É
madrugada. Por horas, Euclides apenas ouve as histórias que lhe contam. Nas
ruas das cidades, e debaixo de suas pontes, viadutos, e nos bancos de suas praças,
há muito mais filosofia do que supõem
nossos preconceitos vãos. Pensa em confidenciar este pensamento que de alguma
forma remete a Shakeaspeare. Porem mesmo ali acha Shakeaspeare pedante demais.
Em parte também pela distância da frase original, algo que sua imaginação ébria
àquela altura não consegue remediar por mais que se esforce. Impressionava-lhe
o grau de normalidade que continha o cotidiano da vida na rua. Mesmo para
aqueles que pelos mais variados dribles do destino passavam a viver de certa
forma à margem do sistema, o cotidiano, os ciclos vitais continuavam a ser os
mesmos. Neste momento, nada é mais impressionante para Euclides do que essa
descoberta. Por anos, observara de longe
essas figuras, que por vezes pareciam ter sido pintadas para marginalizar um
pouco o cenário. Para dar-lhe um aspecto mais realista. “Ora esta é a realidade
pensava sempre consigo”. Mas nunca avançou para além desta constatação. Jamais
dera a nenhum mendigo, como então se referia as estas pessoas, mais do que um
olhar que durasse no máximo 3 segundos. Três segundos. Sem saber porque, sem
nunca ter cronometrado esse tempo Euclides lembrou dele agora. Pensou no que
seria possível fazer em três segundos. Pensou se tivera dado a todos eles, se
somado todo o tempo, algo que chegasse a um minuto. Não. Euclides jamais
ter-lhes ia dispensado um minuto inteiro, com todos os seus sessenta segundos.
No entanto, agora chamavam-lhe a atenção. Perguntavam-lhe, quais eram as razões
para que seus olhos se enchessem de lágrimas. A conversa cessara havia algum
tempo. O silêncio de Euclides despertara a atenção dos outros. Seu silêncio.
Quantas vezes sentira-se irritado com a insistência dalgum maltrapilho a
contar-lhe seus problemas. A pedir-lhe um mínimo de atenção. No entanto, mais
uma vez não teve forças, ou coragem para dizer nada. Permaneceu mudo durante
ainda algum tempo. Fitou cada um daqueles homens. Fitou cada olhar. Por muito
mais que três segundos. Ainda mudo Euclides busca levantar-se. Seus sentidos
estão sob efeito etílico, e mesmo que seus braços fracos queiram evitar, dois
daqueles seres humanos das sarjetas, sustentam seu peso e impedem-lhe que caia.
Euclides repele a ajuda. Cambaleante distancia-se daqueles homens. São como
anjos. Pensa consigo. Estiveram sempre aqui. E nunca dei-lhes pela existência.
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