Entrevista concedida no dia 31/03/2016 à jornalista Daiana Constantino do Jornal Noticias do Dia de Florianópolis.
Local Publicação: http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/301087-polarizacao-se-torna-parte-do-dia-a-dia-na-politica-no-brasil.html
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1 - A
reportagem do ND ouviu lideranças de movimentos que têm feito manifestações em
Florianópolis a favor e contra ao impeachment da presidente Dilma. De um lado,
um eventual impedimento da presidente significaria um golpe, segundo liderança
do Movimento Contra ao Golpe e a Favor da Democracia da UFSC. De outro, a saída
da presidente tem embasamento jurídico para comprovar que a petista cometeu
crime de responsabilidade, de acordo com porta-voz do Movimento Brasil
Livre.Qual dessas teses está certa? Por que?
A conjuntura política atual não é de fácil
compreensão. Há inúmeras variáveis em jogo e é difícil apontar qual delas é a
mais relevante: investigações da lava jato, pondo a descoberto a sistemática de
financiamento eleitoral adotado pelos partidos políticos; crise econômica
internacional, queda preço das comodities e do petróleo, eventuais decisões
equivocadas governistas, polarização da política partidária, acirramento das
disputas eleitorais, conflagração de um
“terceiro turno eleitoral”. Estes são alguns dos fenômenos causantes da atual
crise política e econômica em que se vê mergulhado o país na quadra atual. É
dificil afirmar qual deles é o mais relevante. Diria que todos tem sua
implicação na conjuntura atual. Mas em especial o fator político, qual seja: a
polarização política.
Afirmo isso, porque todas as variáveis
citadas acima, tem em causa a polarização, ainda que indiretamente, e porque
com exceção da polarização que atinge níveis inéditos, todas as outras
variáveis já estiveram presentes em momentos anteriores sem que tivessem
deflagrado crises tais como a atual.
Diante disso, a resposta sobra o pedido de
impeachment torna-se refém também desta polarização que como uma onda pega-nos
a todos. Juristas, Jornalistas, Cientistas Políticos, Médicos e a todos os
cidadãos. É improvável que na conjuntura atual alguém consiga dar uma resposta
a isto completamente isenta. Veja-se que a questão divide a todos, inclusive a
juristas. Tome-se os juristas mais gabaritados, os ministros do STF, por exemplo:
O ministro Celso de Melo, e Dias Toffoli tem reiterado que a hipótese do
impeachment está prevista na Constituição, por isso não seria golpe. Já o
ministro Marco Aurélio, entrando no mérito da questão, tem defendido a tese de
que embora previsto na Constituição não haveria no caso atual elementos
concretos que autorizassem o impeachment. Por isso, na opinião do renomado
juristo, seria, sim, golpe. Para a
Associação de Juízes para a Democracia também não haveria elementos que
autorizassem a abertura do processo de impeachment. Pois o fato de haver
previsão na lei para tal, não significa que qualquer motivo possa ser alegado
para deflagrá-lo. Eu me filio a este posicionamento. Pela razão política. Isto
traz instabilidade política. Os efeitos de um impeachment mal fundado podem ser
nefastos para o pais. Veja-se o exemplo de Honduras ou do Paraguai, onde o
impedimento de Fernando Lugo deu-se no prazo recorde de 24 horas. Este caso foi
considerado ilegal inclusive pelas cortes internacionais gerando crise diplomática
com países do MERCOSUL que não reconheceram o novo governo. Veja, vou fazer uma comparação na seara do
direito penal para que entendamos: a fato de existir a previsão do crime de
furto na legislação não significa que um processo para apuração de um furto
possa ser aberto sem que você tenha praticado o crime. Assim, o fato de existir a previsão do
impeachment na Constituição, não significa que este processo possa ser aberto
sem que existam fundamentos jurídicos concretos para tal. A opinião de muitos
juristas é a de que estes fundamentos não existem no que se refere às
pedaladas.
2 - É
possível afirmar que há dois grupos em embate político hoje no Brasil: o contra
o governo e o pró-governo? Por que?
Sim , sem dúvida, a polarização do processo eleitoral
levou a isso. Mas é preciso que se diga que essa polarização não é uma coisa
que descobrimos ontem. Vários estudos tem demonstrado a sua presença desde o
primeiro embate entre PT e PSDB ainda nas eleições de 1994, quando FHC
sagrou-se vencedor. De lá pra cá os dois partidos voltaram a medir forças em
1998, 2002, 2006, 2010 e finalmente em 2014. Nesta última tivemos um dos
resultados eleitorais mais acirrados dos últimos tempos. Este resultado legou
uma frustração muito grande em muita gente. Quase metade do pais. A presidente
sabia que teria dificuldades para governar. Logo depois do resultado seu
discurso foi um discurso de apaziguamento e com convite para o diálogo e união.
Infelizmente ela não é muito boa nos seus discursos, e tampouco demonstrou
habilidade política para construir essa unidade. Se o PSDB tivesse ganho as
eleições não duvido de que estaríamos mergulhados em crise semelhante. Somente
um governo altamente populista e carismático seria capaz de buscar uma
convergência ampla. Note ainda que essa polarização nas eleições de 2014 era
tamanha, que apenas um mês depois dos resultados das urnas já organizava-se a
primeira manifestação pelo impeachment. Antes mesmo da posse da presidente.
3 - Na sua opinião, o episódio da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Polícia Federal aumentou o clima de polarização política no país? Por que?
Penso que sim. Imaginava-se talvez que a condução
coercitiva fosse soar como a prisão do maior líder político do PT jogando por
terra os planos políticos para as eleições de 2018, mas, curiosamente, a
habilidade pessoal do ex-presidente, e o enorme carisma que ele prova ainda
possuir, inverteu a jogada. O resultado foi a
mobilização de setores da esquerda que até então assistiam acuados ao
desenrolar dos fatos. De outro lado, a tentativa de conduzi-lo ao planalto com
o vazamento de escutas telefônicas, acirrou ainda mais o clima daqueles que a
esta altura torcem pelo impeachment. Em suma, a polarização política que estava
circunscrita ao núcleo dos políticos profissionais rompeu esse núcleo e tem
contagiado a toda a população gerando grande exasperação nos ânimos.
4 - É
possível afirmar que há excessos em todos os grupos de manifestantes?
Para afirmar a existência de excessos, tenho que
lhe perguntar, vamos usar a régua de quem para medir? (risos). Eu não chamaria
de excessos. Mas certamente cabe chamar a atenção para o clima de torcida
organizada instalado nas discussões políticas. Entre as torcidas não há
diálogo. Ao há debate político. Vence quem grita mais alto, bate o tambor [ou
as panelas com mais vigor] ou leva mais torcedores para os estádios. Não vejo muito futuro em termos de frutos para
o exercício democrático neste tipo de confronto. Gosto muito de uma passagem de
uma filósofa chamda Hannah Arendt que diz o seguinte sobre os confrontos
políticos: “O ser político, o viver numa
polis, significa que tudo era decidido mediante palavras e persuasão,
e não através da força ou violência. Para os gregos, forçar
alguém mediante violência, ordenar ao invés de persuadir, eram modos
pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos da vida fora da polis. Somente a
pura violência é muda” Penso que vivemos tempos, que, por mais paradoxal
que possa parecer, constituem a negação da política nestes termos em que ela
depende eminentemente do debate e da constituição de uma esfera publica que
estamos longe de formar
5 - Como
avalia a agenda/pauta dos grupos que têm saído às ruas para manifestar?
A pauta hoje é muito reduzida. Uns marcham contra o
golpe, e outros negam-lhe pedindo o impeachment. A questão da corrupção parece
que está até sendo deixada um pouco de lado, agora que parece estar ocorrendo
uma percepção geral de que todos os partidos estavam envolvido nos esquemas de
financiamento eleitoral denunciados pela Lava-jato.
6 -
Manifestantes contra e a favor do impeachment da presidente Dilma demonstram
descontentamento geral com os políticos e partidos nas manifestações. Faz pouco
mais de um ano que aconteceram as eleições gerais no Brasil, é sinal de que os
eleitores não escolheram bem os representantes (Câmara dos Deputados, Senado,
Executivo)? Ou está havendo uma demonização da política?
Não gosto daquelas avaliações que colocam a culpa no
eleitor pelos [péssimos] políticos que eventualmente temos. O eleitor é a
grande vítima eu diria. De suas proóprias escolhas sim. Mas também do fato de
não ter a quem escolher ou não possuir meios para buscar informações que lhe
permitam uma melhor avaliação do cardápio disponível em cada eleição. Você não
culpa alguém que sofre de congestão por ter escolhido comer ovos em vez de
saladas num restaurante barato, se esta pessoa só tinha recursos para comer em
um restaurante barato. O eleitor de forma geral tem poucos recursos para
efetuar sua escolha. Isso é resultado da política. A quem interessa eleitores
super-bem informados e capazes de julgar os políticos ruins? Esta é uma
realidade que demora para alterar-se. Então não culpo os eleitores. Mas você
tem razão quando fala da demonização da política. Vive-se tempos, em
que milhares de pessoas parecem acordar de um estado de letargia e dormência no
que diz respeito à política, e têm ocupado as ruas para manifestar esse
sentimento de repúdio à política. Curiosamente há dois fatos em curso: a recusa
da política, combinada com uma tomada de ação [política]; como explicar essa
aparente contradição? Nossa hipótese é a de que o cidadão brasileiro ainda
engatinha nos primeiros passos de exercício da sua cidadania e convalesce de um
problema crônico às jovens democracias, a dificuldade em efetuar a leitura da
realidade política. Justamente por não possuir os recursos necessários para
isso: basicamente educação de qualidade e uma imprensa livre e plural.
7 - As investigações
da Operação Lava Jato tem impulsionado o acaloramento do embate político dos
movimentos de direita e esquerda?
Sim a Lava Jato tem catalisado o acirramento e a
polarização política já existente há mais tempo. A cada nova fase mais
políticos são envolvidos e isso gera um inevitável sentimento de revolta.
8 - Esse
enfrentamento entre grupos cria o risco de a sociedade deixar a civilização e
voltar à barbárie? Por que?
Não diria que estamos a ponto de retornar à
barbárie. Mas o processo atual guarda muitas semelhanças com as ameaças a
democracia experimentados no Brasil durante os governos de Getúlio Vargas,
1953-1954, e Goulart (1963-1964). São processos que guardadas as
proporções e as diferenças do tempo histórico, poderiam estar em curso no
Brasil atual. Os resultados deste processo, porém, não necessariamente demandam
um cenário de interrupção democrática, com golpes militares, etc o que acho
realmente muitíssimo improvável. Os novos tempos, contudo, e a atual
conformação política estrutural permitem que profundas reformas tais como a
trabalhista e previdenciária e até mesmo reformas que reduzam as possibilidades
de participação política democrática possam ser levadas a bom termo sob a
batuta de partidos e grupos conservadores em vertiginoso ascenso político
atual. Vemos já no curso atual algumas medidas legislativas que causam
estranheza tais como a permissão para retirada de aviso sobre a presença de
trangênicos ou agrotóxicos em alimentos. A quem isso interessa?
9 - As
expressões coxinha e petralha podem ser consideradas como discurso de ódio?
Em parte sim. São atalhos cognitivos formados pelos
grupos rivais. São rótulos. Todo rótulo traz em si uma violação, uma
simplificação que guarda pouca ou nenhuma correspondência com a realidade.
10 - O
que tem aflorado o discurso de ódio entre as pessoas quando o assunto é
política? Parece que redes sociais se tornam palco para ataques ferrenhos...
As redes sociais tem uma ampla e inimaginável
capacidade de mobilização social [com o limite de seus filtros]. Mas traz a inconveniência
de que diante de seus computadores, tablets, smartphones, etc, os indivíduos
sentem-se excessivamente encorajados e com a falsa impressão de que seus atos e
palavras não são geradores de responsabilidades. Isso gera uma tragédia em
termos de humanidades. As pessoas agridem-se de maneira impensada inclusive
entre amigos e familiares. É um fenômeno digno de estudos.
11 - Em tempos de mobilizações, como as redes
sociais podem ajudar na democratização do debate politico?
Respondi acima
12 - Na
sua visão, quem são os protagonistas/líderes nas manifestações?
Por mais que as pessoas não admitam, diferentemente
do que ocorreu em junho de 2013, e da mesma forma como ocorreu nas diretas já
em 84 e no fora Collor em 1992, os protagonistas são os partidos. São eles que
deflagram as mobilizações de direita e esquerda, e são eles quem catalisam os
resultados no parlamento.
13 - Como
avalia a participação e envolvimento dos jovens?
Interessante, espero que estes jovens voltem a
folhear os livros de história e busquem informação também em outros canais de
mídia além dos tradicionais. Do contrário, será uma grande tragédia, do ponto
de vista das possibilidades emancipatórias que estes movimentos trazem em seu
núcleo.
14 - Na sua opinião, hoje o debate político está
qualificado? Ou ainda há muito a avançar?
Há, sem dúvida, muito a avançar. Mas isso é um
retrato da juventude de nossa democracia. Vivemos dois curtos períodos
democráticos no Brasil. 1945 a 1964 e agora desde 1985. Então estamos
aprendendo. O que nos falta primordialmente é a constituição do diálogo entre
os diferentes grupos. E para que este diálogo ocorra é fundamental a capacidade
de leitura dos fenômenos atuais. Tem uma coisa que de forma geral as pessoas
tem dificuldade de compreender. O que é política. Política é de forma crua tudo
aquilo que nós homens fazemos para limitar o poder. Isto com o pressuposto de
que todo homem é corruptível. Todos. Como já dissera Madison considerado um dos
pais da constituição americana “Mas o que é o governo
senão um dos maiores reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos,
não haveria necessidade de governo. Se os homens fossem governados por anjos,
não haveria necessidade de controles externos ou internos” Então procuramos
por salvadores da pátria. Quando, penso, deveríamos estar preocupados com
instituições sérias e duradouras. Com a permanência das garantias democráticas
e das regras do jogo.
15 - Na
sua opinião, militantes de grupos se tornam cegos diante de determinados
fatos? E por que?
Sim, em parte sim, várias estudiosos tem feito a
comparação de que vivemos um verdadeiro fla-flu. O torcedor é cego em tudo que
diga respeito ao time adversário. Isto não é saudável para a democracia, para
as instituições democráticas. O eleitor não deveria ser um torcedor. Porque nas
democracias a ele, e somente a ele é que cabe o papel de juiz final.
16 - O
ideal seria um debate pautado no equilíbrio e no bom senso, certo? Ou esse tipo
de posição pode ser vista como quem fica em cima do muro e não toma um lado ou
partido?
Você está certa. Se o eleitor, como eu disse acima,
tem o papel de juiz final nas democracias, ele deve buscar o equilíbrio e o
máximo de informações sobre os fatos para dar o seu veredicto final. O lugar do
seu veredicto é a urna. Mas pode ser as ruas. O fundamental é que escolha ir as
ruas de forma soberana e independente. Ou seja, mais uma vez, deve ser uma
escolha informada.
17
Gostaria de ressaltar mais alguma informação?
Gostaria de ressaltar que o processo de impeachment
gostem ou não, é a consagração do terceiro turno eleitoral. Este é um fato da
vida. Resulta do fato de que o resultado político não foi aceito por uma boa
parcela da população e dos atores políticos. Esse cenário pode ser interpretado
a luz de um célebre cientista político norte americano chamado Robert Dahl, que
diz que a democracia parte da premissa de que todo e qualquer ator ou grupo
político opta por reprimir ou tolerar seus adversários com base no método de
mero cálculo (racional) de custos, que pode ser traduzido da seguinte forma
Quanto mais baixos custos de tolerância dos adversários = governo seguro;
Quanto mais altos custos supressão = oposição segura. No quadra atual parece
estar a custar muito caro a permanência do PT por mais um governo,
principalmente com a sombra de uma candidatura de Lula em 2018 que levaria a um
ciclo [impensável há alguns anos] de mais de 20 anos de governo Petista. Ou
seja, este seria o grande fator responsável pela excessiva polarização a que
chegamos em 2014 e de onde ainda não saímos. Por fim, se há um acordo de que a
crise é política. Somente a política pode nos tirar dela.
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