domingo, 3 de abril de 2016

Entrevista concedida ao ND sobre conjuntura política atual em 31/03/2016

Entrevista concedida no dia 31/03/2016 à jornalista Daiana Constantino do Jornal Noticias do Dia de Florianópolis.

Local Publicação: http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/301087-polarizacao-se-torna-parte-do-dia-a-dia-na-politica-no-brasil.html

1 - A reportagem do ND ouviu lideranças de movimentos que têm feito manifestações em Florianópolis a favor e contra ao impeachment da presidente Dilma. De um lado, um eventual impedimento da presidente significaria um golpe, segundo liderança do Movimento Contra ao Golpe e a Favor da Democracia da UFSC. De outro, a saída da presidente tem embasamento jurídico para comprovar que a petista cometeu crime de responsabilidade, de acordo com porta-voz do Movimento Brasil Livre.Qual dessas teses está certa? Por que?

A conjuntura política atual não é de fácil compreensão. Há inúmeras variáveis em jogo e é difícil apontar qual delas é a mais relevante: investigações da lava jato, pondo a descoberto a sistemática de financiamento eleitoral adotado pelos partidos políticos; crise econômica internacional, queda preço das comodities e do petróleo, eventuais decisões equivocadas governistas, polarização da política partidária, acirramento das disputas eleitorais,  conflagração de um “terceiro turno eleitoral”. Estes são alguns dos fenômenos causantes da atual crise política e econômica em que se vê mergulhado o país na quadra atual. É dificil afirmar qual deles é o mais relevante. Diria que todos tem sua implicação na conjuntura atual. Mas em especial o fator político, qual seja: a polarização política.

Afirmo isso, porque todas as variáveis citadas acima, tem em causa a polarização, ainda que indiretamente, e porque com exceção da polarização que atinge níveis inéditos, todas as outras variáveis já estiveram presentes em momentos anteriores sem que tivessem deflagrado crises tais como a atual.

Diante disso, a resposta sobra o pedido de impeachment torna-se refém também desta polarização que como uma onda pega-nos a todos. Juristas, Jornalistas, Cientistas Políticos, Médicos e a todos os cidadãos. É improvável que na conjuntura atual alguém consiga dar uma resposta a isto completamente isenta. Veja-se que a questão divide a todos, inclusive a juristas. Tome-se os juristas mais gabaritados, os ministros do STF, por exemplo: O ministro Celso de Melo, e Dias Toffoli tem reiterado que a hipótese do impeachment está prevista na Constituição, por isso não seria golpe. Já o ministro Marco Aurélio, entrando no mérito da questão, tem defendido a tese de que embora previsto na Constituição não haveria no caso atual elementos concretos que autorizassem o impeachment. Por isso, na opinião do renomado juristo, seria, sim, golpe.  Para a Associação de Juízes para a Democracia também não haveria elementos que autorizassem a abertura do processo de impeachment. Pois o fato de haver previsão na lei para tal, não significa que qualquer motivo possa ser alegado para deflagrá-lo. Eu me filio a este posicionamento. Pela razão política. Isto traz instabilidade política. Os efeitos de um impeachment mal fundado podem ser nefastos para o pais. Veja-se o exemplo de Honduras ou do Paraguai, onde o impedimento de Fernando Lugo deu-se no prazo recorde de 24 horas. Este caso foi considerado ilegal inclusive pelas cortes internacionais gerando crise diplomática com países do MERCOSUL que não reconheceram o novo governo.  Veja, vou fazer uma comparação na seara do direito penal para que entendamos: a fato de existir a previsão do crime de furto na legislação não significa que um processo para apuração de um furto possa ser aberto sem que você tenha praticado o crime.  Assim, o fato de existir a previsão do impeachment na Constituição, não significa que este processo possa ser aberto sem que existam fundamentos jurídicos concretos para tal. A opinião de muitos juristas é a de que estes fundamentos não existem no que se refere às pedaladas.

2 - É possível afirmar que há dois grupos em embate político hoje no Brasil: o contra o governo e o pró-governo? Por que? 

Sim , sem dúvida, a polarização do processo eleitoral levou a isso. Mas é preciso que se diga que essa polarização não é uma coisa que descobrimos ontem. Vários estudos tem demonstrado a sua presença desde o primeiro embate entre PT e PSDB ainda nas eleições de 1994, quando FHC sagrou-se vencedor. De lá pra cá os dois partidos voltaram a medir forças em 1998, 2002, 2006, 2010 e finalmente em 2014. Nesta última tivemos um dos resultados eleitorais mais acirrados dos últimos tempos. Este resultado legou uma frustração muito grande em muita gente. Quase metade do pais. A presidente sabia que teria dificuldades para governar. Logo depois do resultado seu discurso foi um discurso de apaziguamento e com convite para o diálogo e união. Infelizmente ela não é muito boa nos seus discursos, e tampouco demonstrou habilidade política para construir essa unidade. Se o PSDB tivesse ganho as eleições não duvido de que estaríamos mergulhados em crise semelhante. Somente um governo altamente populista e carismático seria capaz de buscar uma convergência ampla. Note ainda que essa polarização nas eleições de 2014 era tamanha, que apenas um mês depois dos resultados das urnas já organizava-se a primeira manifestação pelo impeachment. Antes mesmo da posse da presidente.

3 - Na sua opinião, o episódio da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Polícia Federal aumentou o clima de polarização política no país? Por que? 

Penso que sim. Imaginava-se talvez que a condução coercitiva fosse soar como a prisão do maior líder político do PT jogando por terra os planos políticos para as eleições de 2018, mas, curiosamente, a habilidade pessoal do ex-presidente, e o enorme carisma que ele prova ainda possuir, inverteu a jogada. O resultado foi a  mobilização de setores da esquerda que até então assistiam acuados ao desenrolar dos fatos. De outro lado, a tentativa de conduzi-lo ao planalto com o vazamento de escutas telefônicas, acirrou ainda mais o clima daqueles que a esta altura torcem pelo impeachment. Em suma, a polarização política que estava circunscrita ao núcleo dos políticos profissionais rompeu esse núcleo e tem contagiado a toda a população gerando grande exasperação nos ânimos.

 4 - É possível afirmar que há excessos em todos os grupos de manifestantes? 

Para afirmar a existência de excessos, tenho que lhe perguntar, vamos usar a régua de quem para medir? (risos). Eu não chamaria de excessos. Mas certamente cabe chamar a atenção para o clima de torcida organizada instalado nas discussões políticas. Entre as torcidas não há diálogo. Ao há debate político. Vence quem grita mais alto, bate o tambor [ou as panelas com mais vigor] ou leva mais torcedores para os estádios.  Não vejo muito futuro em termos de frutos para o exercício democrático neste tipo de confronto. Gosto muito de uma passagem de uma filósofa chamda Hannah Arendt que diz o seguinte sobre os confrontos políticos: “O ser político, o viver numa polis, significa que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através da força ou violência. Para os gregos, forçar alguém mediante violência, ordenar ao invés de persuadir, eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos da vida fora da polis. Somente a pura violência é muda” Penso que vivemos tempos, que, por mais paradoxal que possa parecer, constituem a negação da política nestes termos em que ela depende eminentemente do debate e da constituição de uma esfera publica que estamos longe de formar

5 - Como avalia a agenda/pauta dos grupos que têm saído às ruas para manifestar?

A pauta hoje é muito reduzida. Uns marcham contra o golpe, e outros negam-lhe pedindo o impeachment. A questão da corrupção parece que está até sendo deixada um pouco de lado, agora que parece estar ocorrendo uma percepção geral de que todos os partidos estavam envolvido nos esquemas de financiamento eleitoral denunciados pela Lava-jato.

6 - Manifestantes contra e a favor do impeachment da presidente Dilma demonstram descontentamento geral com os políticos e partidos nas manifestações. Faz pouco mais de um ano que aconteceram as eleições gerais no Brasil, é sinal de que os eleitores não escolheram bem os representantes (Câmara dos Deputados, Senado, Executivo)? Ou está havendo uma demonização da política?

Não gosto daquelas avaliações que colocam a culpa no eleitor pelos [péssimos] políticos que eventualmente temos. O eleitor é a grande vítima eu diria. De suas proóprias escolhas sim. Mas também do fato de não ter a quem escolher ou não possuir meios para buscar informações que lhe permitam uma melhor avaliação do cardápio disponível em cada eleição. Você não culpa alguém que sofre de congestão por ter escolhido comer ovos em vez de saladas num restaurante barato, se esta pessoa só tinha recursos para comer em um restaurante barato. O eleitor de forma geral tem poucos recursos para efetuar sua escolha. Isso é resultado da política. A quem interessa eleitores super-bem informados e capazes de julgar os políticos ruins? Esta é uma realidade que demora para alterar-se. Então não culpo os eleitores. Mas você tem razão quando fala da demonização da política. Vive-se tempos, em que milhares de pessoas parecem acordar de um estado de letargia e dormência no que diz respeito à política, e têm ocupado as ruas para manifestar esse sentimento de repúdio à política. Curiosamente há dois fatos em curso: a recusa da política, combinada com uma tomada de ação [política]; como explicar essa aparente contradição? Nossa hipótese é a de que o cidadão brasileiro ainda engatinha nos primeiros passos de exercício da sua cidadania e convalesce de um problema crônico às jovens democracias, a dificuldade em efetuar a leitura da realidade política. Justamente por não possuir os recursos necessários para isso: basicamente educação de qualidade e uma imprensa livre e plural.

7 - As investigações da Operação Lava Jato tem impulsionado o acaloramento do embate político dos movimentos de direita e esquerda?

Sim a Lava Jato tem catalisado o acirramento e a polarização política já existente há mais tempo. A cada nova fase mais políticos são envolvidos e isso gera um inevitável sentimento de revolta.

8 - Esse enfrentamento entre grupos cria o risco de a sociedade deixar a civilização e voltar à barbárie? Por que?

Não diria que estamos a ponto de retornar à barbárie. Mas o processo atual guarda muitas semelhanças com as ameaças a democracia experimentados no Brasil durante os governos de Getúlio Vargas, 1953-1954, e Goulart (1963-1964).  São processos que guardadas as proporções e as diferenças do tempo histórico, poderiam estar em curso no Brasil atual. Os resultados deste processo, porém, não necessariamente demandam um cenário de interrupção democrática, com golpes militares, etc o que acho realmente muitíssimo improvável. Os novos tempos, contudo, e a atual conformação política estrutural permitem que profundas reformas tais como a trabalhista e previdenciária e até mesmo reformas que reduzam as possibilidades de participação política democrática possam ser levadas a bom termo sob a batuta de partidos e grupos conservadores em vertiginoso ascenso político atual. Vemos já no curso atual algumas medidas legislativas que causam estranheza tais como a permissão para retirada de aviso sobre a presença de trangênicos ou agrotóxicos em alimentos. A quem isso interessa?


9 - As expressões coxinha e petralha podem ser consideradas como discurso de ódio?

Em parte sim. São atalhos cognitivos formados pelos grupos rivais. São rótulos. Todo rótulo traz em si uma violação, uma simplificação que guarda pouca ou nenhuma correspondência com a realidade.

10 - O que tem aflorado o discurso de ódio entre as pessoas quando o assunto é política? Parece que redes sociais se tornam palco para ataques ferrenhos...

As redes sociais tem uma ampla e inimaginável capacidade de mobilização social [com o limite de seus filtros]. Mas traz a inconveniência de que diante de seus computadores, tablets, smartphones, etc, os indivíduos sentem-se excessivamente encorajados e com a falsa impressão de que seus atos e palavras não são geradores de responsabilidades. Isso gera uma tragédia em termos de humanidades. As pessoas agridem-se de maneira impensada inclusive entre amigos e familiares. É um fenômeno digno de estudos.

11 - Em tempos de mobilizações, como as redes sociais podem ajudar na democratização do debate politico?

Respondi acima

12 - Na sua visão, quem são os protagonistas/líderes nas manifestações? 

Por mais que as pessoas não admitam, diferentemente do que ocorreu em junho de 2013, e da mesma forma como ocorreu nas diretas já em 84 e no fora Collor em 1992, os protagonistas são os partidos. São eles que deflagram as mobilizações de direita e esquerda, e são eles quem catalisam os resultados no parlamento.

13 - Como avalia a participação e envolvimento dos jovens?

Interessante, espero que estes jovens voltem a folhear os livros de história e busquem informação também em outros canais de mídia além dos tradicionais. Do contrário, será uma grande tragédia, do ponto de vista das possibilidades emancipatórias que estes movimentos trazem em seu núcleo.

14 - Na sua opinião, hoje o debate político está qualificado? Ou ainda há muito a avançar? 

Há, sem dúvida, muito a avançar. Mas isso é um retrato da juventude de nossa democracia. Vivemos dois curtos períodos democráticos no Brasil. 1945 a 1964 e agora desde 1985. Então estamos aprendendo. O que nos falta primordialmente é a constituição do diálogo entre os diferentes grupos. E para que este diálogo ocorra é fundamental a capacidade de leitura dos fenômenos atuais. Tem uma coisa que de forma geral as pessoas tem dificuldade de compreender. O que é política. Política é de forma crua tudo aquilo que nós homens fazemos para limitar o poder. Isto com o pressuposto de que todo homem é corruptível. Todos. Como já dissera Madison considerado um dos pais da constituição americana “Mas o que é o governo senão um dos maiores reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não haveria necessidade de governo. Se os homens fossem governados por anjos, não haveria necessidade de controles externos ou internos” Então procuramos por salvadores da pátria. Quando, penso, deveríamos estar preocupados com instituições sérias e duradouras. Com a permanência das garantias democráticas e das regras do jogo.

15 - Na sua opinião, militantes de grupos se tornam cegos diante de determinados fatos? E por que?

Sim, em parte sim, várias estudiosos tem feito a comparação de que vivemos um verdadeiro fla-flu. O torcedor é cego em tudo que diga respeito ao time adversário. Isto não é saudável para a democracia, para as instituições democráticas. O eleitor não deveria ser um torcedor. Porque nas democracias a ele, e somente a ele é que cabe o papel de juiz final.

16 - O ideal seria um debate pautado no equilíbrio e no bom senso, certo? Ou esse tipo de posição pode ser vista como quem fica em cima do muro e não toma um lado ou partido?

Você está certa. Se o eleitor, como eu disse acima, tem o papel de juiz final nas democracias, ele deve buscar o equilíbrio e o máximo de informações sobre os fatos para dar o seu veredicto final. O lugar do seu veredicto é a urna. Mas pode ser as ruas. O fundamental é que escolha ir as ruas de forma soberana e independente. Ou seja, mais uma vez, deve ser uma escolha informada.

17 Gostaria de ressaltar mais alguma informação?

Gostaria de ressaltar que o processo de impeachment gostem ou não, é a consagração do terceiro turno eleitoral. Este é um fato da vida. Resulta do fato de que o resultado político não foi aceito por uma boa parcela da população e dos atores políticos. Esse cenário pode ser interpretado a luz de um célebre cientista político norte americano chamado Robert Dahl, que diz que a democracia parte da premissa de que todo e qualquer ator ou grupo político opta por reprimir ou tolerar seus adversários com base no método de mero cálculo (racional) de custos, que pode ser traduzido da seguinte forma Quanto mais baixos custos de tolerância dos adversários = governo seguro; Quanto mais altos custos supressão = oposição segura. No quadra atual parece estar a custar muito caro a permanência do PT por mais um governo, principalmente com a sombra de uma candidatura de Lula em 2018 que levaria a um ciclo [impensável há alguns anos] de mais de 20 anos de governo Petista. Ou seja, este seria o grande fator responsável pela excessiva polarização a que chegamos em 2014 e de onde ainda não saímos. Por fim, se há um acordo de que a crise é política. Somente a política pode nos tirar dela.



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