sábado, 28 de julho de 2012

1ª Cassação no Estado de SC pela Lei da Ficha Limpa


1ª Cassação no Estado de SC pela Lei da Ficha Limpa

Decisão do Juiz Eleitoral de Criciúma, cidade no sul de Santa Catarina, indefere o pedido de registro do atual Prefeito Municipal, candidato à reeleição, Clésio Salvaro, por considerá-lo Ficha Suja.
Abaixo segue a íntegra da sentença:

 
  
Vistos e examinados estes autos de registro de candidatura, registrados e autuados no cartório da 10ªZona Eleitoral sob n. 197-30.2012.6.24.00100,  passo a sentenciar.
Cuida-se de pedido de registro de candidatura de CLÉSIO SALVARO, direcionado ao cargo de Prefeito, pela Coligação “Por Amor a Criciúma”, que, no prazo previsto no art. 40 da Resolução TSE n. 23.373/2012 (LC n. 64/90, art. 3º, caput), veio a sofrer impugnação por parte da Coligação “Criciúma Saudável, Cidade de Todos”.
Além da impugnação, foram catapultadas aos autos, pelos cidadãos Carlos Alberto Moysés, Edson Luiz do Nascimento, Julio César Costa e Julio César Zavadil, “notícias de inelegibilidade”, conforme expressamente autorizado pelas normas legais pertinentes.
Argumentou a impugnante que o pré-candidato CLÉSIO SALVARO, em razão de ter contra si decisão proferida pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, transitada em julgado – oportunidade  em que restou reconhecida a prática ilícita de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social (Acórdão n. 23.516), isto em 16/03/2009 –, encontra-se inelegível, ex vi do art.  1º, inc. I, alíneas “d” e “h, da LC 64/90, com redação dada pela LC 135/10. Clamou, ao final, pelo indeferimento do registro da candidatura.
Notificado, o impugnado, a tempo e modo (LC n. 64/90, art. 4º), ofertou contestação ao pedido, alegando, em preliminar: a) incapacidade da parte; b)  inépcia da inicial; c) decadência, sob o argumento de que a impugnante não inseriu, no polo passivo, a figura do pré-candidato a Vice-Prefeito, que, a seu ver, era atitude obrigatória, não mais podendo fazer pelo transcurso do prazo decadencial; d) carência da ação, por impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, defendeu a higidez do pedido de candidatura, ao argumento de que a situação pela qual passou o impugnado não se enquadra em qualquer das hipóteses de inelegibilidade previstas em lei. Ao arremete, requereu o acolhimento das preliminares, com a consequente extinção, ou, quando menos, a improcedência da ação de impugnação a registro de candidatura.
Instado a se manifestar, fê-lo o digno representante do Ministério Público Eleitoral.
ISSO POSTO.
Desde já saliento que não hão de prosperar as preliminares arguidas.
Quanto à questão da incapacidade da parte impugnante, há que se observar que a existência da Coligação “Criciúma Saudável, Cidade de Todos” está devidamente anotada nos autos, inclusive sido homologada por este juízo, conforme se observa da certidão de fls. e fls.
No que se refere à inépcia da inicial, subscrita por nada menos que 04 (quatro) advogados, mesmo que não se considere um primor de peça processual – tanto que foi, inclusive, oportunizado prazo para a juntada de instrumento procuratório –, temos que reconhecer que a petição reporta-se aos fundamentos jurídicos que lhe serve de suporte e formula pedido certo, no caso, o indeferimento da candidatura do impugnado.
Já no tocante à “decadência”, por certo o impugnado não atentou que, no caso dos autos, cuida-se de impugnação de registro de candidatura, procedimento esse em que se exige o exame individualizado de cada uma das candidaturas, ou seja, o indeferimento de uma candidatura de Vice-Prefeito, por exemplo, não afeta o exame do pedido de candidatura ao cargo de Prefeito; apenas, por óbvio, tratando-se de “chapa”, o julgamento do processo dos candidatos à eleição majoritária deverá ser em conjunto. Em outras palavras, caso um dos candidatos – seja ao cargo de Prefeito, seja ao cargo de Vice-Prefeito –  tiver seu registro indeferido, não se deferirá o registro da chapa. Aguardar-se-á a substituição pertinente, a fim de deferir o registro, visto que não se pode deferir registro sob condição.
Confira-se o art. 50 da Resolução TSE n. 23.373/2011:
Art. 50. Os processos dos candidatos à eleição majoritária deverão ser julgados conjuntamente, com o exame individualizado de cada uma das candidaturas, e o registro da chapa somente será deferido se ambos os candidatos forem considerados aptos, não podendo ser deferido o registro sob condição.
Parágrafo único. Se o Juiz Eleitoral indeferir o registro da chapa, deverá especificar qual dos candidatos não preenche as exigências legais e apontar o óbice existente, podendo o candidato, o partido político ou a coligação, por sua conta e risco, recorrer da decisão ou, desde logo, indicar substituto ao candidato que não for considerado apto, na forma dos arts. 67 e 68 desta resolução.
Por derradeiro, a tese de ser o impugnado carecedor de ação, por impossibilidade jurídica do pedido, há de ser apreciada conjuntamente com o mérito da quaestio, eis que umbilicalmente ligadas.
Não é demais esclarecer que, mesmo que fosse extinta a presente ação de impugnação, este magistrado, em face da relevância  e das consequências no processo eleitoral, conheceria da matéria por força do estatuído no art. 47 da Resolução TSE n. 23 373/2011, que determina, verbis“O pedido de registro será indeferido, ainda que não tenha havido impugnação, quando o candidato for inelegível ou não atender a qualquer das condições de elegibilidade”. Ainda mais que existem encartadas nos autos “notícias de inelegibilidade”.
Ultrapassado este ponto, mister se faz buscar, na Carta Magna, os dispositivos, no que forem pertinentes ao caso, que tratam dos direitos políticos (Capítulo IV, Título II).
Estatui o art. 14 da Constituição Federal:
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
(...)
§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
V - a filiação partidária;
VI - a idade mínima de:
(...)
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.
§ 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.
(...)
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

Temos, pois, assim, que inelegíveis são aquelas pessoas as quais a CF e a Lei Complementar, por determinadas razões, não permitem o direito de concorrer às eleições. Assim, se aos munícipes cabe decidir o destino de Criciúma no próximo dia 07 do mês de outubro, oportunidade em que serão realizadas, simultaneamente em todo o país, eleições para Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador, não podemos olvidar a obrigação da Justiça Eleitoral, neste momento em que se pede o registro de candidatura, de verificar, haja vista o disposto na LC n. 64/90, se o candidato respeita, ou não, os preceitos legais impostos para tanto, preceitos esses determinados pelo Parlamento, que exterioriza, em última análise,  a vontade popular.
No caso dos autos, a impugnante alega que o pré-candidato CLÉSIO SALVARO, em razão de ter contra si decisão proferida pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, transitada em julgado – oportunidade em que restou reconhecida a prática ilícita de abuso poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social (Acórdão TER/SC n. 23 516), isto em 16/03/2009 –, encontra-se inelegível, ex vi do art. 1º, inc. I, alíneas “d” e “h, da LC 64/90, com redação dada pela LC 135/10.
Do site do Tribunal Regional Eleitoral, tem-se que a ementa que encimou o acórdão proferido, vem assim grafada:
Dúvidas, pois, não restam, de que, na data de 16 de março de 2009, o egrégio Tribunal Regional Eleitoral condenou o impugnado por abuso do poder econômico e de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação social.
Pois bem, reza a LC 64/90, com redação dada pela LC 135/10:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
(...)
d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;
(...)
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;”

Tendo o impugnado sido condenado, com já dito, no mês de março de 2009, tem-se que não ultrapassado o prazo de 8 anos previsto na lei supramencionada.
Resta perquirir se a LC 135, do ano de 2010, que alterou a LC 64/90, incide, ou não, no caso concreto.
Diante deste cenário, imperioso tecer considerações acerca da LC 135/10, denominada popularmente de Lei da Ficha Limpa.
Necessário, neste momento, esclarecer que, com a entrada em vigor da Lei Complementar 135/10, que alterou profundamente a redação da Lei Complementar 64/90 – a denominada lei das inelegibilidades –, criou-se um quadro de insegurança jurídica, porquanto passou-se a discutir, desde o Tribunal Superior Eleitoral, a questão da sua aplicabilidade imediata, ou não, em face do princípio da anterioridade lei eleitoral, matéria essa já superada, persistindo até este ano, contudo, a questão da constitucionalidade da lei. Referido debate deu-se no bojo das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC 29 e ADC 30) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4578).
Só recentemente (fevereiro/12), os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concluíram a análise da matéria, sendo que, por maioria de votos, prevaleceu o entendimento em favor da constitucionalidade integral da lei, que prevê, entre outras hipóteses, a inelegibilidade de candidatos condenados por decisão transitada em julgado ou por órgão judicial colegiado. Ainda pela decisão da Suprema Corte, as causas de inelegibilidade alcançam atos e fatos ocorridos antes da entrada em vigor da norma, em junho de 2010.
Tão logo foi concluído o julgamento, o site de notícias do Supremo Tribunal Federal –referente às notícias do dia 15 de fevereiro de 2012 – , divulgava o fato, apresentando trechos dos votos dos Ministros.
Assim, para a Ministra Rosa Weber, “o homem público, ou que pretende ser público, não se encontra no mesmo patamar de obrigações do cidadão comum”. Ela afirmou que, “no trato da coisa pública, o representante do povo, detentor de mandato eletivo, subordina-se à moralidade, probidade, honestidade e boa-fé, exigências do ordenamento jurídico que compõem um mínimo ético, condensado pela Lei da Ficha Limpa, através de hipóteses concretas e objetivas de inelegibilidade”.
                            Passados poucos meses do julgamento histórico acima referido, sobreveio, nos estertores do mês de junho, o tão esperado acórdão, documento esse assim ementado:
AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.
1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito).
2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.
3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.
4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 (sic) não viola o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral.
5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.
6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de  inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.
7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.
8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.
9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, §9.º, da Constituição Federal.
10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 53, § 6º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé.
11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.
12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado.
13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.
  1. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. GILMAR MENDES (repercussão geral).
Do corpo do acórdão, mais precisamente do voto do Relator Ministro Luiz Fux, extrai-se a resposta à questão de se as inelegibilidades introduzidas pela LC 135/10 poderão alcançar atos ou fatos ocorridos antes da edição do mencionado diploma legal.
Confira-se, pois, a resposta:
Primeiramente, é bem de ver que a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não viola o princípio constitucional da irretroatividade das leis. De modo a permitir a compreensão do que ora se afirma, confira-se a lição de J. J. GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5. edição. Coimbra: Almedina, 2001, p. 261-262), em textual:
“[...] Retroactividade consiste basicamente numa ficção: (1) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes de sua entrada em vigor. [...]” (Os grifos são do original.)
O mestre de Coimbra, sob a influência do direito alemão, faz a distinção entre:
(i) a retroatividade autêntica: a norma possui eficácia ex tunc, gerando efeito sobre situações pretéritas, ou, apesar de pretensamente possuir eficácia meramente ex nunc, atinge, na verdade, situações, direitos ou relações jurídicas estabelecidas no passado; e
(ii) a retroatividade inautêntica (ou retrospectividade): a norma jurídica atribui efeitos futuros a situações ou relações jurídicas já existentes, tendo-se, como exemplos clássicos, as modificações dos estatutos funcionais ou de regras de previdência dos servidores públicos (v. ADI 3105 e 3128, Rel. para o acórdão Min. CEZAR PELUSO).
[…]
A aplicabilidade da Lei Complementar n.º 135/10 a processo eleitoralposterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao ius honorum (o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo. Esta, portanto, a primeira consideração importante: ainda que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida na jurisprudência desta Corte.
[…]
Explica-se: trata-se, tão-somente, de imposição de um novo requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo, que não se confunde com agravamento de pena ou com bis in idem. Observe-se, para tanto, que o legislador cuidou de distinguir claramente a inelegibilidade das condenações – assim é que, por exemplo, o art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar nº 64/90 expressamente impõe a inelegibilidade para período posterior ao cumprimento da pena.

E mais:

A verdade é que o constituinte reformador modificou, ainda em 1994, o texto constitucional para que fosse expressamente admitida a previsão, por lei complementar, de hipóteses em que, tendo em vista a vida pregressa do indivíduo, fosse-lhe impedida a candidatura a cargos públicos eletivos, de modo a que se observassem os princípios da moralidade e da probidade administrativa, bem como a vedação ao abuso do poder econômico e político.
       Já o Ministro Joaquim Barbosa anotou:
Por não serem penas, às hipóteses de inelegibilidade não se aplica o princípio da irretroatividade da lei e, de maneira mais específica, o princípio da presunção de inocência. A configuração de uma hipótese de inelegibilidade não é o resultado de um processo judicial no qual o Estado, titular da persecução penal, procura imputar ao pretenso candidato a prática de um ato ilícito cometido no passado. As hipóteses de inelegibilidade partem de um ato ou fato público, notório, de todos conhecido. Sua configuração é imediata, bastando para tanto a mera previsão legislativa. Não se exige, para que seja considerada constitucional, o respeito a outros princípios manifestamente associados à persecução penal, os quais foram inseridos na Constituição com objetivo de conferir proteção ao mais importante bem da vida, a liberdade individual de ir e vir. Mesclar princípios pertencentes a searas constitucionais distintas é, a meu ver, atitude defesa ao juiz constitucional, sobretudo se o objetivo explícito ou implícito é a conservação das mazelas sócio-políticas que afligem cada país. A jurisdição constitucional não foi concebida com esse intento. Ao contrário, a jurisdição constitucional tem precisamente entre as suas metas a extirpação dessas mazelas.

       Por sua vez, o Ministro Toffoli registrou:
Não aplicar a Lei Complementar nº 135/10 a todos os pedidos de registro de candidatura futuros teria o efeito de fazer permanecer a legislação anterior, e suas hipóteses e prazos de inelegibilidade, em situação deultra-atividade, poisainda que revogados, permaneceriam aplicáveis aos atos, fatos e processos que foram realizados, praticados ou finalizados anteriormente à vigência da lei.
Essa situação faria incidir sobre o mesmo processo eleitoral um duplo regime jurídico de inelegibilidades, de forma que, no mesmo pleito, teríamos candidatos submetidos à LC nº 135/10 e outros, à legislação anterior. E essa situação permaneceria por tempo indefinido, pois, embora o ato ou fato possa ter sido praticado em momento anterior à vigência da LC nº 135/10, o trânsito em julgado da condenação – ou mesmo a condenação em órgão colegiado, como afirma a legislação – poderá ocorrer somente daqui a cinco, dez - sabe-se lá quantos - anos.
Sem falar que, nesse espaço de tempo, podem ser editadas novas leis e criadas novas hipóteses de inelegibilidade. Assim, ao invés de dois, teríamos três, quatro regimes simultâneos de inelegibilidade.
Para melhor ilustrar o argumento, cito um exemplo, ainda mais radical: uma emenda constitucional, em tese, poderia ampliar o art. 14, §7º, da Constituição, para estabelecer que são inelegíveis os parentes consanguíneos ou afins dos agentes políticos ali elencados, até o terceiro grau, e não mais até o segundo grau. Se, nesse caso, se impedisse a aplicação dessa causa de inelegibilidade aos fatos anteriores à edição da lei, a nova regra somente valeria para os parentes de terceiro grau (tios ou sobrinhos) dos mandatários em questão que nascessem a partir da data da vigência da emenda!?
Ora, Senhores Ministros, se uma norma passa a exigir novas condições para que alguém seja candidato, essa inovação embora esteja pautada por um fato pretérito, somente deve valer para processos eleitorais futuros. Em outras palavras, o novo critério selecionador de condições subjetivas de elegibilidade terá efeitos, necessariamente, no futuro, mas buscará seus requisitos no passado.
Assim, dúvidas não restam, em face da manifestação do Supremo Tribunal Federal, ser a LC n. 135/2010 constitucional, alcançando fatos anteriores à sua publicação/vigência.
Ou seja, o candidato há que apresentar uma vida pregressa compatível com a magnitude da representação popular, impossibilitando a Lei da Ficha Limpa que pessoa desprovida de conduta ilibada possa se candidatar por atos de sua vida pregressa. O objetivo é proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, etc. Em suma: o interessado em se candidatar há de possuir idoneidade moral.
Caso ainda persistisse alguma dúvida acerca do alcance da LC 135/2010, no sentido da mesma alcançar fatos pretéritos, restaria essa afastada, em face de recente decisão tomada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ayres Brito.
Esclareço: cuida-se do caso emblemático de “Natália Félix de Frota”. O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará veio a condenar Natália Félix de Frota, por conduta praticada nas eleições de 2008, fazendo incidir o novel diploma, ou seja, a Lei da Ficha Limpa. A parte prejudicada recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral, e, considerando o interesse de concorrer a cargo eletivo nas eleições de 2012, foi formulado, em procedimento próprio, pedido de concessão de liminar, para ser dado efeito suspensivo ao recurso especial, afastando, assim a inelegibilidade, até ulterior manifestação do TSE.
Pois bem: sobreveio decisão do Relator, Ministro Marco Aurélio,  integrante do TSE, que entendeu por conceder a liminar, forte no entendimento do TSE, no sentido, verbis: Sob o ângulo da eficácia suspensiva ativa, este Tribunal já se manifestou no sentido da inaplicabilidade da nova redação conferida ao inciso XIV do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990 pela de número 135/2010 a fatos anteriores à alteração legislativa”.
Continuemos.
Diante da iminente formalização do pedido de registro de candidaturas para as eleições municipais deste ano, a parte adversa recorreu ao Supremo Tribunal Federal, alegando, na Reclamação (RCL) 14055, que a liminar concedida pelo TSE ofende a autoridade do STF, que, no julgamento de ações relativas à aplicação da Lei da Ficha Limpa – Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 29 e 30 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4578 –, confirmou a sua validade, oportunidade em que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ayres Britto, concedeu liminar suspendendo os efeitos da decisão do Tribunal Superior Eleitoral, baseando-se no entendimento adotado pelo STF no sentido de que a LC 135/2010 se aplica a fatos anteriores a sua entrada em vigor.
Na decisão, o ministro Ayres Britto considerou presentes os requisitos necessários à concessão da liminar, uma vez que o STF pacificou a questão a seguir, no julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o voto do relator, Ministro Luiz Fux, no sentido de que “a elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral, não cabendo a alegação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada. (grifei)
Enfim, diante deste panorama, não há espaço para quaisquer dúvidas a respeito da constitucionalidade da LC n. 135/2010, sua aplicação nesta eleição de 2012, bem como a respeito do alcance da norma a fatos pretéritos.
Firmados esses pontos, passemos, pois, ao encerramento da análise deste caso concreto exteriorizado no presente caderno, sem olvidarmos o disposto no § 10, art. 11, da Lei 9504/97, verbis“As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”.
Dito isso, da análise dos autos temos que, registrando o impugnado, em sua vida pregressa, condenação por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, conforme acórdão TRE/SC 23.516, acórdão esse que exteriorizou a decisão proferida na sessão de 16/03/2009, temos que o pré-candidato ainda encontra-se no período purgatorial de 08 (oito) anos, adequando-se a hipótese à figura prevista no artigo 1°, inciso I, alínea “d”, a LC 64/90, fato que dá azo à sua inelegibilidade, e, consequentemente, à sua impossibilidade de participar passivamente do processo eleitoral que se avizinha.
Registre-se: este juízo não desconhece o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral da irretroatividade da lei; porém, permanece com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, Suprema Corte do país, a quem compete dar a interpretação final da LC 135/10 no que toca ao seu aspecto de constitucionalidade. 
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a presente ação de impugnação a registro de candidatura e, em consequência, INDEFIRO o pedido de registro de candidatura de CLÉSIO SALVARO, por se encontrar inserido em cláusula de inelegibilidade, não atendendo, assim, ao previsto no parágrafo 9°, do artigo 14 da Constituição Federal.
Diante da natureza deste decisum, INTIME-SE não só o candidato, mas também a Coligação, muito embora esta decisão não alcançar o pré-candidato a Vice-Prefeito, ex vido artigo 46 da Resolução TSE 23.373/2011.
Custas ex lege.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Criciúma, 28 de julho de 2012

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