quinta-feira, 17 de abril de 2014

Euclides - IV -

É madrugada. Por horas, Euclides apenas ouve as histórias que lhe contam. Nas ruas das cidades, e debaixo de suas pontes, viadutos, e nos bancos de suas praças, há  muito mais filosofia do que supõem nossos preconceitos vãos. Pensa em confidenciar este pensamento que de alguma forma remete a Shakeaspeare. Porem mesmo ali acha Shakeaspeare pedante demais. Em parte também pela distância da frase original, algo que sua imaginação ébria àquela altura não consegue remediar por mais que se esforce. Impressionava-lhe o grau de normalidade que continha o cotidiano da vida na rua. Mesmo para aqueles que pelos mais variados dribles do destino passavam a viver de certa forma à margem do sistema, o cotidiano, os ciclos vitais continuavam a ser os mesmos. Neste momento, nada é mais impressionante para Euclides do que essa descoberta.  Por anos, observara de longe essas figuras, que por vezes pareciam ter sido pintadas para marginalizar um pouco o cenário. Para dar-lhe um aspecto mais realista. “Ora esta é a realidade pensava sempre consigo”. Mas nunca avançou para além desta constatação. Jamais dera a nenhum mendigo, como então se referia as estas pessoas, mais do que um olhar que durasse no máximo 3 segundos. Três segundos. Sem saber porque, sem nunca ter cronometrado esse tempo Euclides lembrou dele agora. Pensou no que seria possível fazer em três segundos. Pensou se tivera dado a todos eles, se somado todo o tempo, algo que chegasse a um minuto. Não. Euclides jamais ter-lhes ia dispensado um minuto inteiro, com todos os seus sessenta segundos. No entanto, agora chamavam-lhe a atenção. Perguntavam-lhe, quais eram as razões para que seus olhos se enchessem de lágrimas. A conversa cessara havia algum tempo. O silêncio de Euclides despertara a atenção dos outros. Seu silêncio. Quantas vezes sentira-se irritado com a insistência dalgum maltrapilho a contar-lhe seus problemas. A pedir-lhe um mínimo de atenção. No entanto, mais uma vez não teve forças, ou coragem para dizer nada. Permaneceu mudo durante ainda algum tempo. Fitou cada um daqueles homens. Fitou cada olhar. Por muito mais que três segundos. Ainda mudo Euclides busca levantar-se. Seus sentidos estão sob efeito etílico, e mesmo que seus braços fracos queiram evitar, dois daqueles seres humanos das sarjetas, sustentam seu peso e impedem-lhe que caia. Euclides repele a ajuda. Cambaleante distancia-se daqueles homens. São como anjos. Pensa consigo. Estiveram sempre aqui. E nunca dei-lhes pela existência.

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