Letra de Blumenau e de uma coletânea de contos "Contos Jaraguaenses: Trinta escritores, trinta contos" (2007), editada pela Editora Design de Jaraguá do Sul. É autor de livro "Democracia o Jogo das incertezas" editado pela Nova Editora Acadêmica (2014) e co-autor e organizador do Livro "Doze anos dúzias de histórias" (2013) editado pela Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul.

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