quarta-feira, 14 de março de 2012


UM ACIDENTE DE TRÂNSITO

Ainda não sabem
o que há meia hora          
aconteceu na estrada.

Em seus relógios
a hora é mais ou menos
tarde, de quinta-feira, e setembro.

Alguémescoa o macarrão.            
Alguém varreas folhas do jardim.           
Crianças correm gritando ao redor da mesa. 
Um gato se digna a ser afagado.           
Alguém chora –
diante da televisão, como de costume,   
quando o malvado Diego trai a Juanita.               
Alguém bate na porta –
não é nada, só uma vizinha devolvendo a frigideira.
O telefone toca nos fundos da casa –              
por ora, só o telemarketing.

Se alguém chegasse à janela
e olhasse o céu
poderia ver as nuvens
que vinham do lugar onde ocorreu o desastre.          
Rasgadas, despedaçadas,
mas, até aí, nada de especial.
                                                                                Wislawa Szymborska (1923 - 2012)


por EUCANAÃ FERRAZ Quando o jornalista quis saber por que ela não publicou mais que 350 poemas ao longo de sua vida, Wisława Szymborska respondeu: “Eu tenho uma lixeira na minha casa.” E ainda: “Eu escrevo à noite. De dia, tenho o hábito irritante de reler o que escrevi para constatar que há coisas que não suportam sequer o teste de uma volta do globo.”

Extraído: Revista PIAUÍ

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