Chega em casa cansado. Eles
dormem inocentes àquela hora noturna. Tira toda a roupa. Caminha até o
chuveiro. Abre a torneira. Pingo algum de água desce pelo chuveiro. Ouve o ar
arrulhando pelos canos secos. Aguarda alguns instantes. Há algumas dezenas de
produtos no armário junto ao chuveiro. Aqueles que se fazem líquidos despertam
o seu interesse selvagem. Quatorze vidros de Shampoo, condicionador, loção
pós-banho, removedor de esmalte, o
perfume paraguaio, desinfetante sanitário, são esvaziados sem qualquer
critério que pudesse responder à um último apelo da lógica vindo de sua cabeça
fatigada. Ainda nu sem reparar na toalha de banho cuidadosamente dobrada sobre
o armário a um dos cantos do banheiro avança para a porta que deixara aberta na
entrada. Ganha as escadas e desce os degraus de dez patamares sem escorregar por
algum tipo de milagre que protege os ébrios. No pátio do condomínio recebe o ar
gelado daquela madrugada de inverno. Um casal de namorados que vem surgindo por
detrás de um dos edifícios dá por sua presença. Avançam sob passos rápidos e
desaparecem por detrás do último edifício daquela fileira de um total de vinte
e dois. Há ainda outras duas fileiras
iguais acomodando prédios idênticos com apartamentos e cheios de pessoas a cada
vez mais parecidas. A consciência dessa
semelhança é embaraçosa. No último domingo jantaram com os pais dela. Um casal
feliz como se diz. Ele faz planos para o feriado e ela calcula os tostões para
a casa na praia. Mas o velho morreu dois dias depois. Não se sabe ao certo. Há
uma bactéria que agora não pode ser contida pelos antibióticos. Parece que a
ciência foi vencida. Uma nova epidemia se descortina embora os jornais ainda
não deem o alarde. Mas ele o sabe. Serie este o novo fato a conter a repetição
indelével dos dias todos e das mesmas coisas desde o fim da era das revoluções?
Esta pergunta se fez enquanto uma velha se detinha mais do que o razoável ante
o corpo inerte de seu sogro. Ela viajara alguns milhares de quilômetros para estar aí. Não
foi avisada pela família. Soube. Não disse nada a filha com quem morava na
Bélgica havia quinze anos. Vestiu-se de luto apanhou o passaporte e foi direto ao
aeroporto. Ao taxista ainda em Bruxelas respondeu, estou indo ao enterro do
amor de minha vida. Euclides, agora, diante do carro, dá-se conta de que não
trouxe as chaves. Se resigna enfim, andar nu tem lá os seus inconvenientes.
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