É bem possível que o leitor já tenha ouvido falar no Problema do
Pequeno Mundo (Small World Problem) mas não esteja ligando o
nome à pessoa. Batizada posteriormente de Seis Graus de Separação,
esta ideia sugere que qualquer pessoa do mundo pode ser ligada a uma outra
fazendo, no máximo, seis conexões pelo caminho. A teoria popularizou-se
na figura do ator americano Kevin Bacon que, dizia-se, podia ser conectado a outro
ator ou atriz através de apenas seis etapas.
Vamos fazer um teste? Didi atuou em "O
Trapalhão e a Luz Azul" com Rodrigo Santoro. Santoro trabalhou em
"Cinturão Vermelho", dirigido por David Mamet. Mamet foi roteirista
de "Ronin", cujo protagonista era Robert De Niro, que fez o padre
Bobby de "Sleepers, Vingança Adormecida", onde um dos guardas sádicos
era... Kevin Bacon. De Didi a Kevin Bacon em apenas cinco passos*.
Atualmente
chega-se, por email, a qualquer um, em qualquer país, através de apenas seis
mensagens. Mas Stanley Milgram demonstrou isso ao menos
três décadas antes da popularização dos emails. Ele enviou cartas a 296
voluntários escolhidos aleatoriamente, explicando que elas deveriam chegar a um
tal sujeito de Boston. Cada pessoa deveria enviar sua carta a alguém que ele
considerasse mais provável de fazê-la atingir seu destino final. Sessenta
e quatro chegaram (!!!) e a média de intermediários foi 5,2.
Uma
interessante contribuição de Milgram que nos mostra, olhando
retrospectivamente, que a tecnologia talvez não tenha encurtado o mundo
tanto assim†. Mas revela, certamente, a aguçada engenhosidade de um
dos mais controversos psicólogos do século XX. Oito anos antes, Stanley
Milgram estarreceu o mundo com um experimento que revelava o assustador
comportamento que transforma pessoas comuns em malvados algozes, capazes
de atrocidades inimagináveis. Demonstrou que cidadãos comuns, como eu e
você, podiam cruzar os tênues limites da maldade. Conheçam, a seguir,
o Estudo
Comportamental da Obediência.
* * * * * * * * * *
O
ano era 1961 e os tribunais de Jerusalém acabavam de julgar mais
um oficial nazista da Segunda Guerra
Mundial. Seguindo intensa investigação internacional o Mossad capturou Otto Adolf
Eichmann em Buenos Aires iniciando uma batalha
diplomática entre Israel e o governo argentino para levá-lo aos
tribunais. Condenado por quinze crimes de guerra e executado no ano seguinte,
Eichmann era considerado o "arquiteto do Holocausto" e suas
declarações chocaram o mundo por sua frieza e pelo modo como seus
subordinados seguiam cegamente suas ordens. Algumas delas iniciaram
verdadeiros genocídios nos campos de concentração nazistas.
A
teoria corrente sobre obediência apoiava-se nas rígidas cadeias hierárquicas da
SS e na lavagem cerebral a que os soldados eram submetidos desde as fileiras
mais baixas do exército. Pois Stanley Milgram acreditava que a resposta
estava mais no tipo de ambiente do que na autoridade em si. Sob sua
ótica, qualquer situação potencialmente persuasiva poderia levar
pessoas comuns a abandonarem seus princípios morais e cometerem as piores barbaridades.
* * * * * * * * * *
Depois
de cursar Ciências Políticas no Queens College, Nova Iorque, Milgram teve sua
inscrição para o curso de Ph.D. em Psicologia Social negado em Harvard, por não
ter background suficiente no tema. Só foi aceito depois de
cursar diversas disciplinas básicas e veio a concluir o curso em 1960. Sob a
tutela de Solomon Asch, ele participou dos estudos que mostraram como as pessoas cedem às opiniões do grupo a que
pertencem abandonando, inclusive, suas próprias convicções pessoais.
Asch
testou e confirmou suas hipóteses num ambiente até certo ponto inocente, num
experimento inócuo onde as pessoas tomavam decisões disfarçadas
num imaginário teste de acuidade visual. A proposta de
Milgram também era aparentemente inocente, mas seu experimento não tinha nada
de inócuo. Seus incautos voluntários seriam testados em situações de estresse
extremo, nas quais precisariam colocar à prova seus mais intrínsecos valores
morais.
* * * * * * * * * *
Imagine
que o leitor responda a um anúncio de jornal buscando voluntários para um
Experimento em Psicologia que investigaria o efeito das punições no
aprendizado. Por US$ 4,50 (valores de 1961) você está num laboratório
de uma Universidade (Yale) onde um sério Pesquisador num imponente jaleco cinza
explica-lhe e a outro participante os procedimentos:
Um sorteio definiria quem seria o Professor e o
Aluno. O primeiro faria uma série de perguntas pré-definidas ao segundo e, a
cada erro, um choque elétrico de pequena intensidade (15 volts) ser-lhe-ia
administrado através de uma máquina acionada pelo próprio Professor. A cada
erro a carga a aumentaria em incrementos de 15 volts, até o limite de 450 -
diga-se, uma carga extremamente perigosa e potencialmente fatal.
O
leitor sente-se aliviada ao ser sorteada Professora livrando-se, assim, da
incômoda possibilidade de ser eletrocutada. Numa sala, auxilia o Pesquisador a
amarrar o Aluno a uma cadeira onde um eletrodo é atado ao seu braço. A título
de curiosidade, o Pesquisador dá-lhe uma pequena amostra de o que seria um
choque de 45 volts. A incômoda carga no seu braço assemelha-se a uma
agulhada. Desagradável, mas nada demais.
Levada
a uma sala anexa, você senta-se em frente a uma máquina com os trinta botões
enfileirados que, acionados um a um, aumentam gradativamente a carga do choque
e uma alavanca vermelha que, quando apertada, libera a carga no pobre
Aluno.
Você
inicia a série de perguntas, enquanto o Pesquisador teoricamente verifica qual
o impacto das punições (choques elétricos) na capacidade de aprendizado do
Aluno. Vale lembrar que, poucos anos antes, B. F. Skinner já havia sugerido que apenas os reforços
positivos poderiam melhorar a capacidade de aprendizado das pessoas e as
punições, por outro lado, não melhorariam em nada tal faculdade.
Após
os primeiros acertos, o Aluno começa a errar e você aplica-lhe os devidos
choques. Através da fina parede você ouve alguns gritos e começa a ficar
apreensiva. 90 volts e o grito aumenta. Suas mãos começam a suar e você se
remexe na cadeira. 105, 120, 135 volts. Bzzzzzzzz! Mais alguns erros. 150, 165,
180 volts. Os gritos do aluno parecem mais intensos. Ele grita que quer parar,
que não quer mais participar do experimento. Você olha para o
Pesquisador e ele diz apenas: "Por favor, continue."
195,
210, 225 volts. Os gritos ficam mais altos. O Aluno chuta a parede pede para
sair. A essa altura o leitor também pede para sair. Diz ao Pesquisador que não
está se sentindo confortável com a situação e gostaria de parar. Secamente, o
Pesquisador responde: "É necessário que você continue com o
experimento." Você se torce mais um pouco na cadeira e vai em frente. Já
em 345 volts a legenda da máquina diz "Choques de Extrema Intensidade".
Mais alguns botões adiante ela estampa "Perigo: Choque
Severo".
Em
405 volts o Aluno deixa de responder. Questionado, o Pesquisador diz que
"A ausência de resposta deve ser interpretada como resposta errada. Por
favor, continue."
Mas
você teme pela integridade física do Aluno, que não está mais respondendo.
"Pode ter acontecido alguma coisa com ele.". O Pesquisador
assegura-lhe, então, que "os choques não causam nenhum dano tecidual
permanente". O leitor segue adiante entorpecida, quase que mecanicamente.
Você
aciona os três últimos botões praticamente sem pensar e libera um
potencialmente letal choque de 450 volts no Aluno - uma pessoa completamente
estranha que está do outro lado da parede. E pensa que poderia ser você no
lugar dele. Um simples sorteio lhe colocou à frente da máquina, em vez de
amarrada na cadeira elétrica. O que poderia ter acontecido se fosse o
contrário?
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A
descrição pareceu-lhe macabra? Tenho certeza que sim. E realmente seria se tudo
não passasse de uma encenação. Sim, nada daquilo era real. Ou
quase nada...
O
Aluno era, na verdade, um ator contratado. Os choques não eram aplicados de
verdade ao Aluno - a única pessoa que levou um choque elétrico neste
experimento foi você, à título de amostra grátis, logo no início. Seus
gritos eram uma gravação. E o sorteio que lhe colocou na posição de Professora
fora combinado. A única coisa real era o fato de o leitor ter ido até o
final no que poderia ter causado a morte de alguém que você nunca viu na
vida.
Os verdadeiros
objetivos do Experimento de Milgram eram:
1. ver
em que momento o voluntário manifestaria pela primeira vez seu desejo de
encerrar sua participação na pesquisa; e
2.
ao ser submetido à autoridade do Pesquisador, verificar qual o seu limite
final.
Mesmo
que tudo o mais fosse falso, a angústia do voluntário era real. Tanto a que
sentia durante os choques que aplicava, quanto aquela ao perceber até onde foi.
Ou até onde teria ido, pois achava que os choques eram verdadeiros. Lauren
Slater conta em seu livro (Opening
Skinner's Box: Great Psychological Experiments of the Twentieth Century) que conseguiu contactar um dos
participantes do experimento original. Suas lembranças do episódio compunham um
obscuro pesadelo.
A
pesquisa de Milgram levanta, até hoje, sérias questões éticas sobre o
seu enredo. A maioria dos experimentos mais importantes realizados algumas
décadas atrás jamais seria aprovada segundo os parâmetros dos atuais comitês
reguladores. São procedimentos que submetem os voluntários a situações
constrangedoras, opressoras, potencialmente assustadoras ou que os expõem
a fortes dilemas morais que podem resultar em experiências traumáticas.
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Antes
de realizar a pesquisa, Milgram submeteu seu esboço a quatorze
colegas seus, perguntando-lhes como imaginavam que os voluntários se
comportariam. O mais pessimistaestimou que três em cada cem iriam
até o final - isto é, administraria os choques até o perigoso limite de
450 volts - e a média do grupo avaliou que 1,2% dos participantes
aplicaria o derradeiro choque final.
Durante
o experimento, os voluntários davam diversos sinais de nervosismo.
Suavam em profusão, tremiam, mordiam os lábios, gemiam, cravavam as unhas na
pele. Pelo menos um deles teve um incontrolável acesso de riso e
outro sofreuconvulsões obrigando-os a interromper a sessão.
Mas
em vez do 1,2% previsto por seus pares, Milgram deparou-se com a assustadora
obediência de 26 dos 40 participantes do experimento. Nada
menos que sessenta e cinco porcento! E nenhum
voluntário desistiu antes dos 300 volts.
O
que talvez seja mais impressionante deve-se, provavelmente, ao fato de não
haver nenhuma causa aparente para a cega obediência a uma suposta autoridade
estabelecida minutos antes de o experimento começar.
Não
havia qualquer razão anterior que sugerisse algum tipo de obrigação do
voluntário para com o Pesquisador. Nenhuma relação hierárquica
ou familiar, nem outra forma de poder ou autoridade que
submetesse o indivíduo a uma situação estressante como essa.
Ele
simplesmente obedecia a um homem num jaleco cinza com padronizadas frases,
assépticas e previamente ensaiadas como "Por favor, continue",
"É necessário que você continue para terminarmos o experimento" ou
"Os choques não causam nenhum dano tecidual permanente".
Talvez
o leitor se questione um pouco sobre os resultados passados, quem
sabe especulando sobre a evolução da consciência politicamente correta nos
últimos anos, em favor dos direitos humanos e coisas parecidas.
Mas
recentemente o Estudo de Milgram foi replicado e apresentado num programa
especial da BBC de Londres. As imagens dos participantes em seus conflitos
internos são absolutamente impressionantes. A angústia dos seus conflitos
internos pode ser acompanhada no vídeo abaixo:
As duas partes restantes estão aqui e aqui.
Assista até o final, a tempo de ver o apresentador comentar desolado ao final:
"Eu pensava que violência era algo que os outros cometiam".
E, quarenta anos depois, os resultados mostraram o mesmo
índice de submissão à autoridade da época dos Julgamentos de
Nuremberg.
* * * * * * * * * *
Em
seu capítulo sobre o Poder de Persuasão de uma figura de Autoridade, Robert
Cialdini (Influence: The
Psychology of Persuasion) relata uma outra variação do
experimento, realizada anos mais tarde pelo próprio Milgram: num
determinado momento o Pesquisador trocava de lugar com o Aluno e este passava
a pedir-lhe que continuasse o experimento. Ante a irrevogável recusa
de 100% dos voluntários, ficava claro que a influência autoritária era
exercida exclusivamente pelo sujeito vestindo o jaleco cinza.
Ele
identifica, ainda, outras figuras e situações semelhantes que inspiram respeito
e até submissão parecidos. São eles:
.: Títulos: como
o Professor de Milgram, outras figuras impõem tanto respeito que inspiram
obediência imediata sem qualquer questionamento, como Mestre, Doutor
ou Ph. D. Numa Universidade da Austrália um pesquisador era apresentado a
diversas turmas precedido de diferentes títulos (numa era apresentado como
Professor, noutra como Aluno e assim por diante). Após sua breve palestra, os estudantes
preenchiam um formulário com suas impressões sobre o convidado. No quesito
"altura", o mesmo pesquisador apresentado como Professor ganhava
quase dez centímetros em comparação com seu alterego "Aluno".
.: Médicos: noutra
pesquisa realizada em hospitais, médicos telefonavam para uma enfermeira e
instruíam-nas a aplicar uma dose de determinado medicamento a um paciente
internado. Sem questionar a ordem recebida, as enfermeiras eram impedidas de
realizar suas tarefas apenas instantes antes da administração do remédio
recomendado, cuja composição e dose seriam letais ao doente.
.: Roupas: pessoas
bem-vestidas usualmente inspiram confiança a ponto de exercer influência
decisiva sobre outros indivíduos. Num movimentado cruzamento, os pedestres
seguiam cegamente um homem trajando um elegante terno atravessando a rua mesmo com
o sinal aberto, mas permaneciam paradas quando um transeunte mal vestido
cruzava a mesma avenida. Uniformes demonstraram o mesmo poder quando um sujeito
caracterizado como guarda de segurança fazia pedidos estranhos a
transeuntes numa rua movimentada (como catar um papel no chão ou permanecer do
outro lado de uma linha pintada na calçada).
.: Símbolos: ícones
de status inspiram confiança e respeito sem que sequer
percebamos. Um curioso experimento mostrou que motoristas parados num sinal
demoravam muito mais tempo para buzinar para o carro da frente quando este era
um modelo de luxo. Se o veículo da frente fosse um carro velho e mal
conservado, a buzina soava quase que instantaneamente após a luz verde. Se o
leitor achar que isso é exagero, então passe a reparar mais em suas próprias
reações no trânsito. Você verá que dá mais passagem a carros novos do que a
modelos velhos...
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O
estudo de Milgram mostra, no entanto, consequências mais drásticas e perversas
do poder de influência exercido pelas autoridades. Seu livro Obedience to
Authority: An Experimental View foi escrito quase dez anos
depois dos seus experimentos, por ocasião de outro traumático evento: soldados
americanos massacraram vilarejos inteiros no Vietnã durante a guerra,
obedecendo cegamente às ordens de seus comandantes militares.
Mesmo quando os dilemas morais estão presentes de
forma explícita, a autoridade parece prevalecer sobre as preferências
individuais. Mase os dilemas morais da própria pessoa que exerce a
autoridade, não teriam papel nessa história?
Ao
dirigir-se aos seus comandados, porém, transmitindo-lhes as ordens
recebidas, um Trapp às lágrimas fez uma rara oferta: aqueles que não se
sentissem aptos a realizar tal tarefa, por qualquer motivo que fosse, poderiam
manter-se fora da incursão e livres de qualquer punição. Doze dos quinhentos
soldados deram um passo a frente e se retiraram do grupo, além do próprio
Trapp. Durante o massacre, mais uma centena de soldados também não conseguiu
prosseguir. Os restantes, porém, aniquilaram 1.500 dos 1.800 habitantes de
Josefow.
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Mais
de quarenta anos depois, continuam expostas as incômodas feridas abertas por
Milgram e seu experimento. Despidos de nossas carapuças, aparecemos
covardes, sádicos e subservientes sob as lentes de um engenhoso pesquisador.
Ainda que se especule que o voluntário poderia inconscientemente atribuir a
responsabilidade da punição ao Pesquisador - pois era quem determinava as
regras do jogo - não há como negar que ele era o responsável final pelo
resultado. Se essa explicação amenizava o seu sofrimento justificando seus
atos, não eximia-o de culpa por ser a mão que executa, em vez de o coração que
perdoa (inveja saudável da belíssima letra de "Fado Tropical"
de Chico Buarque, baseado em poema de Carlos do Carmo...).
Desde
as mais ternas idades somos educados e condicionados a obedecer às autoridades,
no sentido mais amplo da palavra. Enquanto crescemos e amadurecemos, ganhamos o
discernimento e a independência intelectual necessários para avaliar e criticar
tais determinações. O que levamos adiante representa, portanto, aquilo que
conscientemente aceitamos. Atitudes e comportamentos que nossos padrões morais
classificam como aceitáveis. E, por mais cruel e discrepante que pareça a
pergunta, o leitor consegue responder honestamente até que ponto acionaria a
alavanca?
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__________
*
Recentemente o estudante de ciências da computação Brett Tjaden criou um
sistema on-line onde você poderia ver o Índice Bacon de
qualquer ator. Descobriu, ainda, que Bacon não é o ator mais fácil para fazer
conexões - ele é, na verdade, o 669o. O campeão de
conectividade é Rod Steiger.
Fonte:http://rodolfo.typepad.com/no_posso_evitar/2009/06/experimentos-em-psicologia-stanley-milgram-e-o-choque-de-autoridade.html
Para mais informações sobre <<Milgram's experiment>>
Obedience to Authority: An Experimental View 1974.
Behavioral study of obedience no Journal of abnormal and social psychology(Vol. 67, 1963 Pág. 371-378)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Experi%C3%AAncia_de_Milgram