quinta-feira, 17 de abril de 2014
Euclides - XVIII -
Enquanto mastigava seu almoço a mente de Euclides trabalhava como uma máquina a vapor. O suor escorre pela sua testa e encharca o terno surrado que ele reveza com outro apenas que possui, e que a esta altura vai sendo passado a ferro por Bruna, funcionária recém contratada pela Lavanderia, instalada estratégicamente no meio do caminho entre a casa e o trabalho de Euclides. Bruna alisa com esmero o tecido. Contudo seus pensamentos divagam. Só consegue lembrar do beijo que roubou-lhe o namorado na noite anterior. A moça de apenas 17 anos certamente teria abreviado sua promissora carreira na lavanderia acaso Euclides não interviesse a seu favor. Embora no momento financeiro atual não dispusesse de reservas para comprar outro terno que substituísse aquele carbonizado pela inexperiente passadeira Euclides não poderia tomar outra atitude que não a de assumir os prejuízos pelo terno perdido a bem do emprego da jovem. Mas este fato só se desenrolaria horas mais tarde, pouco antes dos fatos já narrados e que mudariam permanentemente a vida Euclidiana. Neste momento, enquanto forma o bolo alimentar com auxílio de suas mandíbulas, dentes, língua e glândulas salivares que trabalham autônoma e frenéticamente, Euclides articula a decisão que o fez abandonar o escritório mais cedo naquela tarde, como nunca dantes ocorrera em vinte e cinco anos de advocacia. Daí a pouco retornaria ao escritório. Haviam ainda duas ou três garfadas de arroz, duas folhas de alface e meio pepino a deglutir. Euclides já era velho conhecido do dono do restaurante. Permitiam que ele almoçasse dentro da cozinha a um canto para si exclusivamente reservado. Os negócios já andavam mal e no julgamento de Euclides seria pior se os clientes o avistassem almoçando naquele restaurante barato. Duas vantagens o levavam a tal lugar: O preço e a distância mínima em relação ao escritório. Embora Euclides nem suspeitasse, entretanto, não era a sua imagem que afastava os clientes ricos e que pudessem dar-lhe uma situação pecuniária estável. O problema é que Euclides era um poço de honestidade. Incapaz de mentir mesmo em juízo, mandara à bancarrota um sem número de clientes desavisados que no passado lhe confiaram suas trapaças. Esta uma das razões que levou a Delegada da comarca a desconfiar do depoimento de Seu Bonifácio e dona Anastácia tomados ainda no mesmo dia dos fatos. Bonifácio não conseguia explicar onde passara aquela tarde. Anastácia por sua vez mostrava-se muito agitada, e buscava imputar a culpa do que quer que tivesse acontecido à Euclides. Falava como se o vizinho tivesse matado os amantes. No entanto na residência nada havia que indicasse um homicídio além de um pouco de sangue. Simplesmente não fora encontrado corpo algum, vivo ou finado. As hipóteses eram infinitas. Podiam ter simplesmente saído juntos os três reconciliados depois de uma briga. “ A esta hora devem estar em um boteco enchendo a cara e nem suspeitam que estamos aqui a perder tempo procurando um culpado pelas suas mortes”. Estas as últimas palavras ditas pela Delegada Dr. Jurema Wulf quando saíram resmungando, seu Bonifácio e Dona Anastácia, que a polícia nunca resolvia nada mesmo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário